domingo, 11 de novembro de 2012

Aquela flor

Semana do lançamento do livro, expectativa e cabeça rodando sem parar. Tropeçamos na emoção e quando nos demos conta já era dia 10 de novembro.

Deu aquela sensação estranha de quando perdemos o ônibus, nos atrasamos para o encontro ou chegamos ao final da festa.

O aniversário de uma amiga querida tinha passado. O dia voou pra longe. Quando olhei no espelho já era manhã de sábado.

Liguei na hora para o celular. Caiu na caixa, meu coração apertou.

Uma amiga tão especial, a data não pode passar em branco. Pensei em mandar flores, reparar minha sensação com um presente.

Em meio a dúvidas me dei conta de que eu estava falando de uma amiga. Uma grande e querida amiga. Pra descrever a presença dela na nossa vida, vou começar pela sua chegada.

Quando a gente ama um amigo profundamente, deseja que ele possa mergulhar no melhor da vida. Que tenha saúde, sucesso profissional, uma família abençoada e um amor para caminhar junto.

Nosso amigo Joca tinha quase tudo. Faltava alguém que o compreendesse na sua complexa simplicidade.

A receita parece de bolo, mas não. Na verdade é de calda. Sabe aquelas caldas de doce, onde acertar o ponto é para os talentosos. Era esse o desafio!

E na procura dessa fórmula mágica apareceu uma alquimista. Especialista em transformar a vida em melodia. Fazer dos sonhos, projetos. Dos bons momentos, canções.

E como uma fada, abriu a porta das nossas vida. Trouxe de volta o nosso Joca. Encheu a vida de magia.

Desse encontro ganhamos essa pessoa especial. E para ela que fez aniversário na sexta-feira passada, envio o meu presente mais caro, minhas letras de carinho. Frases de admiração. Parágrafos de encantamento.

Para ela, que chegou colorindo a paisagem, arou a terra e agora começou a plantar um jardim, desejo que a vida seja leve e linda.

Que tenha o perfume, as cores e o pólen dessa encantadora flor do pampa!

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Sorvete

Estávamos naquele papo gostoso entre amigas. Restaurante legal, clima super primaveril e o burburinho que só uma mesa de mulheres consegue produzir.

A conversa fluia entre comentários cotidianos, dúvidas sobre as fases dos filhos e confissões.

Sim, entre mulheres sempre nos confidenciamos. Seja sobre amenidades ou desejos secretos.

Somos assim, movidas por sentimentos. Compostas por hormônios. Os tais mensageiros químicos do corpo. Regulam mais de nossas vidas que nós mesmos.

E foi nesse vaivém de delícias do universo feminino que uma amiga largou:

- Depois dos 40 somos como um sorvete derretendo!

Socorro! Deu aquele estalo. Na hora me veio na mente a imagem daquele sorvete de casquinha do Mc Donald´s, que derrete num piscar de olhos.

- Calma, disse ela. - detalhando sua metáfora -o problema é que aos 40 nós queremos continuar nos baseando na pessoa que éramos aos 20 anos. Corpo, cabelo, pele...

Bingo! Ela tinha toda razão.

Nosso maior erro é exatamente estarmos competindo com aquele corpo que tínhamos no passado. Barriga de tanquinho. Comer e não engordar. Sol sem protetor.

Muito de tudo e nada de consequências. Pelo menos instantâneas.

O mundo gira, o calendário muda.

Nosso referencial a partir dos 40 deve ser da sessentona enxuta que queremos ser. Ok, mas vamos deixar claro. Sem exageros.

Carregando conosco nossas histórias e marcas. Isso somos nós. O melhor de cada uma. Nossa mais saborosa fatia. 

Cuidado sim. Exercícios físicos, óbvio. Mas sem a neurose que transforma mulheres em caricaturas de si mesmo.

Elas estão soltas por aí, assustando pela falta de noção. Meg Ryan, que foi tão incrível em Harry e Sally, hoje não me faria rir. Só chorar.

Isso sem falar naquela lista de famosas (e nem tanto) transformadas nas réplicas do palhaço Bozo.

Então naquela noite, entre borbulhas de espumante e largas risadas, descobrimos a "nossa américa".

A pergunta que não quer calar: como encarar esse momento em que as coisas começam a mudar definitivamente, sem nos perdermos de nós mesmas?

