quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O Dindo e os gansos


Quantas pessoas vocês conhecem que nadam com os gansos?

Acredito que a maioria responda que, nenhuma. Mas eu conheço e esse cara singular é o meu Dindo Bebeto. Para entender isso, que a princípio parece uma maluquice, é preciso saber um pouco mais sobre essa pessoa no centro da foto acima.

Imagine uma Belina carregada de malas, crianças e uma vianda de fazer inveja a farofeiro profissional. Assim partíamos nos anos 70, de Pelotas rumo à Montenegro, onde moravam Tia Carmem e nossos primos.

Cada aniversário era a mesma caravana. Uma verdadeira operação, com o carro entulhado de coisas, parando a cada novo pedido de xixi. Quando chegávamos na cidade o Dindo começava o festejo.

Tirava para fora do carro foguetes e começava uma verdadeira festa de ano novo fora de época. Assim avisávamos à “parentada” que a turma do Bebeto estava chegando.

Essa é só uma das inúmeras lembranças inesquecíveis desse meu padrinho e tio muito especial. Não conheço uma criança da nossa geração que não tenha uma história preciosa protagonizada por ele. Por certo, guardada na caixinha das pérolas de sua infância.

O Dindo era amigo do meu pai desde jovem. Eram da pá virada. Aprontavam tudo e mais um pouco juntos. Foi ele que apresentou o meu pai para mãe. Nsmorava a tia Vera, e desse casamento nasceram os meus três queridos primos: Bel, Otávio e Marta (Pata Amada).

Como sou a filha mais velha, quando nasci meu pai não teve dúvidas na escolha do padrinho.

- O Bebeto, claro, é mais que um irmão!

Durante toda vida sempre nos divertimos demais ouvindo as histórias hilárias dessa dupla, que não veio ao mundo a passeio. Entre os dois eu vi as mais lindas demonstrações de amizade e carinho.

O Dindo sempre beijou meu pai no rosto. Era a pessoa a quem meu pai mais ouvia. Na madrugada em que meu pai faleceu repentinamente, o Dindo foi dos primeiros a chegar na Unimed. Me deu o abraço mais apertado que pôde e perguntou:

- Cadê o Carlinho?

Entrou na sala de enfermagem e a primeira coisa que disse foi:

- Como é que tu faz uma dessas Carlinhos? Tu, o meu amigo!

Foi a cena mais triste e linda que já vi na minha vida. Se é que esse antagonismo pode ser compreendido.

Depois de um tempo, disse que precisávamos arrumar o meu pai. Que ele não estava bem daquele jeito. Começou a conversar como se meu pai estivesse ali.

Com a ajuda do Nauro arrumou a boca, o cabelo, ajeitou-o melhor na maca, e seguiu conversando. Não tive coragem de seguir participando daquele momento.

Quando chegamos para o velório, já no cemitério, olhei novamente para o meu pai. A expressão de dor e tensão daquele corpo que havia me impressionado na Unimed havia desaparecido.

Um rosto plácido e um ar de paz irradiavam da cena fúnebre. Não tenho dúvidas de que as palavras ditas e sentidas ocuparam um espaço entre dois mundos. Um amor entre amigos, além do céu e da terra.

Na sexta-feira passada o Dindo sofreu um AVC hemorrágico. Estava ótimo, na casa da namorada. Sentiu-se mal, e em um piscar de olhos o derrame aconteceu. Foi imediatamente atendido.Desde então trava uma brava luta pela vida na UTI do HU São Francisco de Paula.

Os boletins médicos já oscilaram entre melhoras e pioras. Desde ontem ele está em coma induzido, na tentativa de estabilizar o quadro. Temos rezado, pensado coisas boas, feito correntes de boas energias, tudo o que acreditamos que possa ajudar na sua recuperação.

Ele é um homem forte, sempre levou uma vida saudável. Tem tudo a seu favor.

Por isso, quando penso no Dindo fecho os olhos e mentalizo aquela cena tão única. Acontecia no arroio em frente a sua casa, na Marinha Ilha Verde.

Ele colocava os pés de patos e mergulhava no arroio em qualquer estação. Saia nadando e atrás dele um bando de gansos, criados desde pequenos por ele. Seguiam arroio a fora, em total sintonia.

