quarta-feira, 30 de junho de 2010

Medula

Numa tarde qualquer dessas últimas semanas fiz uma coisa que tenho vontade há pelo menos uns cinco anos. Estava escutando rádio enquanto dirigia o carro e ouvi uma entrevista no programa Pelotas Treze Horas. Era com uma guria de cerca de 30 anos, que estava com leucemia. Naquele momento, através do seu relato, ela estava estimulando as pessoas a se candidatarem à doação de medula.

A entrevistada era super disposta e estava pra lá de otimista, visto a guerra que tinha pela frente. Ela tinha recebido um diagnóstico que há alguns anos atrás era uma sentença de morte. Hoje a coisa já é bem diferente. Ela tem todas as possibilidades de ganhar essa guerra. Não é barbada, como tudo que envolve as tais células cancerígenas.

Mas a contar pela sua disposição e esperança, já entra no campo de batalha com um exército corpulento. As armas do positivismo são definitivamente uma grande ajuda. Tenho vários amigos na volta que me ensinam isso: Neca, Leo, Gianne,...Eles já ganharam muitas batalhas e estão aí para mostrar que dentro do coração temos imensuráveis formas de atuar contra a doença e levantar a bandeira da paz nessa guerra.

Aquela breve lição de vida que chagava pelas ondas do rádio me fez mudar o rumo do meu trajeto. Me dirigi na mesma hora para o Hemocentro e fui finalmente fazer a doação de medula. Em pouco mais de quinze minutos, os meus cinco milímetros de sangue estavam a caminho do Registro Brasileiro de Doadores de Medula Óssea - Redome. É um banco de dados sanguíneo, que reúne o detalhamento celular de cada doador e do receptor. Caso um doador cadastrado seja compatível, articula-se a doação.

Simples assim!

E o pior é que eu já sabia disso, porque há uns três anos fiz uma matéria exatamente para detalhar a facilidade da doação e desmistificar a imagem de que doía, ou iríamos ter que deixar um pedaço de medula no banco de sangue. Escrevi a matéria, saiu na revista, mas eu não me mexi.

Depois de feito o procedimento, fiquei pensando exatamente nisso. Sei lá o que fazemos de nossos dias, que nos ocupamos com coisas mais importantes do que a possibilidade de salvar uma vida. Então pensei que uma forma de me redimir dessa falha, seria disseminando por aí a afora sobre a facilidade que é fazer a doação.

Sei que as chances de compatibilidade são mínimas. Que são raros os casos e tudo mais. Mas quando entro na lotérica para jogar na Mega Sena, a chance de eu ganhar é menor ainda. Quando envio um torpedo para o Faustão, querendo ganhar um milhão de reais, a chance é a mesma. E mesmo assim, fazemos isso sem a menor cerimônia.

Portanto, a partir de hoje, sou uma porta-voz da doação de medula. Imagina um pedacinho da gente virar vida em outra pessoa.

Isso sim não tem preço!

P.S.: Para quem se animar e for da região de Pelotas segue o endereço do Hemopel. Para os demais sugiro divulgarem os das suas cidades!!

O Hemocentro de Pelotas fica no prolongamento da avenida Bento Gonçalves, 4.569, próximo do Colégio Municipal Pelotense. O contato com o Departamento de Captação pode ser feito pelos telefones (53) 3225-7262 e 3222-3002, ou pelo e-mail hemopel@fepps.rs.gov.br.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Madrugadas

Estou longe do meu divã-virtual há quase duas semanas. Tempo curto por um lado, interminável por outro. Voltamos dia 21 de Novo Hamburgo, onde a Sofia comemorou seu aniversário, trazendo uma bela gripe na bagagem. Fomos com roupa de meia estação e encontramos uma frente fria no caminho. O resultado foi mãe e filha pestiadas.

Tosse, espirra, dói o corpo, mas segue o ritmo. Fomos assim por não mais do que dois dias. Primeiro eu caí de cama. Ela segurou mais dois dias, mas quando veio a baixo ficou bem ruinzinha. Desde domingo foram duas noites insones. Hoje, depois da segunda consulta ao pediatra, ingressamos com o antibiótico. Ela segue com duas sessões diárias de fisioterapia.

Durante as madrugadas, em que atendo minha florzinha, fico divagando. Entre um febrão e outro, vendo o seu esforço para respirar com aquele pulmãozinho lotado de catarros, me remeto a várias viagens noturnas.