As respostas vieram em doses homeopáticas. Não sabemos. Não temos a menor ideia. Mas queremos.

Somos cria da geração de Renato Russo. Seus versos nos diziam para amar as pessoas como se não tivesse amanhã. E agora Renato, chegou o manhã!

Queremos saber hoje, qual a melhor receita para sermos "nós" amanhã?

Confesso que ainda não sei qual é a mágica. Recebi os primeiros fios de cabelo branco com cortesia. Mas depois, confesso que não fui tão gentil. Arranquei uma a um sem dó nem piedade.

Qualquer dia vou acabar encarando um tonalizade, mês sim, outro também. Mas de nariz torcido. Coisa boa aquela juba dourada que oscilava com tons de acordo com as estações.

O hidratante acaba mais esquecido do que lembrado, na prateleira. Os exercícios físicos estão na lista das “pendências”.

Nossa, quanta demanda chata. Tem gente que gosta, eu não.

Mas enquanto a gente não descobre a fórmula mágica, nosso grupo de amigas continua se reunindo e brindando.

E se o mestre Renato Russo nada nos disse sobre o que fazer. Atacamos de Almir Sater, um sertanejo. Porque um dos bônus da maturidade é a liberdade de pré-conceitos.

E enquanto o sorvete derrete, a gente vai lambendo a vida com muita vontade. Brindando, sorrindo e seguindo a canção!

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Velhos Amigos

Velhos Amigos
Quando se encontram
Trocam notícias
E recordações
Bebem cerveja
No bar de costume
E cantam em voz rouca
Antigas canções
Os velhos amigos
Quase nunca se perdem
Se guardam para
Certas ocasiões
Velhos amigos
Só rejuvenescem
Lembrando loucuras
De outros verões
E brindam alegres
Seus vivos e mortos
E acabam a noite
Com novas canções
Conhecem o perigo
Mas fazem de conta
Que o tempo não ronda
Mais seus corações

http://letras.mus.br/almir-sater/597199/



segunda-feira, 9 de julho de 2012

Castelo de letras


Temos muitos medos. Todos nós os temos. Ficam guardados em caixas herméticas. Sem janelas. Longe da luz.

Alguns são maiores, outros até bobos. Mas todos ficam devidamente lacrados. Guardamos para que não escapem. Não se transformem em realidade.

Não batam à nossa porta em uma tarde de inverno.

Domingo assisti a uma notícia que me paralisou. Gabriel Garcia Márquez não irá mais escrever.

O irmão, Jaime Garcia Márquez, que vive em Cartagena de Índias, anunciou que o escritor está com demência senil. Um dos sinônimos da doença de Alzheimer.

Seu corpo continua saudável. Mas a cortina do mundo das letras se fechou.

O irmão liga todos os dias para lhe relembrar fatos. Estende a corda além do abismo. Gesto de amor, esperança.

A primeira vez que tive contato com a senilidade foi ainda adolescente. A irmã mais moça de minha Voinha se perdeu no tempo.

Tia Bebete morava no Rio de Janeiro. Casada com Tio Gregório, um espanhol que parecia ter vindo dos livros de Maria Dueñas.

Nosso contato com aquela tia-avó moderna era nos meses de julho. Fugíamos do frio e encontrávamos o epicentro da terra.

Entre outras revoluções, nos levou pela primeira vez à confeitaria Colombo. Apresentou um mundo que nem sonhávamos existir.

Ensinou a não beber durante as refeições e pediu a primeira Ceasar Salad da minha vida.

Até que numa bela tarde de outono, veio a notícia. Tia Bebete estava doente. Não lembrava mais das coisas. Confundia as datas. Criava histórias. Se perdia pelas ruas.

Uma tristeza invadiu minha Voinha. Mulher de fé, aceitou os desígnios de Deus.

Mas eu não entendia. Como pode uma pessoa perder-se de si mesmo?

O amadurecimento e o tempo me trouxeram as respostas. A parte teórica dessas histórias. Mas como aceitar os últimos capítulos de uma vida em branco?

Esse é um dos medos que guardo bem lá no fundo da minha caixa secreta.

Gabriel Garcia Marquez, o Gabo, escreveu que o segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão.

Será que foi essa a solidão que ele imaginou?

Seu castelo de letras desmoronou. Milhões de fãs estão com o coração em suspenso. Sua obra será eterna, mas seus dias agora são como cometas. Fugazes instantes entre o real e o imaginário.

