quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Centro do universo



Essa época do ano não passa indiferente. Afora os significados religiosos, existe certa magia oculta no ar.

Incrível eu estar escrevendo isso depois de ter passado a semana na maior correria. Estive atucanada, me dividindo entre os afazeres profissionais e os maternos.

A Sofia está de férias. A babá dela também. Capitou?

Com isso minha semana andou na corda bamba, entre o prazer de estar todo dia ao lado de minha filha mimosa, e o estresse de tentar conjugar isso ao trabalho. Equação que não tem ciência exata que feche.

Junto com isso, este ano atrasei minha lista de presentes. Eu que sou toda organizada e em novembro já estou com a lista de presentes quase liquidada, me dei mal este ano.

Hoje, quase véspera de Natal, finalmente estacionei meu trenó no centro. Em alguns segundos me vi em meio a multidão de errantes, suando em lojas, em busca de presentes que já foram vendidos há horas.

Para amenizar meu desespero, contei com a presença solidária do meu maridão. Ele fez as vezes de motorista, carregador e conselheiro, dependendo da necessidade.

O último item da maratona natalina era, nada mais, nada menos, do que um “ranchinho básico” no hipermercado local. Depois de vencido o acotovelamento na fila da verdura, o “sai da frente” dos carrinhos atravancados no meio do corredor e a fila interminável do “caixa em treinamento”, finalmente um oásis apareceu.

Fizemos uma parada estratégica na lanchonete do Treichel, para repor a sanidade mental e comer o melhor cachorro-quente da cidade. Enquanto eu traçava o dito cujo e o Nauro degustava uma torta mineira, uma mensagem chegou no celular dele.

Era nosso amigo Cadré, jornalista, radicado atualmente em Frederico Westfalen. Ele dizia:

- Já estou aqui, no centro do universo!

A frase foi dita em uma mesa do Cruz de Malta, tradicional bar da cidade, onde se toma a cerveja mais gelada do mundo e se come o melhor croquete do planeta.

E foi degustando a satisfação do Cadré, com aquele tão esperado momento de retorno ao berço, que fiquei pensando no profundo significado desses dias de final de ano.

Sei que assim como ele, hoje nossa amiga Daniela Xu deve fazer a mesma coisa. Não sem antes, passar no balcão do Café Aquários e sentir o peito inundar de prazer ao saborear aquele café carioquinha.

É exatamente isso. É o momento em que cada um de nós volta para o seu canto. Busca as suas origens. Cata suas referências de paladar, olfato, carinho. Resgata saudades, brinda amizades.

São essas e tantas outras razões que fazem desses dias, tão especiais. Talvez Natal e Ano Novo sejam exatamente isso: uma oportunidade de estarmos no centro do nosso próprio universo. Seja ele em Satolep ou em qualquer canto do mundo.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Guga forever

Sábado à noite assisti ao desafio entre Guga e Agassi no Maracanãzinho. O jogo tinha caráter filantrópico e saudosista ao mesmo tempo. Enquanto a bola rolava viajei no tempo.

Há dez anos, no mesmo período, Guga alcançava o topo do ranking da ATP. Foi em Lisboa, quando venceu Agassi por triplo 6/4 na final, conquistando o Masters Cup de 2000. Com isso foi confirmado como novo número 1 do mundo do tênis.

Naquele tempo eu já era fã de carteirinha do “Manézinho” e já tinha impresso no currículo o meu grande feito. Foi dois anos antes, em 1998, quando eu morava em Florianópolis. Já cursava jornalismo e estava no segundo ano de faculdade.

A expectativa nacional sobre Guga era enorme. Éramos um povo carente de ídolos e órfãos de Ayrton Senna. Isso por si só já era um peso e tanto para o guri dos cabelos cacheados. Seu jeito simples, carismático e cativante reunia os ingredientes que precisávamos para encontrar no tênis uma mania nacional.

Como boa fã que se preze, eu vivia lendo tudo que saia sobre Guga na imprensa. Ele recém tinha sido derrotado nas rodadas preliminares de Roland Garros, pelo então desconhecido Marat Safin. Com a pressão para que conquistasse o bi-campeonato, Guga voltou para o Brasil carregando nos ombros o peso das frustrações de um povo.

Nesse tempo ficou recluso, evitando contatos com a imprensa. Queria simplesmente ficar no seu canto. Na sua ilha, literalmente. E eu nessa época sabia toda a vida dele. Onde morava, treinava, lugares que gostava de freqüentar, surfar e etc. Era inverno em Floripa, e numa manhã cinza resolvi pegar o carro e percorrer as pistas atrás de Guga

Imagina a pretensão!

Mas como diz o ditado, jornalista precisa de uma boa dose de sorte. Mesmo sendo uma estudante, não podia imaginar que naquele dia o meu potinho estaria cheio. Desci o morro da Praia Brava e me deparei com uma série de edifícios altos, à beira-mar. Estava tudo deserto. Ninguém pelas ruas, a não ser um grupo de crianças recém saídas do colégio.

Dobrei a primeira rua e estacionei. Minha intenção era pedir informação para algum vivente que cruzasse caminho. Queria perguntar se sabiam onde era o apartamento do Guga naquela praia.

E foi aí que ouvi aquele som mágico:

- Ploc, ploc, ploc, ploc,...

Pensei que deveria ser algum tenista, e por isso saberia informar. Dei alguns passos em direção àquele som familiar e me deparei com uma miragem. Era o Larry e o Guga, em carne e osso. Eles me olharam e eu sorri, pensando instantaneamente no que faria com aquela situação.