As madrugadas parecem intermináveis. Eu sei que o tempo tem a mesma duração com sol ou lua, mas a sensação de infinito toma conta no escuro. Ainda mais quando a angústia é companheira dessas horas.

E nesse desenrolar noturno, penso e repenso na vida. Na sua brevidade e essência. No destino de cada uma dessas pessoas que cruzam o caminho da gente. Muitas, me questiono sobre o porquê de tê-las encontrado. Outras, fico feliz por existir um fio condutor e invisível, que atrai pessoas totalmente distintas, por motivos especiais. Essa mágica da vida é encantadora.

Penso no que deverá nos espreitar na próxima esquina. Misturo sentimentos de medo e alegria nas noites insones. Penso nos amigos que foram embora. Nos que nunca foram tão amigos assim. Nos que acreditamos que eram. E nos que sempre voltaram.

Cada um procurando fazer a sua trajetória nessa tal de vida. Buscando, achando, perdendo. Sentimentos contraditórios que invadem a cabeça durante os minutos infinitos da madrugada.

Entre um pensamento e outro, meus desejos são sempre para que a vida seja uma espécie de madrugada infinita, e que todos que eu amo estejam sempre por perto.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Véspera

Acontece há quatro anos a mesma coisa e pelo visto se repete mais uma vez. Na véspera do aniversário da Sofia uma angústia inexplicável toma conta de mim.

Amanhã, dia 18 de junho de 2010, minha amada filha completa cinco anos de vida.

O clima aqui em casa é de euforia. Ela pediu para eu fazer um calendário com os dias que faltam, e desde a semana passada todo dia acorda e risca um dia. Amanhã será a festinha no colégio, na hora do lanche. Coisa bem simples, mas a Tatá e eu já nos debruçamos em compras e detalhes para deixar a hora do lanche das crianças um momento divertido. No dia seguinte, seguimos para Novo Hamburgo. Ela terá outro aniversário lá, junto com o primo Lucas, que completa um ano de vida. O tema da festa é o circo, e já compramos um tule rosa-choque para fazer a tão desejada roupa de bailarina que ela pediu. Eu aluguei uma fantasia de palhaço para mim e o Nauro disse que vai produzir sua própria performance.

Com esse cenário maravilhoso, como eu posso estar angustiada?

Sempre a mesma sensação. Hoje peguei a estrada para ir até a Ecosul e no caminho fui pensando. Tentando desvendar esse sentimento que me assombra na véspera de um dia que tenho como o mais feliz da minha vida. Imagino que Freud tenha pelo menos uns 20 capítulos de respostas pra me dar. Mas não estou a fim de encarar um divã real.

Quando a Sofia completou um ano, fizemos uma coisa bem simples para comemorar. Na época ainda estávamos morando com meus pais, e passei o dia anterior à data fazendo lembrancinhas, enrolando negrinhos com a Kiki, com meus sobrinhos e a Sofia na volta. Um clima super legal. Daí fui dormir e por volta das 2h da manhã me acordei com uma dor aguda no abdômen. Era uma coisa tão forte que eu só conseguia pedir para o Nauro chamar a ambulância. Ele me colocou no carro e quando me dei por mim, já estava de pijama e pantufas tomando um remédio na veia, em plena Unimed. Não tenho a menor idéia do que aconteceu, até hoje. Nem o médico que me atendeu decifrou.

Com o passar dos anos o aperto vem no peito, como se eu tivesse que romper aquela data para respirar aliviada. Sei que muita gente pode dizer que está ligado ao que passamos, à cesárea de urgência, enfim, respostas aos montes. Hoje enquanto eu dirigia para Ecosul, pensei que escrever sobre ela iria me aliviar. Comecei a olhar para trás, com a intenção de enxergar os fantasmas e acabar de vez com eles.

No meio dessa imersão no passado me veio à mente o dia que eu desafiei a morte. Foi na véspera da cirurgia da Sofia. Não tínhamos mais tempo para esperar e quando menos imaginávamos, ela pegou uma nova infecção. Era uma segunda-feira de manhã e Dr. Flávio entrou com o resultado do exame na mão. Sentou e baixou a cabeça. Estávamos a Sofia, ele e eu na sala do isolamento da UTI. Ele mexeu a cabeça e percebi seus olhos umedecerem. Então naquele momento eu vi que estávamos frente a frente, como naqueles desenhos animados que enxergamos aquele vulto negro, com a foice na mão.