Tenho medo, muito medo da senilidade. Dos que eu amo, dos que admiro, de mim mesma.

Como escreveu Gabo, em O Amor nos Tempos de Cólera:

“As pessoas que a gente ama deviam morrer com todas as suas coisas”.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

A vida e os ciclos

A correria do cotidiano nos remete a uma sensação de fuga. Andamos com pressa, não temos tempo a perder.

Sorrimos bem menos do que deveríamos. Economizamos abraços. Suprimimos a espontaneidade de falar com o coração.


E assim os dias passam, os meses correm e a vida voa. Até que o inesperado bate à nossa porta.

Meu pai foi embora assim, sem aviso prévio. Um infarto o levou na madrugada de 22 de junho do ano passado. No dia em que o Jockey Club completava mais um ano de existência.

Em um universo de 365 dias, é difícil acreditar que tenha sido coincidência. A entidade que ele fez ressuscitar aniversariava. Ele partia como se tivesse cumprido sua missão. E cumpriu.

Nesse momento um ciclo se fechou. No começo nossa reação de incredulidade nos anestesia. É uma forma de defesa, acredito.

A morte é fria, distante, e ainda incompreensível.

Aos poucos os dias passam, nos carregando para mais adiante. Aquela dor aguda se transforma em saudade.

A vida é finita. Temos certeza disso, mas a perda nos atira o balde de água fria na cara.

Temos sinais o tempo todo de seus ciclos. Mensagens cifradas. Recados explícitos para que a sua fugacidade voraz seja compreendida.

Até enfrentarmos a primeira saudade, imaginamos que temos muito tempo pela frente.

Por isso, cada vez que um ciclo se fecha, precisamos ler a mensagem que esse espaço de tempo imprime na nossa história.

Transformar os ensinamentos em combustível para seguir a estrada. No meu caso conviver com aquela pessoa irreverente, cheia de bom humor, e de cabelo despenteado, foi um presente.

Tivemos mais de quatro décadas juntos. Ele foi o cara mais autêntico que já conheci. Cativou, por ser ele mesmo. Sem falácia, com transparência.

Elementos raros no mundo das imagens distorcidas que vivemos.

E hoje, nessa data tão simbólica, tenho esse mosaico de bons momentos. É o meu bálsamo.

Pensando nas mais diversas formas de homenageá-lo, surgiu essa ideia. Se o principal recado do meu pai foi de viver intensamente, nada melhor do que fazer isso. Saborear até a última gota.

Foi assim que ele fez no seu ciclo, e é assim que eu quero me lembrar dele.Por isso, meu desejo para essa data é simples. Faço um pedido a todos os amigos do querido Carlinhos Mazza.

Que cada um viva essa sexta-feira com toda sua força. Celebrem a vida por completo, sem meias palavras.

Tenho certeza de que essa boa energia chegará até ele, onde quer que esteja!

domingo, 17 de junho de 2012

Pequena

Sempre que a data do aniversário da Sofia se aproxima, meu coração começa aos solavancos. Uma mistura de sentimentos me invade.

Tenho vontade de dizer tanta coisa. Mas nada sai.

Talvez seja a possibilidade de não traduzir literalmente a emoção que sinto. Sem saber por onde começar, vou contar aqui uma coisa que me aconteceu.

Fui contratada para fazer a divulgação do disco “Contos de Água e Fogo”, da banda Nenhum de Nós.

Recebi pelo correio alguns CDs e a missão de entregá-los nas rádios, junto com o release.

Dei início à missão. Enquanto dirigia para a primeira entrega, coloquei para ouvir no carro a música de trabalho. No Cd começou a rodar “Pequena”.

Comecei a ouvir e uma sensação estranha me invadiu. Sem ao menos esperar, uma avalanche de lágrimas me obrigou a parar o carro.

Estacionei e ali fiquei. Como se estivesse sentada na poltrona de um cinema, assistindo a um filme dentro de mim.

Nossa pequena estava crescendo.

Lembrei daquele bebezinho frágil, que olhava com intensidade através da incubadora da UTI. No quanto nos falou aquele olhar.


Disse para não desistirmos. Garantiu que éramos invencíveis.

Naquele tempo ainda não sabíamos nada da vida. Ela chegou com sabedoria. Chegou sendo Sofia.

E foi ouvindo a música, debulhada, que entendi isso.