Dois minutos depois pararam o bate-bola e o Larry veio em minha direção. Me apresentei como “jornalista” e perguntei se poderia fazer uma rápida entrevista com eles. A palavra “Pelotas” foi a senha. Larry disse que tinha sido casado com uma pelotense e que tinha boas lembranças da terra. Pediu que eu esperasse o final do treino para começar.

Foi aí que o pânico tomou conta. Imagina só, entrevistar o Guga, naquele minuto. Pra começo de conversa eu não tinha papel nem caneta. Na mesma hora saí em busca da criançada do colégio. Praticamente assaltei os guris e consegui duas folhas de papel e uma caneta. Vencida a primeira etapa, fui direto para a quadra fazer algumas fotos.

Em pouco tempo eu estava sentada no chão de saibro, ao lado da dupla. Como era minha primeira entrevista, e o interlocutor era um ídolo, eu não sabia se anotava as respostas ou ficava admirando ele falar. Fiz as duas coisas ao mesmo tempo e depois de meia hora tinha uma entrevista exclusiva com o cara mais procurado do momento.

Voltei para casa em êxtase. Passei tudo para o computador e liguei para o Cabral, editor de esportes do DP. A entrevista virou matéria de página no dia 9 de junho de 1998, Dia do Tenista.

A odisséia se transformou em episódio do quadro “Retrato Falado”, do Fantástico. A atriz Denise Fraga fez às vezes da estudante atrapalhada, que realizou o grande sonho de entrevistar Guga Kuerten.

E neste sábado, durante o jogo no Maracanãzinho, todas essas lembranças escondidas na minha caixinha de pandora voltaram. Esse episódio vai estar pra sempre guardado. É aquele tipo de sonho bom, que o tempo não apaga.

Assim como ele. Nosso Guga forever!

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Melhor que o Jabuti


Foto: Nauro Júnior - Teatro Guarany

Dependendo do ponto de vista a inveja pode ser uma dádiva. Cheguei a essa conclusão depois de ler o blog da Martha Medeiros ontem.

Ela acabou de lançar sua mais recente obra, o livro “Fora de Mim”, que por sinal estou louca para ler. Adoro seus textos desde os tempos do “Strip-Tease”, em 1985.

Ela foi minha confidente da adolescência até agora, quando pisei nas quatro décadas. Aquele tipo de texto em que a gente se identifica. Parece estar sendo ouvida, compreendida, acolhida.

Naquele tempo eu nem sonhava em ser jornalista. Dividia minha rotina entre as cadeiras de Educação Física e muitas descobertas. Voava as minhas tranças a bordo de uma bicicleta, pelas ruas de paralelepípedo de Satolep.

A vida era uma mistura de sanduíche natural, lágrimas, festas, e muitos sonhos. Típico de uma escorpiana passional, em pleno desvendar de cortinas.

Desde então a Martha Medeiros é minha amiga-telepática. Com ela debati as primeiras decepções amorosas, passando por primordiais dicas literárias até chegarmos hoje nas aflições da maternidade.

Sintonizamos sempre. Na verdade eu liguei meu rádio no dial dela, e fique feliz em acompanhar o seu crescimento profissional.

Antes era uma escritora daqui. Hoje ultrapassou as fronteiras dos pampas.

E como tudo que é nosso, muitas vezes só percebemos isso quando esse território universal já ganhou novos patamares. E foi o que me aconteceu quando li ontem a coluna que o Toni Bellotto escreveu sobre ela: Quem tem medo de Martha Medeiros?

A crônica está bárbara, ao seu melhor sabor titânico. Ele fala da inveja que sentiu ao chegar na sessão de autógrafos da nossa gaúcha, em uma livraria do RJ. A “bicha”, como dizemos por aqui, invadia as calçadas. A fila era monumental, contou.

A história termina quando, quase cinco horas depois, ele e a esposa conseguem finalmente chegar à nossa diva literária.

Quando terminei de ler fiquei saboreando por alguns minutos aquele momento. Imaginando a cena e viajando. Cheguei à conclusão de que a inveja boa é uma delícia. Ainda mais se vinda do Toni Bellotto.

Então hoje tomei uma decisão.

Quando lançar o meu primeiro livro, o Toni e a Martha vão estar no topo da minha lista de convidados. E já aviso à dupla: podem trazer o mate porque a fila vai ser longa. Esse gostinho é mais ou menos como ganhar o Prêmio Jabuti.

Espero vocês um dia. Em breve!

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Valores

Hoje de manhã recebi um mail falando sobre uma campanha publicitária que o Citibank fez em São Paulo. Eles espalharam outdoors por toda cidade, com frases fortes sobre a relação entre dinheiro e vida.

A primeira frase diz:

“Crie filhos em vez de herdeiros”

Simples assim.

Os nascidos no final da década de 60, como eu, cresceram em meio a ebulição dos novos conceitos. Passamos de uma geração que pensava em deixar herdeiros, para uma que queria liberdade e muita felicidade.

Na verdade, acho que somos a metamorfose ambulante nesse desabrochar de novos conceitos. Mesmo assim, a frase acima permanece intocável. Todos nós queremos criar seres humanos felizes, acima de tudo.

Mas a verdade é que educar um filho não é tarefa fácil. Não tem bula. Muito menos manual, e quando toca a nossa vez, parte das teorias aprendidas por anos vão por água abaixo.

Tudo requer uma dose de sabedoria e muitas de intuição. Caso contrário a coisa vira um estresse bárbaro e o melhor do cotidiano se perde nas pequenices.