Eu senti alguma coisa por dentro que jamais saberia descrever em palavras. Olhei firme pra ele e disse:

- Não se preocupe Dr. Flávio, não vai acontecer nada de ruim com a Sofia!

Eu acho que nesse momento peitei a morte. Meus argumentos eram as tantas pessoas que rezavam e pediam pela Sofia naquele momento. Gente que até hoje nem conhecemos. Anônimos que se engajaram na corrente pela vida dela. Tenho certeza de que força dessa energia conjunta, fez com que ela se convencesse a ir embora. Foi como se eu tivesse usado toda minha energia naquele momento.Para quem lê, pode parecer uma ideia absurda. Mas quando olho para trás, vejo que alguma coisa muito forte aconteceu naquele dia.

Talvez alguma coisa ainda me dê medo dentro desse passado. E a proximidade do aniversário da Sofia é uma certeza de que amá-la incondicionalmente, é a melhor coisa que a vida poderia ter me proporcionado. Não consigo imagina a vida sem esse ser brilhante, que ilumina nosso caminho todos os dias. Não tem um dia que eu não agradeça à Deus por esse presente. Sou eternamente grata, por ter me confiado tamanho privilégio.

Com ela aprendo todos os dias, e quem sabe depois desse desabafo, não vou acender uma velinha na igreja em que minha Voinha sempre agradeceu pelos seus sete filhos.

Acho que é uma boa idéia nessa véspera de dia tão especial. Um contato direto com quem me deu o meu maior presente!

terça-feira, 15 de junho de 2010

Luzes

Desde que a Sofia nasceu confesso que não me dediquei mais aos cuidados femininos. Na verdade já sei que sou um pouco diferente do padrão da maioria das mulheres. Meu estilo é alternativo, tenho horror à maquiagem e não uso salto alto. Na verdade não sei caminhar com nada além dos meus longos centímetros de altura. Se já sou levemente desengonçada, de salto então, pareço um boneco de Olinda!

No quesito exercícios físicos, a coisa vai pelo mesmo caminho. Tenho horror a academia. Odeio aquele “um-doi-um-dois”, ainda mais para depois ficar toda suada em função de meia dúzia de calorias. Socorro!!! O custo não vale o benefício!

No ano passado, descobri o tal do Pilates e me apaixonei. Além da aula ser todinha pra mim, todos os movimentos são leves, lentos e de alongamento. Uma verdadeira terapia corporal. Comecei com toda força durante o verão, até que começaram as aulas da Sofia e o vai-vém de horários não fechou mais com meu tempo. Minha coluna continua cheia de dores, e voltei a ficar ancorada nessa cadeira, o dia todo em frente ao computador, como uma verdadeira samambaia.

Dentro desse kit, a parte dedicada aos cabelos foi a que mais sofreu nos últimos anos. Quando eu era adolescente, fazia mil experiências químicas com camomila, leite e água oxigenada e conseguia um resultado maravilhoso. Minha mãe ficava apavorada, mas sempre dava certo. As mechas ficavam super naturais, como se eu acabasse de voltar de um mês na Praia da Ferrugem. Mas a verdade é que minha veia alquimista é criativa demais para linha capilar e com o passar dos anos tive algumas surpresas nada agradáveis.

Depois que a Sofia nasceu o tempo para criar fórmulas também diminuiu, e por isso estive com a cabeça que nem um capincho nos quatro últimos anos. A correria do cotidiano fez com que eu deixasse mais ainda de lado a dedicação ao ritual feminino. Isso me incomodava muito, mas eu ia levando e levando.

Até que há algumas semanas atrás resolvi dar um jeito na vida. Marquei hora no cabeleireiro e fiz as tais luzes, como manda o figurino. Quando a mulher secou o cabelo e me olhei no espelho, me deu vontade de chorar.

Há quanto tempo eu não enxergava aquela pessoa no espelho? Uma coisa tão simples, tão rápida, e que elevou a minha auto-estima feminina aos ares. Parecia que eu tinha voltado aos 25 anos. Continuo vestindo minhas calças de bolsos grandes, meu tênis all star, com minha bolsa atravessada. Coloco creme diurno mas o resto fica mofando na prateleira. A maquiagem só se for para brincar com a Sofia. Mas a verdade é que com essa pequena mudança consigo olhar essa mulher de 41 anos com mais brilho todas as manhãs.