...Me oriento por
Seu inocente amor
Que muito me ensinou...

Entendi que os encontros estão marcados. Até isso acontecer, tudo é preparação.

As pessoas que tocam nossas vidas. Os amores que cruzam nosso caminho. As amizades que passam.

Chegadas e partidas. Tudo uma ponte para o encontro. Tudo é uma coisa só

E essa é a certeza que a Sofia me trouxe. Antes de tê-la ao meu lado, a vida era legal. Hoje, é uma dádiva. É para ser sugada, vivida, dançada.

E então, para dividir com todos os anjos que estiveram conosco nesses sete anos, fizemos esse vídeo.

Que sirva para cada um celebrar a vida. Para viver intensamente o seu grande encontro. E para que possamos estar aqui, com nossa pequena, desbravando a vida!

Edição: Jacques Douglas (obrigado pelo carinho!)

domingo, 13 de maio de 2012

Confissões

Sempre achei uma chatice aqueles papos de sábado a tarde sobre gravidez, pós-parto e tudo mais. Elas se reuniam na volta da lareira e via de regar o assunto era em torno das suas experiências.

- Eu fiquei em trabalho de parto quase seis horas!
- A minha dilatação era de tantos dedos!

- A cesárea é a pior coisa do mundo!

- O meu seio ficou na miséria.
Eu simplesmente desligava. Meu pensamento voava para bem além daquele mundinho que em nada me atraia.

A maternidade para mim era um assunto para bem depois. Não conseguia me encaixar naquele estilo e nem me imaginava dizendo aquelas frases algum dia.

Eu gostava de ser filha.  Sempre fui independente. Enxergava a relação entre pais e filhos de sintonia, mas sem qualquer tipo de peso.
Engravidei aos 36 anos, totalmente por acaso. Em dezembro o exame confirmou e aos poucos fui mergulhando em um novo mundo.

Ficava embasbacada de pensar que uma pessoa estava se formando dentro de mim. Parecia surreal, por mais falado que fosse aquele assunto, desde as bonecas da infância.
A vida brotou e naquele momento passei para outra dimensão.

Amei tudo que vivi antes de ser mãe.  Mas a sensação que tenho, é que a intensidade começou a existir naquele instante.  
Não tive chá-de fraldas. Não tinha comprado o carrinho. Tive uma cesárea de urgência.

Ela foi dormir direto na UTI. Eu no quarto.  Um berço vazio me fez companhia.

Recebi flores, abraços e fui vê-la 18 horas depois do nosso primeiro olhar.

Fui trocar suas fraldas bem depois do imaginado. Não pude embalar seu sono nos primeiros meses. Dei o primeiro banho chorando.  
Tive medo. Tive uma força inimaginável. Tive a certeza de que nunca ia perdê-la.

Sentimentos ambíguos. Sentimentos complementares. Arrebatadores.

Eu era mãe e minha vida jamais seria a mesma.

Tudo isso foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida.

A maternidade é a sensação mais mágica que já tive contato. Nos permite contato com um tipo de amor tão profundo, que precisamos aprender a senti-lo.

O tempo nos ensina. E com ele vamos conhecendo nossas possibilidades. Descobrimos novas grandezas.

O crescimento de um filho nos dá a possibilidade de sentir o sangue pulsando nas veias. Cada descoberta é uma oportunidade de entender a vida na sua mais absoluta simplicidade.

A cada Dia das Mães eu me pego olhando para esses sentimentos todos. Não posso imaginar minha vida sem a Sofia.

Com esse nome que se traduz em sabedoria, ela me ensina a ser uma pessoa melhor a cada dia. Em cada abraço é como se eu pudesse mergulhar na vida profundamente. Feliz vida a pra nós!

sábado, 17 de março de 2012

Breve como um suspiro

Escrevo quase que diariamente para mim mesma que temos que viver o aqui e agora. Quem me lê no Facebook oi aqui percebe esse sentimento que volta e meia transborda.

Não sei lidar com a dor nem com a tragédia. Não consigo imaginar de forma consciente que o lindo dia de sol de uma sexta-feira possa ser o último.

Preciso me espiritualizar mais. Sentir o que na teoria imagino ser a verdade. Não acaba aqui, isso é uma passagem.

Quero tomar um elixir que me acalme frente às incompreensíveis surpresas do cotidiano.

Eu me envolvo. Mergulho. Fico imersa na dor alheia.