Como já escrevi aqui, no início do ano a Sofia entrou para o colégio. No meu primeiro embate de valores encarei de frente a tal mochila de rodinhas. Foi o primeiro golpe nas minhas certezas.

Aos poucos fui entendendo como dosar o que penso da vida frente a esse novo universo. Tudo isso sem agredir, chocar, parecer rabugenta.

Nada fácil essa tarefa de mãe. Nada fácil equalizar os valores verdadeiros dos financeiros nesse mundo que gira mais rápido que o nosso.

Tarefa árdua a de educar, mas ao mesmo tempo fascinante e deliciosa. Talvez o melhor dos paradoxos da vida cotidiana. A eterna interrogação que me persegue do acordar ao dormir.

Nunca pensei em ter conta no Citibank, mas confesso que se eles queriam a minha simpatia, ganharam. E mesmo que eu tenha a certeza, mais que absoluta, de que eles preferem que os nossos filhos fiquem ricos e engordem os seus balanços anuais, eu finjo que acredito.

A essência do que eles disseram não tem preço!

"Crie filhos em vez de herdeiros"

"Dinheiro só chama dinheiro, não chama para um cineminha, nem para tomar um sorvete"

"Não deixe que o trabalho sobre sua mesa tampe a vista da janela"

"Não é justo fazer declarações anuais ao Fisco e nenhuma para quem você ama"

"Para cada almoço de negócios, faça um jantar à luz de velas"

"Por que as semanas demoram tanto e os anos passam tão rapidinho?"

"Quantas reuniões foram mesmo esta semana? Reúna os amigos"

"Trabalhe, trabalhe, trabalhe. Mas não se esqueça, vírgulas significam pausas..."

"...e quem sabe assim você seja promovido a melhor (amigo / pai / mãe / filho / filha / namorada / namorado / marido / esposa / irmão / irmã.. etc.) do mundo!"

"Você pode dar uma festa sem dinheiro. Mas não sem amigos."


E para terminar, mensagem afixada na parede de uma farmácia:

"Não eduque seu filho para ser rico, eduque-o para ser feliz. Assim, ele saberá o valor das coisas e não o seu preço”

domingo, 21 de novembro de 2010

Pipoca de mel

Me criei correndo e brincando em meio as escadas e bancos do Hipódromo da Tablada. Minhas fotos de infância mesclam entre aniversários, natais, e fotos ao lado de cavalos, jóqueis e todo aquele universo que foi meu cenário de menina.

Posso dizer que desde que me entendo por gente meu pai faz parte dessa história. No ano passado, quando ele decidiu formar uma chapa, e se candidatar à presidência do Jockey Club de Pelotas, fiquei receosa. Ele estava em plena luta contra um câncer, que já tinha levado seu rim direito.

Enquanto isso a antiga diretoria estava atolada em estórias muito mal contadas. O abacaxi não era pequeno e ainda por cima muito azedo. Cheguei a comentar se aquele seria um bom momento, já que imaginei que teria um desgaste além do imaginável. Pensei que não seria o melhor remédio.

Com seu estilo singular, meu pai me respondeu:

- Eu sou homem de morrer lutando!

Acatei sua decisão e durante este ano e meio o apoiei incondicionalmente. Foi uma árdua batalha pela revitalização do nosso querido “prado”. Liminares na justiça e pressão por todos os lados.

Depois de muita água rolar por debaixo da ponte, este domingo foi marcado pela reabertura da Tablada. Apoiado por um grupo de fiéis escudeiros e pela força impressionante da minha mãe, eles conseguiram. O Jockey Club de Pelotas reconquistou a Carta Patente, ganhou novos ares e estava de volta, ainda mais especial.

Quando nos aproximamos de carro e vi aquele pavilhão repleto, comecei a me emocionar. Eu não imaginava que tanta gente estaria lá. Eram pessoas das mais variadas idades. Famílias inteiras, amigos, desconhecidos. Eram os velhos freqüentadores do prado, que estavam órfãos do seu programa de domingo. Eram os jovens, empolgados como a retomada de um patrimônio de todos.

Percorri as velhas escadas da Tablada inebriada com a alegria daquele público. Vi lágrimas escorrendo dos olhos de gente para quem o Jockey era parte de sua vida. Entre abraços e sorrisos, enxerguei o quanto tinha valido à pena aquela batalha. Senti um orgulho enorme transbordar do meu peito.

Desci para comprar uma pipoca para Sofia. Contei que quando eu tinha a idade dela, sempre comia uma pipoca com mel, que vendia atrás do pavilhão dos remates. Nos dirigimos para carrocinha e uma moça simpática nos atendeu. Pedi uma salgada para Sofia e nisso vi que ela tinha a tal da pipoca com mel, uma raridade entre os pipoqueiros modernos.

Comentei com a menina que quando eu era pequena sempre comia aquele tipo de pipoca, e que me dava um gosto de infância na boca. Falei que tinha um pipoqueiro que sempre ficava naquele local e que era uma referência para o meu tempo de criança. Foi então que ela brilhou os olhos e me disse:

- Era o meu pai!

Enchi os olhos de água e sai com a Sofia pela mão, saboreando aquele gosto maravilhoso de domingo.

Eu não disse pra ela, mas tive a certeza de que meu pai tinha feito a coisa certa!



sábado, 20 de novembro de 2010

Carmim


Foto: Nauro Júnior

Cada fase da vida tem suas descobertas. No meu caso, em especial, elas invariavelmente não seguiram a cronologia típica das idades apropriadas. Desde o primeiro beijo, que foi aos 15 anos (pasmem!), até o último feito desta manhã.

