Temos muitos medos. Todos
nós os temos. Ficam guardados em caixas herméticas. Sem janelas. Longe da luz.
Alguns são maiores, outros
até bobos. Mas todos ficam devidamente lacrados. Guardamos para que não escapem.
Não se transformem em realidade.
Não batam à nossa porta em
uma tarde de inverno.
Domingo assisti a uma
notícia que me paralisou. Gabriel Garcia Márquez não irá mais escrever.
O irmão, Jaime Garcia
Márquez, que vive em Cartagena de Índias, anunciou que o escritor está com
demência senil. Um dos sinônimos da doença de Alzheimer.
Seu corpo continua
saudável. Mas a cortina do mundo das letras se fechou.
O irmão liga todos os dias
para lhe relembrar fatos. Estende a corda além do abismo. Gesto de amor,
esperança.
A primeira vez que tive
contato com a senilidade foi ainda adolescente. A irmã mais moça de minha
Voinha se perdeu no tempo.
Tia Bebete morava no Rio
de Janeiro. Casada com Tio Gregório, um espanhol que parecia ter vindo dos
livros de Maria Dueñas.
Nosso contato com aquela
tia-avó moderna era nos meses de julho. Fugíamos do frio e encontrávamos o
epicentro da terra.
Entre outras revoluções,
nos levou pela primeira vez à confeitaria Colombo. Apresentou um mundo que nem
sonhávamos existir.
Ensinou a não beber durante
as refeições e pediu a primeira Ceasar Salad da minha vida.
Até que numa bela tarde de
outono, veio a notícia. Tia Bebete estava doente. Não lembrava mais das coisas.
Confundia as datas. Criava histórias. Se perdia pelas ruas.
Uma tristeza invadiu minha
Voinha. Mulher de fé, aceitou os desígnios de Deus.
Mas eu não entendia. Como
pode uma pessoa perder-se de si mesmo?
O amadurecimento e o tempo
me trouxeram as respostas. A parte teórica dessas histórias. Mas como aceitar os
últimos capítulos de uma vida em branco?
Esse é um dos medos que
guardo bem lá no fundo da minha caixa secreta.
Gabriel Garcia Marquez, o
Gabo, escreveu que o segredo de uma velhice agradável consiste apenas na
assinatura de um honroso pacto com a solidão.
Será que foi essa a
solidão que ele imaginou?
Seu castelo de letras
desmoronou. Milhões de fãs estão com o coração em suspenso. Sua obra
será eterna, mas seus dias agora são como cometas. Fugazes instantes entre o
real e o imaginário.
Tenho medo, muito medo da
senilidade. Dos que eu amo, dos que admiro, de mim mesma.
Como escreveu Gabo, em O Amor nos Tempos de Cólera:
“As pessoas que a gente
ama deviam morrer com todas as suas coisas”.
4 comentários:
Oi Gabi! Lindo teu texto!
Eu tb convivi com a demência senil, meu Vô Henrique, que nós perdemos ano passado, viveu os últimos anos assim, dias de lucidez e dias de total ausência do nosso mundo. Foi mto triste!
Parabéns pela delicadeza com que tu escreves...
Um beijão!
Gabi:
Parabéns pelo seu lindo texto!
Realmente quantos medos temos guardados!
Bjs
Berenice
Gabi, lindo texto. Divido contigo sentimentos de medo, de perda dos outros e de nós mesmos. Te admiro cada dia mais. bjs
Dick, é muito triste mesmo....que este mal nunca venha para nossas "bandas"....aproveita enquanto não estou senil para me perguntares o que não te lembras.....hehehe....só para amenizar esta triste notícia.
Com amor, Moby
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