Sei toda teoria acadêmica do jornalismo. Mas não me encaixo no distanciamento que protege. Sou uma eterna "foca", como se diz no meio.

Não por acaso, ontem ganhei uma correntinha com o espírito santo da minha mãe. Minutos depois de colocá-la no pescoço o telefone tocou.

Sou assessora de imprensa de uma concessionária de rodovias. A primeira a saber dos acidentes nas estradas. Cabe a mim a missão de avisar à imprensa.

Ontem o acidente foi muito próximo. Das nossas vidas, da nossa casa, dos nossos sonhos.

A tarefa não se limitou a informar o número de óbitos, vítimas ou condições de tráfego. Pelo celular chegaram prantos desesperado de amigos e parentes em busca da confirmação de informações.

As notícias pipocavam desencontradas.

Atendi a coordenadora do hospital que o grupo de amigos trabalhava. Não consegui ser profissional. Ela me perguntava se eu sabia se a van era de funcionários do hospital.

Não consegui me conter. Chorei com ela.

Enquanto as notícias se confirmavam fechei os olhos e fiquei pensando. Imaginando o que aquela gente jovem tinha imaginado quando acordou naquela sexta-feira ensolarada.

Um dia comum e especial. Com as cores únicas do verão que se despede. O céu fica mais azul, o vento suave refresca a alma.

Eram mães jovens, que como eu, não saem de casa sem um beijo demorado na cria. Deixam as recomendações e partem para a labuta pensando na hora do reencontro.

Como não doer ao imaginar que aquele momento foi o último?

Uma tempestade de dor invadiu a vida de muitos. Mesmo quem não conhecia as vítimas parou o relógio e olhou ao redor.

A verdade é simples: todos os dias acordamos sem saber o fim da história.

Eu sei da teoria. Mas queria criar um mundo a parte. Como no filme “A vida é bela”. Não temos como impedir que as coisas aconteçam.

Só podemos viver e aceitar. Ter ânimo. Ir adiante e viver a vida com urgência. Porque ela é assim mesmo, breve como um suspiro.

sábado, 3 de março de 2012

La ninã e a vida

Foto: Nauro Júnior

Nunca consigo assistir às películas anunciadas na TV por assinatura. Sempre penso em me programar, mas a nossa rotina de solavancos não deixa.

Essa semana a TNT anunciava uma série de filmes ligados à intensidade da vida e da morte. Estranha definição, mas foi assim que entendi.

Não consegui assistir a todos, mas dois deles me deixar em pleno turbilhão.

O primeiro foi “Noites de tormenta”, com Richard Gere e a Daiane Lane. O filme é extremamente simples, mas daqueles que nos deixa com uma família de pulgas atrás da orelha.

Além da fotografia maravilhosa do Affonso Beato, que estará pelas bandas do sul com “O Tempo e o Vento”, o argumento se baseia nas nossas escolhas.

Ela faz o papel de uma esposa, que depois de traída, resolve tirar uns dias na praia para pensar no rumo que dará à sua vida. Enquanto isso o marido arrependido fica em casa com os dois filhos, insistindo por telefone em que a mulher o perdoe.

Nessa casa de praia ela hospeda um médico desconhecido, que vai até o vilarejo à procura do perdão da família de uma paciente. A mulher morreu durante a cirurgia e a família move uma ação contra ele, acusando de negligência.

O encontro dos dois acontece ao mesmo tempo em que o lugar espera a chegada de um furacão.

Na noite em que os ventos assolam a região os dois se enxergam de verdade. O romance começa. Ali ambos se despedem de um caminho da vida e começam outro.

Não vou contar todo filme. Mas posso garantir que naquele ponto da vida eles fizeram uma escolha. Decidiram descer na estação e pegar o mesmo trem.

O outro filme é "Antes de partir", com a dobradinha magnífica formada por Morgan Freeman e Jack Nickolson.

Os dois se conhecem no quarto do hospital. Recebem ao mesmo tempo a notícia de que estão com câncer terminal. Com a sentença do médico decidem chutar o balde. Fazem juntos uma lista de coisas que sonham em fazer antes de morrer.

E com esse propósito se livram dos catéteres, quimioterapias, aventais azuis e se jogam de bunge jump na vida.

Em ambos os filmes os protagonistas seguiram juntos a partir daquele momento de encontro. Um novo caminho. Independente do que tenha acontecido no final do filme, eles partiram juntos.

