Quantas pessoas vocês conhecem que nadam com os gansos?
Acredito que a maioria responda que, nenhuma. Mas eu conheço e esse cara singular é o meu Dindo Bebeto. Para entender isso, que a princípio parece uma maluquice, é preciso saber um pouco mais sobre essa pessoa no centro da foto acima.
Imagine uma Belina carregada de malas, crianças e uma vianda de fazer inveja a farofeiro profissional. Assim partíamos nos anos 70, de Pelotas rumo à Montenegro, onde moravam Tia Carmem e nossos primos.
Cada aniversário era a mesma caravana. Uma verdadeira operação, com o carro entulhado de coisas, parando a cada novo pedido de xixi. Quando chegávamos na cidade o Dindo começava o festejo.
Tirava para fora do carro foguetes e começava uma verdadeira festa de ano novo fora de época. Assim avisávamos à “parentada” que a turma do Bebeto estava chegando.
Essa é só uma das inúmeras lembranças inesquecíveis desse meu padrinho e tio muito especial. Não conheço uma criança da nossa geração que não tenha uma história preciosa protagonizada por ele. Por certo, guardada na caixinha das pérolas de sua infância.
O Dindo era amigo do meu pai desde jovem. Eram da pá virada. Aprontavam tudo e mais um pouco juntos. Foi ele que apresentou o meu pai para mãe. Nsmorava a tia Vera, e desse casamento nasceram os meus três queridos primos: Bel, Otávio e Marta (Pata Amada).
Como sou a filha mais velha, quando nasci meu pai não teve dúvidas na escolha do padrinho.
- O Bebeto, claro, é mais que um irmão!
Durante toda vida sempre nos divertimos demais ouvindo as histórias hilárias dessa dupla, que não veio ao mundo a passeio. Entre os dois eu vi as mais lindas demonstrações de amizade e carinho.
O Dindo sempre beijou meu pai no rosto. Era a pessoa a quem meu pai mais ouvia. Na madrugada em que meu pai faleceu repentinamente, o Dindo foi dos primeiros a chegar na Unimed. Me deu o abraço mais apertado que pôde e perguntou:
- Cadê o Carlinho?
Entrou na sala de enfermagem e a primeira coisa que disse foi:
- Como é que tu faz uma dessas Carlinhos? Tu, o meu amigo!
Foi a cena mais triste e linda que já vi na minha vida. Se é que esse antagonismo pode ser compreendido.
Depois de um tempo, disse que precisávamos arrumar o meu pai. Que ele não estava bem daquele jeito. Começou a conversar como se meu pai estivesse ali.
Com a ajuda do Nauro arrumou a boca, o cabelo, ajeitou-o melhor na maca, e seguiu conversando. Não tive coragem de seguir participando daquele momento.
Quando chegamos para o velório, já no cemitério, olhei novamente para o meu pai. A expressão de dor e tensão daquele corpo que havia me impressionado na Unimed havia desaparecido.
Um rosto plácido e um ar de paz irradiavam da cena fúnebre. Não tenho dúvidas de que as palavras ditas e sentidas ocuparam um espaço entre dois mundos. Um amor entre amigos, além do céu e da terra.
Na sexta-feira passada o Dindo sofreu um AVC hemorrágico. Estava ótimo, na casa da namorada. Sentiu-se mal, e em um piscar de olhos o derrame aconteceu. Foi imediatamente atendido.Desde então trava uma brava luta pela vida na UTI do HU São Francisco de Paula.
Os boletins médicos já oscilaram entre melhoras e pioras. Desde ontem ele está em coma induzido, na tentativa de estabilizar o quadro. Temos rezado, pensado coisas boas, feito correntes de boas energias, tudo o que acreditamos que possa ajudar na sua recuperação.
Ele é um homem forte, sempre levou uma vida saudável. Tem tudo a seu favor.
Por isso, quando penso no Dindo fecho os olhos e mentalizo aquela cena tão única. Acontecia no arroio em frente a sua casa, na Marinha Ilha Verde.
Ele colocava os pés de patos e mergulhava no arroio em qualquer estação. Saia nadando e atrás dele um bando de gansos, criados desde pequenos por ele. Seguiam arroio a fora, em total sintonia.
Essa cena que mais parece de filme, é o mais belo retrato dessa pessoa que descrevo. Um ser genuíno, original. Por isso tenho pedido muito para que tudo dê certo. Quero tanto que ele continue com a gente!
Segura firme Dindo, nós e os gansos te esperamos aqui para muitas aventuras!
*Na foto: Gorda, Bel (esquerda), Dindo, eu e o Mão (direita), em 1975, em alguma festa da nossa infância, na Charqueada São João.