Vou continuar sem freqüentar academia e possivelmente o salto alto fique para próxima encarnação. Mas essa ligação entre quem eu era e quem eu sou, vai continuar sendo prioridade. Prometo que as luzes internas vão continuar acesas para iluminar o meu cotidiano. Sempre!

sábado, 12 de junho de 2010

O encanto das flores



Em vez de cavalo, ele chegou no banco traseiro de uma caminhonete branca, marcada pela lama da estrada. Vinha sentado na cadeirinha, com o cinto de segurança, como manda a lei. Na mão, empunhava um delicado buquê de astromélias rosadas, amarradas com cordão de ráfia.

Essa cena descreve a chegada do Pedro em nossa casa, para uma tão aguardada visita, na tarde desse sábado. Com os olhinhos brilhantes pela chegada do amigo, a Sofia corou ao ver as flores, e perguntou:

- Mas são pra mim?

Foi o primeiro buquê de flores que nossa mimosa ganhou, e por mais que passem os anos, jamais essa cena tão pura se apagará de nossa retina. A Lorena, mãe do príncipe, brincou:

- E hoje ainda é Dia dos Namorados!!!

Depois do abraço de boas-vindas, a Sofia enxergou o cartão, que tinha a letrinha do remetente escrita com o encanto das primeiros traços do alfabeto: P-E-D-R-O.

Assim como a primeira vez que ela foi para casa do "colega meu", mais uma vez a ansiedade maior era minha (vide post “Um colega meu”, de abril). Ela queria muito que algum coleguinha da sala conhecesse a casa dela, e depois de três meses do começo das aulas, já estava mais do que na hora.

Nossa primeira vez como anfitriões foi aguardada com expectativa . Comprei a torta de morango preferida do nosso convidado e fizemos uma faxina na casinha de bonecas da Sofia.

Os dois não precisaram muito pra se divertir. Na mesma hora começaram a jogar taco, depois subiram na casinha para fazer comidinhas, desceram no escorregador, brincaram de estradas de areia, até que sugeri um pic-nic na lareira, já que o vento começava a esfriar nosso final de tarde.

Montamos uma barraca na sala e coloquei a toalha xadrez com a cesta de guloseimas na frente. Eles desenharam, brincaram de massinha de modelar e comeram pipoca. A tarde voou e curtimos momentos deliciosos juntos.

Já era hora do príncipe deixar o castelo, quando o Nauro chegou, empunhando um ramo de lírios brancos. Eu sorri e quase perguntei a mesma coisa que a Sofia:

- Mas é pra mim?

Não sei se era o calor da lareira, mas senti esquentar minhas bochechas. Com esse gesto carinhoso encerramos nossa tarde de sábado. E depois de comer duas fatias da torta de morango com chocolate, nosso convidado Pedro foi para casa, de mãos dadas com sua mãe.

Depois desse dia tão especial, cá estou eu, declarando com todo meu coração, a certeza de que independente da idade ou do momento, as flores sempre tocam o coração. A força das flores transcende as gerações e sempre encanta as mulheres.

Seja aos quatro, ou aos quarenta anos, pode acreditar!
P.S.: Em tempo: um verdadeiro gentlleman, não tem idade!

Um colega meu II

Para quem acompanha o blog,deve lembrar o post “Um colega meu”, publicado aqui em abril. Pois então, a segunda parte dessa história acontece nessa ventosa tarde de sábado. Enquanto escrevo, a Sofia me pergunta sem parar:

- Falta muito para o Pedro chegar?

É que hoje, àquela visita que ela fez ao colega, vai ser retribuída, com a vinda dele aqui em casa. Para esperá-lo com todo carinho que merece, ontem na saída da aula perguntei se ele gostava de bolo de chocolate. Ele disse:

- Eu gosto, com morangos!

Na hora me dei conta que a minha idéia de fazer uma nega-maluca caseira tinha ido por água abaixo. Meus dotes culinários se limitam ao no máximo um bolo de caixinha, com cobertura de negrinho. Então hoje, quando se confirmou a vinda do “colega meu”, saímos as duas para o centro, com o objetivo de encontrar uma deliciosa torta para o nosso pic-nic vespertino.