Hoje, 20 de novembro de 2010, eu pintei as unhas de vermelho pela primeira vez.

Sim, é fato! Tenho 42 anos de idade, uma filha, três cachorros, uma empresa que vai completar cinco anos, e só hoje pintei as unhas de carmim. Uma cor de esmalte chamada “40 graus”. É tão vermelho, que o tom vibrante está atrapalhando a minha desenvoltura no teclado neste momento. Acreditem!

Durante essas quatro décadas, o máximo que vi nas mãos e nos pés foi um verniz esbranquiçado, quase que protegendo as unhas. Informação nada relevante, se pode pensar.

Não, se este simples ato não estivesse permeado de significados. O passo de hoje foi bem mais do que um certo retardo de iniciativa.

Todos nós temos coisas que nunca fizemos na vida. Desde bobagens, como essa que estou contando, até atos fortes, tão intensos quanto a coragem que necessitamos para quebrar paradigmas. Mesmo que estes sejam impostos pela nossa cabeça.

Na lista de 2010, ainda conquistei a primeira sandália de salto alto. Essa foi comprada na véspera do meu aniversário, para alegria do meu marido. Ele sempre sonhou em me ver além de uma rasteirinha. Então deixei os tênis no armário e fui em busca de um desafio.

Com a sandália comprada e o Nauro realizado, o primeiro paradigma da minha caixinha da pandora foi quebrado. Ele se animou tanto com a novidade, que na viagem à Gramado me deu mais uma sandália, com salto ainda maior. O desafio agora é caminhar mais que 500 metros sem achar que corri uma maratona. Não é mole!

Mas voltando a coisas que nunca fizemos na vida...

Quando completei meus 40 anos, idade emblemática, pensei nesse assunto pela primeira vez. Cogitei cortar o cabelo bem curtinho. Mas não tive coragem, acho que não combina com o meu rosto e podia gerar uma frustração no primeiro passo dessa aventura.

Depois pensai em fazer uma tatuagem no pé, que sempre sonhei. Não tive coragem. Daí imaginei comemorar meu aniversário pulando um bung jump, mas adivinha...não tive coragem.

Amadureci essa ideia, e nesse final de ano resolvi começar uma lista de coisas que até hoje não fiz para começar a mudar essa história. Com um déficit de dois anos, é claro, mas decidi.

Quero chegar no final da estrada sem frustrações ou medos.

Comecei com as coisas mais superficiais, como as unhas cor de carmim. Neste momento confesso que estou me achando a pessoa mais estranha do mundo. Mas tudo bem, o que importa é que consegui riscar o primeiro item da minha lista. Não sei se agüento até amanhã, a sorte é que hoje à noite vamos à uma festa de casamento e minhas unhas vão se misturar na multidão.

Mas já aviso que a tatuagem deve vir ainda no verão de 2011. Depois disso, o céu é o limite.

E aí, gostou da idéia? Quem sabe a gente não cria um "movimento carmim”, e a vontade de fazer o inusitado não se alastra por aí.

O primeiro passo é simples....vai por mim!


domingo, 14 de novembro de 2010

Meteoro


Tenho a mania de colocar um Cd no carro e deixar derreter, de tanto tocar. Fico dias, até semanas, com o mesmo repertório. Uma mistura de preguiça de trocar e ao mesmo tempo saudade da velha trilha das minhas fases da vida.

Semana passada achei uma raridade que ganhei da minha mãe há tempos. Trata-se do disco dos 30 anos de carreira da Mercedes Sosa, uma verdadeira relíquia.

Ouvi La Negra pela primeira vez no long play da minha mãe, que ficava na sua salinha de som. Pois então, minha mãe tinha um canto só pra se deleitar com seus Lps. Eles tocavam em um aparelho quase do meu tamanho, levando em conta que eu devia ter uns sete anos.

Aprendi desde pequena a ouvir e sentir a força da música. E por sorte, minha mãe sempre teve bom gosto musical. Lembro de duas passagens que me dão essa certeza. Uma delas foi quando a Mercedes Sosa se apresentou aqui, em um show histórico, nos idos de 88, em pleno palco do Teatro Avenida. Minha mãe totalmente inebriada pela música de La Negra, estava na fila do gargarejo, cantando e dançando.

A outra foi quando Chico Buarque esteve no espetacular Latino-Música, aqui em Pelotas. Um festival daqueles de arrepiar, com o melhor da música latina. O show do Chico caiu bem no dia do meu aniversário. Não teve problema. Lá pelas sete da noite, minha mãe “convidou” os convidados a irem para suas casas e me levou pela mão para o espetáculo. Tivemos que "rasgar" um segurança para conseguir entrar. Ela conseguiu um banquinho e me colocou em cima, para ver de perto o "cara".

Na época já pude dimensionar o tamanho do presente que ela me deu naquele dia.

Mas voltando ao meu rally musical.

Tenho rodado a cidade, no leva-e-traz de colégio, supermercado, clientes e afazeres domésticos, sempre ao som de alguma música. A Sofia, na sua cadeirinha, já selecionou os repertórios que mais gosta. E assim cruzamos as ruas da cidade acompanhadas de Marisa Monte, Vitor Ramil, Zé Ramalho, Mercedes Sosa e muitos outros. Ela faz perguntas e canta algumas estrofes.

Mas nos últimos tempos, me veio com uma surpresinha.

