segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Nhoque da sorte
Tem duas coisas que me remetem a afetos. O paladar e a música.
No dia do meu aniversário fomos a uma cantina lá em Gramado. Era dia 29, e eu pedi para que naquela noite nossa janta fosse um “nhoque da sorte”.
Além de ter a tal tradição italiana, essa sempre foi a comida que minha avó Nóris fazia para o meu aniversário.
A Chochó, essa avó que morava conosco, tinha esse ritual, de que o aniversariante escolhia a comida no seu dia. E cada dia 29 de outubro que passei com ela, me fartei em travessas de nhoque recheadas com molho ao sugo. Inigualável. Era sempre a mesma coisa, e eu amava.
Então voltando aos dias de hoje. Chegamos a uma cantina um pouco vazia, recém inaugurada, nas redondezas da Avenida das Hortênsias. O garçom simpático, logo veio puxando assunto e contando que a casa era nova. Entre uma informação e outra, não deixou de ressaltar que o chef era um renomado gourmet, e que vinha da cozinha da famosa Cantina Pastasciutta em busca de abrir seu negócio próprio.
Contei então que eu estava de aniversário naquele dia, e que iríamos comemorar jantando ali, e testando o chef. Falei do prato que minha avó me homenageava, e resolvi pedir esse menu nostálgico para celebrar os 42 aninhos de vida.
Enquanto comíamos o antepasto, com um vinho da serra, comecei a viajar no passado. Tentei lembrar daquele sabor singular, que me fazia sentir tão querida pela minha Chochó. Lembrei da toalha de olhado, com estampa de frutas, que ficava na mesa da sala de jantar. Enxerguei os descansos de talheres, que causavam espanto nas minhas amiguinhas de colégio, já que eram um tanto incomuns nas mesas cotidianas.
Vi como se estivesse ao meu alcance, o passador de pratos de madeira, pintado de azul colonial, que ficava atrás da cadeira da cabeceira, e que tinha toda uma explicação histórica do tempo dos charqueadores. Aquele meu cenário infantil me veio à mente com clareza e raros detalhes, coisa que minha péssima memória não me brinda quase nunca.
E como num filme, nesse momento, o garçom deita em minha frente uma travessa de nhoque com molho ao sugo.
Como num ritual indígena, fechei os olhos e abri a boca para perceber o sabor com toda sua intensidade. O garfo recheado daquela porção mágica me levou para uma dimensão que só o paladar pode conduzir
A textura do nhoque estava idêntica. Nem mais, nem menos. O molho tinha a quantidade exata de tomates e a pitada de manjericão na medida para me levar a um outro lugar do tempo e do espaço. Lá, naquela noite chuvosa de Gramado, pude sentir minha avó querida.
Matei a saudade e recebi um abraço de aniversário mergulhada em molho ao sugo.
Terminada a refeição peguei a nota de um dólar debaixo do prato para guardar na carteira e fui até a cozinha apertar a mão do tal chef. No final, dei um abraço apertado e disse a ele que o prato estava perfeito. Ele me respondeu dizendo que a comida e o afeto são uma coisa só.
Realmente!
Ele talvez não tenha entendido a profundidade daquele momento pra mim, mas como todo bom chef, sentiu. Me disse que estava ansioso em saber se a cantina ia de fato decolar.
Pelo que vi acontecer ali, acho que tem tudo para dar certo. Ainda mais se minha avó continuar dando o tempero nos pratos dele. Tenho certeza de que será um sucesso!
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Um comentário:
Lindo, Gabi! Acho realmente que o paladar nos remete ao passado, no meu caso, sempre que bebo guaraná Antárctica, que nem é comum, remeto-me à geladeira da minha avó, sempre recheada de caçulinhas, num tempo em que não era comum regrigerante em "dias de semana".
Beijo, Kika
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