Passamos por uma livraria e aproveitamos para comprar cadernos de desenho e canetinhas novas, já que o tempo está frio e as brincadeiras pelo gramado devem durar pouco tempo. A intenção é dividir a programação em duas etapas, uma externa e outra com lareira, pipoca e pinturas.

Nesse exato momento a Sofia pediu para sestiar, já que o tempo para ela não passa e na sua cabecinha imagina que se dormir, o Pedro vai chegar mais rápido. Eu também, resolvi escrever no meu divã-virtual para o tempo voar. Quero muito que essa tarde seja divertida para essa duplinha tão mimosa.

No primeiro post, a princesa Sofia voltou para casa com o castelo do Pedro e terminou a noite tomando uma mamadeira no colo da mamãe. Hoje esperamos o príncipe Pedro com uma deliciosa torta de chocolate com morangos.

A seguir, cenas do próximo capítulo, de uma fábula dos tempos modernos, feita com a pureza do mundo infantil!

sábado, 5 de junho de 2010

Laços de doce de leite

Como pode uma comida tocar a alma?

O começo dessa história foi na noite de quarta para quinta-feira. O Nauro passou a noite com febre alta e eu entre uma soneca e outra, tive um sonho muito real. Quando acordei ainda fiquei alguns minutos em estado de graça, com uma sensação diferente de que algo muito real tinha acontecido durante aquela noite. E não era delírio, já que os 39 graus de temperatura que o termômetro apontava, eram do marido.

Coloquei a mesa do café e sentei sozinha na sala, puxando da memória cada detalhe do encontro que tive com a Voinha. Ela conversava comigo coisas boas, cotidianas, e me perguntava onde estava àquela carta que ela tinha me dado, com uma oração em papel de seda. Eu tentava lembrar, mas a última vez que a vi, foi no primeiro quarto que fizemos para Sofia, na casa alugava que vivemos antes desta ficar pronta.

Com os imprevistos do nascimento prematuro e dos meses de hospital, a Sofia nem conheceu aquele quarto. No segundo mês de internação na UTI, nossa casinha foi assaltada, e decidimos por colocar nossas coisas em uma garagem de amigos para não ter nada que tirasse a atenção da nossa amada. Concentramos nossa energia nela, e na sua cura. Eu nesse período, nem vi a casa ser desfeita. Como permanecia durante 24 horas – literalmente - no hospital com ela, não participei dessa mudança.

Meus sogros queridos fizeram essa parte dolorida. Vieram de Novo Hamburgo e pegaram no pesado. Então o altarzinho de santos, com as cartinhas das duas avós já falecidas, Voinha e Chochó, foram parar em alguma caixa do passado.

E agora nesse sonho, a Voinha me pergunta pela cartinha.

Nossa, que sensação. O que posso dizer, é que aquele encontro aconteceu, de alguma forma. Senti o carinho dela, a segurança das suas palavras, a luz do seu espírito. Aqueles momentos imensuráveis abraçaram meu coração. Foi um colo gostoso de avó, em um tempo que não sabemos ainda explicar, mas que existe. Tenho certeza que sim!

Mas essa história não acaba aqui. Surpresa maior eu tive na quinta-feira à noite. Minha irmã Kiki veio de Jaguarão com as crianças, para irmos à Fenadoce. Chegaram à noite, e a Sofia e eu estávamos na casa da mãe esperando por eles. Ficamos matando a saudades na volta da estufa, conversando sobre a vida. E eis que ela me diz:

- Gabi, essa noite me aconteceu uma coisa tão boa. Sonhei toda noite com a Voinha. Foi a primeira vez que isso aconteceu depois dela ter morrido!

Eu gelei. Não cabia em mim. Dizia para ela:

- Kiki, vai lá no quarto agora e pergunta para o Nauro com quem eu sonhei toda noite. Pergunta para ele, tu não vais acreditar se eu te contar que também estive com ela!!!!

Fiquei impressionada com aquilo. Por mais que realmente exista alguma coisa muito forte além dessa vida que vivemos, aquilo era inusitado demais. A Kiki detalhou seu sonho, onde também estava a tia Isa, que sempre teve uma ligação forte com ela, mesmo que tenha morrido antes da Voinha, quando a Kiki era bem criança. A Voinha dizia que a tia Isa era o anjo da guarda da Kiki. E a kiki por sua vez colocou o nome da filha de Luisa, não por obra do acaso, mas em homenagem a tia Isa.