Do nada, começou a cantar um repertório estranho:

Te dei o sol, te dei o mar
Pra ganhar seu coração.
Você é raio de saudade,
Meteoro da paixão,
Explosão de sentimentos
Que eu não pude acreditar.
Ah! Como é bom poder te amar!


Socorro! Mas o que é isso criança???!!

Na hora fui indagar de onde tinha saído aquela pérola musical. Até porque ela sabia toda letra, e o pior, no ritmo. A resposta veio rapidinho. Tratava-se do tal de Luan Santana, o queridinho das pré-adolescentes, entre elas a prima Luísa, sua “ídola”.

E agora??!!

Bueno, em um primeiro momento eu disse que não achava muito legal a tal música. Mas mesmo longe do período adolescente, a pirralha de cinco anos gritou.

- Mas eu adoro mamãe, e vou cantar!

Democracia tem disso. Então deixei a psicologia de lado e tive que ser enérgica.

- Música sertaneja aqui nesse carro nãooooooooooooooo!!!

E a danadinha só pra me provocar começou a cantar mais alto ainda. Assim fomos até chegar ao estacionamento do colégio. Cada uma com o seu repertório, e eu com menos de cinco anos de idade. Confesso que fui infantil, não tive habilidade!

Não sei como será o desenrolar dessa história. Mas a verdade é que nos meus tempos de infância a qualidade musical era melhor. Até o pior não era ruim. Não lembro de nada que se assemelhasse a “boquinha da garrafa” ou “funk da mulher qualquer coisa”. Música era feita com consistência e talento. Longe da miscelânea midiática que entra pelas frestas das nossas casas e contamina nossos filhos.

Talvez tenha sido mais fácil para minha mãe nos dar o norte musical. Mas a verdade é que enquanto eu dirigir aquele carro e escolher o cd, o meu repertório musical vai prevalecer. A Sofia que me desculpe.

Enquanto isso, fico na esperança que o sertanejo teen seja mais um “meteoro” no cenário musical, e que rapidinho resolva estudar no exterior ou virar budista.

Tomara! Porque a danada da música não sai da minha cabeça.

Que saco!






segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Nhoque da sorte


Tem duas coisas que me remetem a afetos. O paladar e a música.

No dia do meu aniversário fomos a uma cantina lá em Gramado. Era dia 29, e eu pedi para que naquela noite nossa janta fosse um “nhoque da sorte”.

Além de ter a tal tradição italiana, essa sempre foi a comida que minha avó Nóris fazia para o meu aniversário.

A Chochó, essa avó que morava conosco, tinha esse ritual, de que o aniversariante escolhia a comida no seu dia. E cada dia 29 de outubro que passei com ela, me fartei em travessas de nhoque recheadas com molho ao sugo. Inigualável. Era sempre a mesma coisa, e eu amava.

Então voltando aos dias de hoje. Chegamos a uma cantina um pouco vazia, recém inaugurada, nas redondezas da Avenida das Hortênsias. O garçom simpático, logo veio puxando assunto e contando que a casa era nova. Entre uma informação e outra, não deixou de ressaltar que o chef era um renomado gourmet, e que vinha da cozinha da famosa Cantina Pastasciutta em busca de abrir seu negócio próprio.

Contei então que eu estava de aniversário naquele dia, e que iríamos comemorar jantando ali, e testando o chef. Falei do prato que minha avó me homenageava, e resolvi pedir esse menu nostálgico para celebrar os 42 aninhos de vida.

Enquanto comíamos o antepasto, com um vinho da serra, comecei a viajar no passado. Tentei lembrar daquele sabor singular, que me fazia sentir tão querida pela minha Chochó. Lembrei da toalha de olhado, com estampa de frutas, que ficava na mesa da sala de jantar. Enxerguei os descansos de talheres, que causavam espanto nas minhas amiguinhas de colégio, já que eram um tanto incomuns nas mesas cotidianas.

Vi como se estivesse ao meu alcance, o passador de pratos de madeira, pintado de azul colonial, que ficava atrás da cadeira da cabeceira, e que tinha toda uma explicação histórica do tempo dos charqueadores. Aquele meu cenário infantil me veio à mente com clareza e raros detalhes, coisa que minha péssima memória não me brinda quase nunca.

E como num filme, nesse momento, o garçom deita em minha frente uma travessa de nhoque com molho ao sugo.

Como num ritual indígena, fechei os olhos e abri a boca para perceber o sabor com toda sua intensidade. O garfo recheado daquela porção mágica me levou para uma dimensão que só o paladar pode conduzir

A textura do nhoque estava idêntica. Nem mais, nem menos. O molho tinha a quantidade exata de tomates e a pitada de manjericão na medida para me levar a um outro lugar do tempo e do espaço. Lá, naquela noite chuvosa de Gramado, pude sentir minha avó querida.

Matei a saudade e recebi um abraço de aniversário mergulhada em molho ao sugo.

Terminada a refeição peguei a nota de um dólar debaixo do prato para guardar na carteira e fui até a cozinha apertar a mão do tal chef. No final, dei um abraço apertado e disse a ele que o prato estava perfeito. Ele me respondeu dizendo que a comida e o afeto são uma coisa só.

Realmente!

Ele talvez não tenha entendido a profundidade daquele momento pra mim, mas como todo bom chef, sentiu. Me disse que estava ansioso em saber se a cantina ia de fato decolar.

