Em 2010 eu contei aqui sobre o acompanhamento que a Sofia faz com um
pneumologista que estuda o caso dela desde bebê. No post “Não tem preço” eu
relatei uma de nossas idas à capital.
Mas agora quero relembrar um episódio marcante, de uma das consultas.
Algo que hoje me faz pensar nas metáforas da vida.
Depois de dezenas de exames, dos mais complexos, o médico veio para
aquele papo-sentença. Daria por fim o diagnóstico do pós-UTI. Como ficou o
pulmão afetado e como seria a vida dela dali pra frente.
Com aquele semblante sério, que me fazia suar frio, ele começou a
relatar suas conclusões. O resumo da ópera era que o pulmão direito não
irrigava nada de sangue. Em resumo, não tinha função respiratória.
Nosso saldo então era o pulmão esquerdo funcionando e a expectativa do
que faríamos com o direito: tirá-lo ou não, era a questão!
Ele e nosso pediatra daqui, que acompanhou a Sofia desde o primeiro
olhar fora da barriga, concordavam em deixar o órgão e ver a “evolução” dela ao
longo dos tempos.
Mas ao final daquela conversa tensa, eu munida de bloquinho e caneta,
fui direto para as perguntas.
- Mas Dr. Fischer, então ela nunca vai poder praticar esportes?
Com aquela certeza científica, ele me mirou firme e disse:
- Gabriela, é importante vocês terem noção das limitações dela. Não
adianta investirem em esporte porque ela nunca será uma atleta olímpica!
Eu com aquele atrevimento das mães que acreditam em milagres, larguei
de sopetão:
- Mas que eu saiba Doutor, existem as Olimpíadas de Xadrez, ou não?
Voltamos ao nosso mundo e o que aconteceu depois disso todo mundo sabe.
Ela rompeu todas as expectativas. Cresceu, mesmo usando um medicamento que
inibia o crescimento, brincou e pulou com toda energia, como se tivesse três
pulmões.
Passeou pelas aulas de judô, mas não se agradou. Mesmo assim os agitos
físicos dela sempre me traziam preocupação. Receio de que exagerasse na dose, que
se machucasse, enfim, tudo podia acontecer.
Até que um dia ela se encantou com o jeito sereno do professor de
xadrez. Chegou em casa animada com as aulas e pediu para entrar nas Vivências Esportivas. São
aulas extras que acontecem duas vezes por semana na escola, pós horário normal.
O entusiasmo e o brilho nos olhos me fascinavam. Ela descobria um novo
universo e se sentia em casa com as estratégias do jogo. Para minha surpresa,
quis participar de um torneio, no ano passado, o Campeonato Estadual de Xadrez.
Estimulamos a ideia, mas juro que não tinha expectativas. Passei o dia
envolvida com o trabalho e cheguei na escola quase na hora da premiação.
Quando escuto a categoria oito anos e vejo o “profi” chamá-la para
receber a medalha de terceiro lugar não resisti. Um misto de surpresa e
significados me invadiu. Voltei no tempo e na conversa com Dr. Fischer.
A soma de nossas escolhas faz toda diferença. Ao longo dessa estrada tenho
certeza de que movemos os peões certos para chegar até aqui. Foram muitos invernos duros, fisioterapias, remédios e a dúvida se estávamos dando os passos certos.
Por isso aquela medalha exposta no espelho do quarto dela guarda tantos sentidos. O maior de todos é que nessa metáfora da vida, temos certeza de que a
Sofia deu cheque-mate nas dificuldades do caminho.
A verdade é que a gente nunca sabe a próxima jogada, mas a intuição faz toda a diferença.
A verdade é que a gente nunca sabe a próxima jogada, mas a intuição faz toda a diferença.
E que siga o jogo!