No sonho da minha irmã, o lugar do encontro era o priemiro apartamento da Voinha, na rua Tiradentes, onde íamos sempre depois do colégio. A empregada da Voinha era a Laura, que na época era uma moça solteira, com uma mão boa na cozinha, e que nos cuidava com muito carinho. Ela nos buscava todas as tardes no colégio. Quando chegávamos, assistíamos ao Sítio do Pica-pau Amarelo, enquanto a Laura fazia um doce de leite caseiro. Aquela receita necessitava de fogo brando e muita paciência, e enchia o apartamento da Voinha de um saboroso aroma de afeto.

Lembramos disso e de mais alguns detalhes daqueles bons tempos da infância. Ficamos emocionadas com a estranha coinciência.

Ontem comentei com a Talita, que trabalha comigo, sobre o episódio dos sonhos e do doce de leite. Fui para Fenadoce com a kiki e as crianças e hoje quando acordei: surpresa!

A Talita é filha da Laura, a que trabalhava na Voinha. E quando a chegou na sua casa ontem, comentou dos nossos sonhos com a Laura. Ela na mesma hora foi para o fogão. Fez um daqueles doce de leite de antigamente, e dividiu em dois potinhos. Hoje a Talita chegou com o néctar da saudade, em duas carinhosas embalagens.

Abri e não acreditei. Ela pediu para eu cheirar. Tasquei uma colher de doce na boca e fechei os olhos. Senti o sabor daquela saudade bem dentro da minha boca. Fiquei profundamente emocionada com aquele carinho.

Agora estou aqui, sozinha em casa, acompanhada pelo calor da lareira e escrevendo esse depoimento de uma das melhores sensações que tive. Além de um momento único, foi uma certeza. De que aqueles que amamos, nunca vão deixar de estar perto da gente. Mesmo que muitas vezes o tempo apague algumas memórias, sempre vai ter um cheiro, um sabor ou um anjo para assoprar um carinho e matar a saudade no nosso coração.

No caso da minha Voinha, são laços eternos, feitos de doce de leite e muito amor!

terça-feira, 1 de junho de 2010

Silêncio e água

Hoje eu tinha um compromisso no final da tarde, então pedi para mãe buscar a Sofia no colégio. Acabei me liberando mais cedo, e quando cheguei na porta da casa dela, o alarme estava ligado. Estacionei o carro e fiquei aguardando eles chegarem para abrir o portão.

Nos minutos finais do dia dessa terça-feira, me deparei com o silêncio.

Pensei até em ligar o Cd do carro, mas aquela sensação estava tão boa que decidi apreciar a ausência de ruídos.

Comecei a pensar, e pensar em silêncio é primoroso.

A vida dos tempos modernos é repleta de sons. E mesmo que eu trabalhe em um ambiente calmo, a quantidade de mails que invade minha caixa cotidianamente, é uma espécie de barulho. Quando não é isso, o celular irrompe com alguma coisa para agendar, marcar, lembrar, falar.

Como trabalho em casa, a ligação escritório família é quase siamesa. E em uma casa onde as pessoas que a habitam gostam de falar, desde o primeiro raio de sol ao nascer d lua os verbos são conjugados incessantementes. Meu marido é conhecido por falar pelos cotovelos, e como a genética não falha, a Sofia saiu com essa característica do pai bem apurada. Para se ter uma idéia, o primo Pedro a chama de “máquina de falar”. Como se não bastasse, minha mãezinha querida gosta de um bom papo, e não é de hoje.

Então, com esse histórico genealógico e com a tecnologia que impera no século XXI, aquele momento de silêncio, em plena rua de chão do bairro Areal, soou como um presente. Mesmo com certo receio de ser assaltada, pensei em me deleitar antes do “mãos ao alto”.

E assim foram vinte minutos, onde a paz daquele silêncio me inspirou a escrever novamente no blog.

E foi ali, naquele instante só meu, que descobri porque gosto de água. Desde criança sou fã desse tal líquido inodoro, que é minha preferência para acompanhar qualquer refeição.

A água dá uma sensação de refrescância. É como tocar sem deixar impressões digitais. Descobri naqueles breves minutos, o poder do silêncio. É tão simples como um gole de água, e refresca a alma.

Acho que vou me dar esse luxo mais seguido. Um brinde a essa descoberta!

(*Com água é claro!)