Pelo que vi acontecer ali, acho que tem tudo para dar certo. Ainda mais se minha avó continuar dando o tempero nos pratos dele. Tenho certeza de que será um sucesso!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Presente



Na sexta-feira estou de aniversário. Aliás, eu a Julia Roberts, a Paulinha Blass e a Maria Amália, do Tholl. Deu pra ver que é data pra nascer mulher fumeta, né?!

Brincadeiras a parte, quero dividir aqui um sentimento bom que tenho. O de gratidão por todos os presentes que a vida me deu nessas décadas.

Passar dos 40 com pai e mãe cheios de saúde é um presente e tanto. Quem já os perdeu sabe do que estou falando. E para completar, são dois grandes amigos, com quem sempre pude contar e com quem divido meu cotidiano. Nossas dificuldades só serviram para que nos aproximássemos cada vez mais.

Minhas duas avós, com quem convivi por longo tempo e de forma intensa, foram outros dois grandes presentes. A minha Chochó, com quem vivi sob o mesmo teto por anos, e com quem aprendi que os bons momentos merecem ser celebrados sempre. E a minha Voinha, que com sua simplicidade mostrou o quanto podemos ser fortes e implacáveis, sempre. Basta ter a preciosa fé!

Minha irmã, Kiki é também um regalo do destino. Nossas personalidades são distintas e complementares. E nossa amizade é daquelas que dispensa palavras. Nos sentimos, e isso nos basta.

Também tive a sorte de nunca perder um amigo próximo, nem alguém que rompesse a ordem natural das perdas. Como já disse aqui, tenho amigos de todos os pelos e cada um com seu jeito e encanto. Pessoas que guardam capítulos importantes da minha história e com quem eu sei que sempre posso contar. Independente do tempo ou da geografia.

A vida me deu mais que presentes. Deu tesouros. Responsáveis pela coisa mais rara que tenho hoje: a minha família. Meu marido, que chegou como nas navegadas que ele tanto gosta. Veio de forma inesperada, mas a certeza que tenho, é que já nos esperávamos há muito tempo.

Com esse amor tão absoluto, veio a razão do meu viver. Tenho certeza de que cheguei até aqui para ser a mãe da Sofia. Para aprender com ela. Para agradecer a vida através dela. Esse presente de valor imensurável, me fez ser uma pessoa melhor. Cada pequena lição que aprendo com ela, me faz entender melhor a grandeza de tantas coisas que até então eram incompreensíveis.

E com tantos presentes nesses anos de vida, eu quero dizer para o Papai do Céu, que a única coisa que eu quero de presente nesse dia 29 de outubro de 2010, é um dia ensolarado.

Se não for pedir demais, quando anoitecer eu gostaria de um céu estrelado. E nessa hora eu vou dar a mão para os meus dois amores, e vou agradecer por todos os presentes que a vida me deu nesses anos.

Obrigado por cada segundo dessa vida tão boa Papai do Céu!

sábado, 16 de outubro de 2010

Carta ao novo(a) presidente


Escrevo como quem larga palavras ao vento, eu sei. Mas mesmo assim Sr(a). novo(a) presidente, não vou me furtar de enviar-lhe essas palavras tão sinceras.

Sempre gostei da política. Talvez porque tenha vindo ao mundo no polêmico ano de 1968. Sai do conforto do ventre materno, para um mundo que convulsionava em meio a históricos acontecimentos que sacudiam certezas.

"...no tempo em que os sonhos começavam a se realizar e até as utopias deixavam de ser utopias..." como disse Zuenir Ventura.

Era um ano enigmático, marcado pelo assassinato do maior líder negro da história, ao mesmo tempo em que a Guerra do Vietnã decepava a paz. Talvez apenas por isso, eu ainda carregue comigo um gosto estranho pela política.

Sempre imagino a cena de minha mãe amamentando, e ao mesmo tempo ouvindo no radinho de pilha as últimas notícias das manifestações estudantis que revolucionavam o centro do país. Estudantes na rua que assustavam as mentes autoritárias.

E assim o tempo foi passando.

Enquanto o minuano soprava aqui nas bandas do sul, vi pela televisão a contagiante mobilização pelas Diretas Já. Meu corpo tomava novas formas e a tal da adolescência chegava. Logo depois desabrochei para a juventude e pisei deveras no mundo democrático, votando pela primeira vez.

Lembro com orgulho daquele dia 15 de novembro de 1989.

Depois disso, nunca mais deixei de expressar meus ideais políticos. Mesmo que muitas vezes tenha me custado calorosas discussões familiares. Meu pé no mundo profissional também foi em um ambiente permeado de sonhos. O primeiro emprego como jornalista foi na assessoria de imprensa política da Prefeitura Municipal de Pelotas/RS.

Respirei o jornalísmo político por cerca de cinco anos, até que minha filha Sofia nasceu, e com sua sabedoria - implícita até no nome - mudou o rumo das coisas.

Mesmo desconectada do cotidiano desta roda-viva, sempre mantive um dos olhos abertos. E assim muita água rolou por debaixo da ponte, trazendo à tona uma política míope e distorcida.

Mas confesso que mesmo com tantos dissabores, como os recentes escândalos do Planalto, ainda guardo dentro do peito um fio de emoção. Um sentimento que ganha força quando ouço um discurso mais carregado de certezas. Aquele conjunto de palavras, ditas com tal contundência, que nos fazem acreditar nas mudanças.

Mas ando deveras descrente nos últimos tempos. E por isso Sr(a). novo(a) presidente, escrevo esta singela carta como forma de fazer as pazes com a política.

