
Não sei lidar com a dor nem com a tragédia. Não consigo imaginar de forma consciente que o lindo dia de sol de uma sexta-feira possa ser o último.
Preciso me espiritualizar mais. Sentir o que na teoria imagino ser a verdade. Não acaba aqui, isso é uma passagem.
Quero tomar um elixir que me acalme frente às incompreensíveis surpresas do cotidiano.
Eu me envolvo. Mergulho. Fico imersa na dor alheia.
Sei toda teoria acadêmica do jornalismo. Mas não me encaixo no distanciamento que protege. Sou uma eterna "foca", como se diz no meio.
Não por acaso, ontem ganhei uma correntinha com o espírito santo da minha mãe. Minutos depois de colocá-la no pescoço o telefone tocou.
Sou assessora de imprensa de uma concessionária de rodovias. A primeira a saber dos acidentes nas estradas. Cabe a mim a missão de avisar à imprensa.
Ontem o acidente foi muito próximo. Das nossas vidas, da nossa casa, dos nossos sonhos.
A tarefa não se limitou a informar o número de óbitos, vítimas ou condições de tráfego. Pelo celular chegaram prantos desesperado de amigos e parentes em busca da confirmação de informações.
As notícias pipocavam desencontradas.
Atendi a coordenadora do hospital que o grupo de amigos trabalhava. Não consegui ser profissional. Ela me perguntava se eu sabia se a van era de funcionários do hospital.
Não consegui me conter. Chorei com ela.
Enquanto as notícias se confirmavam fechei os olhos e fiquei pensando. Imaginando o que aquela gente jovem tinha imaginado quando acordou naquela sexta-feira ensolarada.
Um dia comum e especial. Com as cores únicas do verão que se despede. O céu fica mais azul, o vento suave refresca a alma.
Eram mães jovens, que como eu, não saem de casa sem um beijo demorado na cria. Deixam as recomendações e partem para a labuta pensando na hora do reencontro.
Como não doer ao imaginar que aquele momento foi o último?
Uma tempestade de dor invadiu a vida de muitos. Mesmo quem não conhecia as vítimas parou o relógio e olhou ao redor.
A verdade é simples: todos os dias acordamos sem saber o fim da história.
Eu sei da teoria. Mas queria criar um mundo a parte. Como no filme “A vida é bela”. Não temos como impedir que as coisas aconteçam.
Só podemos viver e aceitar. Ter ânimo. Ir adiante e viver a vida com urgência. Porque ela é assim mesmo, breve como um suspiro.