Essa cena que mais parece de filme, é o mais belo retrato dessa pessoa que descrevo. Um ser genuíno, original. Por isso tenho pedido muito para que tudo dê certo. Quero tanto que ele continue com a gente!

Segura firme Dindo, nós e os gansos te esperamos aqui para muitas aventuras!

*Na foto: Gorda, Bel (esquerda), Dindo, eu e o Mão (direita), em 1975, em alguma festa da nossa infância, na Charqueada São João.

O Dindo e os gansos

Quantas pessoas vocês conhecem que nadam com os gansos? Imagino que a maioria responda que, nenhuma. Mas eu conheço e esse cara singular é o meu Dindo Bebeto.

Para entender isso, que a princípio parece uma maluquice, é preciso conhecê-lo um pouco mais.

Imagine uma Belina carregada de malas, crianças e uma vianda de fazer inveja a farofeiro profissional. Assim partíamos de Pelotas rumo à Montenegro, onde moravam Tia Carmem e nossos primos.

Cada aniversário era a mesma caravana. Uma verdadeira operação, com o carro entulhado de coisas, parando a cada novo pedido de xixi. Quando chegávamos na cidade o Dindo começava o festejo.

Tirava para fora do carro foguetes e começava uma verdadeira festa de ano novo fora de época. Assim avisávamos à “parentada” que a turma do Bebeto estava chegando.

Essa é só uma das inúmeras lembranças inesquecíveis desse meu padrinho e tio muito especial. Não conheço uma criança da nossa geração que não tenha uma história preciosa, protagonizada por ele, guardada na caixinha da sua infância.

O Dindo era amigo do meu pai quando eram jovens. Foi o meu pai, quando já namorava a mãe, que apresentou a Tia Vera para ele. Dali saiu um namoro e como fruto os meus três queridos primos: Bel, Otávio e Marta (Pata Amada).

Como sou a filha mais velha, quando nasci meu pai não teve dúvidas na escolha do padrinho.

- O Bebeto, claro, é mais que um irmão!

Durante toda vida sempre nos divertimos demais ouvindo as histórias hilárias dessa dupla, que não veio ao mundo a passeio. Entre os dois eu vi as mais lindas demonstrações de amizade e carinho.

O Dindo sempre beijou meu pai no rosto. Era a pessoa a quem meu pai mais ouvia.

Na madrugada em que meu pai faleceu repentinamente, o Dindo foi dos primeiros a chegar na Unimed. Me deu o abraço mais apertado que pôde e perguntou:

- Cadê o Carlinho?

Entrou na sala de enfermagem e a primeira coisa que disse foi:

- Como é que tu faz uma dessas Carlinhos? Tu, o meu amigo!

Foi a cena mais triste e linda que já vi na minha vida. Se é que esse antagonismo pode ser compreendido.

Depois de um tempo, disse que precisávamos arrumar o meu pai. Que ele não estava bem daquele jeito. Começou a conversar como se meu pai estivesse ali.

Com a ajuda do Nauro arrumou a boca, o cabelo, ajeitou-o melhor na maca, e seguiu conversando. Não tive coragem de seguir participando daquele momento.

Quando chegamos para o velório, já no cemitério, olhei novamente para o meu pai. A expressão de dor e tensão daquele corpo que havia me impressionado na Unimed havia desaparecido.

Um rosto plácido e um ar de paz irradiavam dali. Não tenho dúvidas de que as palavras ditas e sentidas ocuparam um espaço entre dois mundos.

Na sexta-feira passada o Dindo sofreu um AVC hemorrágico. Estava ótimo, na casa da namorada, quando se sentiu mal e o derrame aconteceu. Foi imediatamente atendido e desde então trava uma brava luta pela vida na UTI do HU São Francisco de Paula.

Desde então as notícias já oscilaram entre melhoras e pioras, mas agora ele está em coma induzido.

Temos rezado, pensado coisas boas, feito correntes de boas energias, tudo que acreditamos que possa ajudar na sua recuperação.

Ele é um homem forte, sempre levou uma vida saudável e tem tudo isso a seu favor. Por isso quando penso no Dindo, imagino aquela cena tão única, que acontecia em frente a sua casa, na Marinha Ilha Verde.