Sou uma brasileira que, assim como a maioria, canta o hino nacional quase que por inteiro. Volta e meia acabo tropeçando. Por mais lindo que seja, às vezes troco alguma estrofe. Estou confessando uma coisa muito íntima, com a esperança de que a sinceridade seja uma recíproca entre nós.

Mas não fique preocupado(a), em contrapartida, pago os meus impostos em dia. E olha que não são poucos. Tenho uma pequena agência de comunicação, e lhe digo que não é barbada fazer o cheque no início do mês para pagar os tais "tributos". Sempre me deparo com um número com mais de três dígitos. Mas faço sem reclamar, e por isso me sinto mais a vontade em lhe dizer algumas palavras.

Quero deixar bem claro entre nós, que deposito no meu voto a esperança de que se varra de Brasília esse latente espírito de impunidade. Assim como nossos pais nos colocaram limites na infância, é a hora de alguém puxar as orelhas dos que não aprenderam até agora a ser “bem educados”.

Também vai nele, minha certeza de que a economia tem que ser cada vez mais forte, e que nosso salário tem que ter valor de verdade. Meu voto é também lembrando que os que têm fome, também têm pressa, e que a saúde precisa cuidar de seus doentes.

Meu voto sempre será a minha voz. Minha certeza de que mesmo com tantas coisas erradas nos últimos tempos, a democracia sempre será o melhor dos ganhos. E por isso Sr(a) novo(a) presidente antecipei minhas férias, agendadas com tanto carinho. Tudo isso para voltar a tempo de votar no dia 31 de outubro.

Não quero e não posso me isentar de usufruir desse direito conquistado com tanto sangue e suor. Acho que isso deve estar no sangue dos que nasceram no “ano que não terminou”. Porque como disse Martin Luther King, o que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons!

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O tempo


Há um tempo escrevi aqui sobre a doação de medula. Demorei 40 anos para me tornar uma doadora. Na maioria das vezes, tempo demais para quem espera por um transplante e uma chance de permanência nas bandas daqui.

Hoje li no ClicRBS Pelotas que depois de dez meses de luta contra uma leucemia fulminante, a bailarina pelotense, Janaína Jorge, morreu na manhã de ontem(13).

“...Exemplo de esperança e determinação na busca de um doador de medula óssea, a artista conseguiu encontrar uma pessoa compatível no fim de agosto, mas seu estado de saúde não permitiu esperar até o final dos exames necessários à cirurgia. Janaína estava internada no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e seu corpo deve chegar a Pelotas ainda nesta quarta-feira. O sepultamento está marcado para quinta, às 10h, no Cemitério Ecumênico São Francisco de Paula, no bairro Fragata...”

Eu não conheci a Janaína pessoalmente. O que tenho gravado na memória é sua voz, em uma entrevista de rádio que ouvi, enquanto dirigia meu carro. Ela tinha descoberto a doença e estava ali, de peito aberto, estimulando as pessoas a doarem medula. Um ato simples, que salva vidas.

O resultado desse impacto em mim, pode ser lido no post que escrevi na época:

http://adoromelancia.blogspot.com/2010/06/medula.html


Hoje, ao ler a notícia de que a Janaína tinha conseguido o doador mas não deu tempo....fiquei anestesiada.

Esse tempo que perdemos na fila do banco, no trânsito, ou pensando em problemas que não vão nos levar a lugar algum. Me dei conta de que o tempo que faltou para ela, nos sobra cotidianamente. E não damos o devido valor à sua preciosidade.

Grande parte das pessoas também acham que não têm tempo para doar cinco milímetros de sangue no Hemocentro. A vida é atribulada, o trabalho não pode esperar, acaba sempre ficando para outro dia...

Muitos nem cogitam esta hipótese, simplesmente imaginam que esse assunto não lhes diz respeito, afinal de contas, a doença nunca vai bater à sua porta.

Desculpas pueris!

A bailarina já não tem mais sua voz nas rádios, contagiando pelas ondas da esperança o seu amor pela vida. Mas que fique a lição. E que o seu pedido seja levado por cada um que ler este texto, a um amigo ou familiar.

Que possamos multiplicar a sua voz em mais e mais doadores de medula. E que possamos correr tão rápido quanto o tempo, aumentando o exército de doadores. Transformando o final de outras histórias. Vencendo o tempo e a “falta de tempo” de muitos à nossa volta.

Enquanto isso, tenho a certeza de que a bailarina irá dançar com os anjos. Ela estará comemorando lá no céu os passos que nos ensinou nessa dança da vida!

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Tantas emoções


Saí de casa hoje a tarde pensando que seria uma sexta-feira comum. Mas aquele céu acinzentado me preparava bem mais do que um chuvisco ralo, varrido pelo vento sul. O universo conspirava a meu favor, e eu nem imagina o que estava por vir.

Depois de uma semana de muito trabalho, tirei o dia para pagar contas, arrumar o celular, almoçar com a Sofia e a Tatá no centro, e dar conta de uma lista interminável de pendências.

Tínhamos acabado de almoçar e eu estava descendo as escadas da Feira da Fruta, quando o meu telefone tocou. Era o meu compadre, Eduardo Mendes, que além de “dindo” da Sofia é nosso irmão de coração.

Ele queria saber o que estávamos fazendo, perguntou pela afilhada. Como ele recém mudou para um apartamento novo, está feliz da vida com a namorada, achei que era só uma crise de saudade dos pampas. Ele vive em São Paulo há alguns anos, onde trabalha como repórter cinematográfico da Rede Globo.

Daí ele me diz assim:

- Gabi, preciso que tu me quebres um galho. Vou te botar numa saia justa, fala com essa pessoa que está aqui ao meu lado e vais entender.