E foi exatamente isso que me tocou. As metáforas diárias da nossa vida. Os encontros e partidas.

Como no filme do Richard Gere, o vento volta e meia varre as nossas certezas. Leva adiante aquela caixinha de argumentos que criamos para justificar nossas decisões.

Quantas vezes calafetamos a casa para que a água não entre. Mas a vida é exatamente como a natureza, não tem previsões. Por mais que aponte para dias ensolarados, La niña pode chegar com seus caprichos.

E então a enxurrada nos surpreende.

No roteiro da dupla que descobre o câncer, a espinha dorsal do filme nos inspira a fazer uma lista imediatamente. Por que esperar a tempestade?

Mas assim caminha a humanidade e por mais que saibamos, permanecemos inertes. Com medo de alguma coisa. De algo que nem mesmo sabemos.

Os dois filmes têm o poder de remexer nas frestas que acreditamos tapar com buchas de algodão. No final do filme meu quarto foi inundado obviamente.

Por mais que a gente insista em perpetuar a vida, ela está em constante ebulição. São as tais chegadas e partidas, sempre à frente da nossa estrada.

Sem mais nada a declarar, deixo o final para o Milton Nascimento...

“São só dois lados da mesma viagem,
O trem que chega é o mesmo trem da partida,
A hora do encontro é também de despedida,
A plataforma dessa estação é a vida desse meu lugar,
É a vida!"

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Relicário de verão

Meu horário de verão acaba de acabar. Estou de volta. Abrindo aos poucos as janelas da alma. Espiando por debaixo da poeira essa pessoas que quero conhecer melhor.

Sim, eu mesma!

Pois é, sumi do mapa. Deixei o blog às moscas.

Optei por ficar em órbita, sem nada a declarar. Sem olhar pra dentro. Mas são coisas do verão, que tudo pode. Estação das sensações mais coloridas.

Tempo onde a dor fica mais abafada. A saudade mais ventilada. A alegria estampada.

Sinto isso desde os verões da minha infância. Naquele tempo onde a única preocupação era se poderíamos tomar banho de arroio depois do almoço.

E melancia com uva, pode?

Lembro que o ano letivo terminava no começo de dezembro. Depois das festas familiares minha nave partia para o espaço sideral. Rumo ao mundo encantado dos dias ensolarados.

O tempo tinha uma dimensão maravilhosa. Longos meses nos separavam do passado e do futuro. Era como se a vida abrisse uma lacuna, e naquele período só coisas boas aconteciam.

Não tenho uma memória de tristeza dos verões da minha infância.

Nossa casa, de pé direito alto, era sempre fresquinha. As janelas de tela abertas, o postigo azul reservado para hora da sesta.

Pés descalços, cabelo enredado, pele dourada. Os quartos de hóspedes recebiam seus habitantes, a casa passava a pulsar de gente.

A Charqueada São João deixava se der a nossa casa e virava o ponto de veraneio de muita gente.

Mas isso não me incomodava, eu tinha meu mundo. Brincava de subir nas árvores com a Mimi. Quebrar coquinho, barquinho com palha de bambu, amarelinha.

Corríamos o dia todo. Horário de verão não existia. Os dias pareciam ter as horas precisas para serem inesquecíveis.

Mergulhada no arroio, a melancia aguardava pacientemente sua hora de ser devorada. Rosto melado, metralhadora de sementes, barriga estufada. Depois: banho de arroio de novo. O ciclo se repetia.

São tantas lembranças boas. Um planeta especial, com infância e charqueada.

Pescaria de lambari, passeio de lancha, pic-nic nas areias, picolé na padaria, noite de histórias assustadoras, jogo de War no salão, guerra de bexiguinha...

E foi dando uma pausa nesses dois últimos meses, que olhei para esse passado com mais calma.

Lavei e sequei cada uma dessas boas lembranças. Tomamos banho de arroio. De cano. De chuva.

Depois dobrei cuidadosamente as lembranças do passado. Coloquei nas gavetas da minha alma. Saudade boa, sem dor.

Resolvi olhar para frente. Construir com carinho o relicário desse verão. Nós os três. Na nossa palafita. Nesse planeta que hoje habitamos.

Um planeta diferente daquele da infância. Na mesma galáxia. Mas em um universo que cabem todos os relicários de verão.

Os que foram e os que virão!