Ele colocava os pés de patos, mergulhava no arroio em qualquer estação, e os gansos que ele criava desde pequenos saiam nadando atrás dele, arroio a fora.

A cena inusitada é o mais belo retrato desse ser maravilhoso, que quero muito que continue com a gente.

Segura firme Dindo, nós e os gansos te esperamos aqui, para curtir muitas coisas boas!

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O caderno


Quando a minha Voinha completou 87 anos, eu dei de presente para ela um caderno em branco. Era o dia 5 de abril de 1999. Nossa relação era muito forte e a proximidade de perdê-la, me fez pensar em uma forma de congelar sua história. De tê-la comigo pra sempre.

O cartão que acompanhava o pacote dizia:

“Voinha querida, gostaria que esse presente fosse usado para celebrares a tua vida. Gostaria que escrevesses tudo que tua alma transpira, e com essas linhas revivesses cada capítulo da tua história – tão especial pra mim”

E ali, naquelas páginas cheias de relatos, ela me deixou sua melhor herança. O livro de capa preta me foi entregue depois que ela faleceu, aos 91 anos de idade. Dentro, vários cartões e recortes, com significativas passagens da sua trajetória.

Esse é o meu tesouro, que guardo com amor e carinho. De vez enquando abro suas páginas e me delicio lendo os capítulos de uma vida começada em 1912.

A letra cursiva perfeita, o português antigo, a fé e devoção à Deus, marcas registradas dessa pessoa tão especial e que me fez muito feliz. Tudo isso está ali, bem vivo nesse nosso canal de ligação atemporal.

Mas contei isso para chegar em outro assunto. Foi lendo o mais recente lançamento da minha autora preferida, que me dei conta de uma coisa interessante. A sensação de que algumas coisas são escritas para gente.

Em julho fui levar a Sofia ao médico, em Porto Alegre, e como sempre passei na Fnac. Dei uma olhada nos lançamentos e eis que salta aos meus olhos o novo livro da Isabel Allende.

Fresquinho, saído do forno. A versão ainda em espanhol, com capa reluzente: “El cuaderno de Maya”. Não tive dúvidas, comprei.

Já no ônibus de volta pra casa comecei a ler. A história é longa, mas o que quero contar é que foi escrita em um caderno que a avó da Maya deu pra ela. Exatamente para isso, para que escrevesse a sua vida e fortalecesse ali o elo entre as duas.

Fiquei anestesiada. Tenho sempre essa sensação com a Isabel Allende, de uma ligação direta, meio sem nexo. E isso já me acompanha há anos.

Quando li “A Casa dos Espíritos”, eu vivia em uma delas. Era adolescente e habitava uma moradia construída em 1810, com senzala e dezenas de cômodos. Não preciso dizer o quanto me senti na casa da Isabel, inúmeras vezes!

E não foi só dessa vez. As noites intermináveis de UTI, ao lado da Sofia, muitas vezes me fizeram lembrar suas palavras escritas em “Paula”. Ela descreveu a sensação de querer mover as montanhas pela vida de um filho. Senti profundamente.

E é essa sensação absurda, de comungar da mesma sintonia com alguém que não habita o nosso universo é maluco. Estranho, mas que me faz bem. Acho que é como uma viagem imaginária, onde me conecto com Isabel Allende, a minha Voinha e quem mais me inspirar.

Nesse momento acredito que nossos espíritos estão interligados.

Ainda não acabei de ler o livro. Maya ainda não terminou sua aventura pela ilha de Chiloé. Assim como eu, ainda não finalizei a minha.

Mas essa “coincidência” me fez buscar na gaveta o caderno da minha avó. Abri o baú das lembranças e o segurei com ternura, como se eu pudesse sentir aquelas mãos firmes, de longos dedos. Folhei as páginas impregnadas de vida daquele personagem. Uma mulher real, que viveu a vida sem ficção.

O bom é que me vi ali, em deliciosos capítulos da vida da minha Voinha. Foi muito bom ter feito parte dessa história real. E de alguma forma escrevo aqui algumas páginas do meu caderno. E como disse minha amiga Isabel Allende...

Y en ese largo y paciente ejercicio diario de escribir he descubierto mucho sobre mí misma y sobre la vida.