Eu já me apavorei. Imaginei qualquer coisa, até um seqüestro relâmpago. Daí aquela voz do outro lado me diz:

- Oi Gabriela, tudo bem? Aqui é o Caco Barcellos!

Eu, em pleno Galeria Malcon, saltei e disse:

- Ahhhhh tá Mendes, essa é boa. Conta outra. Então aqui é a Patrícia Poeta!!!

A voz bonita disse de lá:

- Não Gabriela, sou eu mesmo, o Caco. O Eduardo me disse que tu gostas do meu trabalho e eu estou ligando para agradecer.

Cabruuuuuuummmmm!!!!

Quase despenquei no meio da galeria. Meu coração foi a uns 300 batimentos por minuto. Me deu um vermelhão na cara e pensei rapidamente: é ele mesmo, e agora???!!! Bom, vou aproveitar pra dizer tudo que acho dele.

- Eu não posso acreditar menino!!! Bom Caco, mas já que é tu mesmo, eu vou aproveitar para te dizer um monte de coisas. Que eu sou jornalista por tua causa, que eu admiro não só o teu trabalho, mas o ser humano maravilhoso que tu és. Que me espelho na forma que tu levas o jornalismo, em toda sua essência. E acima de tudo, porque tu consegues mudar esse mundo, de verdade...

E assim me desdobrei dizendo tudo que eu sempre achei desse que é o meu maior ídolo. Tanto é, que meu pai me apelidou de “Cacaca” em casa, por causa dele.

Contei que tenho todos os seus livros, e que um em especial, guardo na minha mesa de cabeceira, com carinho. É o Rota 66, o primeiro livro dele que li, e onde tenho um carinhoso autógrafo. Foi em 1997, quando eu estava no primeiro ano de faculdade, e ele veio dar uma palestra na nossa universidade. Eu lembro que fiquei fascinada pela sua fala e tão impactada que não me animei a perguntar nada.

No final do evento, fui até ele, e pedi timidamente que assinasse o meu livro. Lembro que chovia muito e ele estava apurado para pegar o último ônibus para Porto Alegre, às 23h30. Mesmo assim olhou nos meus olhos com ternura e me carimbou as palavras escritas acima, que sempre serviram de norte para minha vida profissional.

Esse é o Caco Barcellos, que tanto admiro, e que hoje é parceiro de Profissão Repórter do meu compadre.

E hoje, ainda inebriada com aquela surpresa maravilhosa, me dei conta do quanto este ano tem sido surreal pra mim. Depois do beijo do Galeano, um telefonema do Caco Barcellos. Difícil avaliar, mas acho que no ranking das emoções, o Caco está acima do beijo do Galeano.

Na verdade, não sei mais nada. Como diria o Rei Roberto Carlos, “são tantas emoções”!!!

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Laços heterogêneos

Acordei com saudades de uma velha amiga. Nos conhecemos na praia do Cassino, aos 14 anos, e já contei aqui em algum post que nossa proximidade surgiu pelo fato de sermos as “girafas” da turma. Na média do padrão adolescente, já despontávamos com um pezinho 39 e mais de metro de perna.

Isso pode ser lindo hoje, na materialização da Gisele Bündchen, mas na puberdade, tudo vira um problema. Então a Lilian e eu resolvemos aquele desconforto de sermos fora do padrão, juntando nossos centímetros e desfilando independentemente do grupo, pelas avenidas de terra batida onde pipocavam nossos amores platônicos. Descobrimos bem mais que isso!

Terminado o verão ela seguiu para capital e eu para Pelotas. Mas nosso vínculo de amizade ultrapassou a geografia e em pouco tempo trocávamos fitas gravadas (naquele tempo tinha!) e cartas coloridas, contando nosso cotidiano. Assim passamos o outono, inverno, primavera, até nos encontrarmos no verão seguinte.

Esse laço de amizade dura até hoje. Ela já virou mundo. Morou em quatro países diferentes e finalmente voltou ao Cassino para achar seu norte. Nesses anos todos, sempre achamos um jeito de nos conectarmos. As cartas multicoloridas deram lugar à tecnologia do mail, skype e MSN. Mas a caixa onde guardo essas relíquias permanece intocável, como parte viva da minha memória. São as provas materiais de uma amizade de verdade.

Dia desses passei a tarde relendo nossas aventuras. Foi como dar “play” em um filme guardado dentro de mim. Tenho dificuldade de memória, quase não lembro coisas que aconteceram há poucos anos. Então aquela viagem foi como uma deliciosa visita aos meus momentos de descoberta da vida.

Desde a adolescência sempre tive como marca amizades heterogêneas. Tenho amigas de todos os pelos, jeitos e estilos. Mas não são amigas comuns, são grandes parceiras. Pessoas que mantenho vínculos profundos e firmes, e que sei que posso contar.

Esse ano, com a chegada da Sofia ao mundo escolar, também desbravei novos caminhos. Aquele ambiente que de início me pareceu estranho e inodoro me deu na verdade ares de renovação. Ganhei amigas novas, permeadas pelos laços de nossos filhos.

Em plena véspera de completar 42 aninhos, me dou conta que continuo com o mesmo coração adolescente das ruas de chão batido do Cassino. Agora em vez de creme para amainar as espinhas, nosso desafio é disfarçar as ruguinhas que começam a acenar. Mas a essência é a mesma. Queremos muito da vida. Todas nós, em todas as idades, de todos os jeitos, estilos e temperamentos.

E o melhor dessa história é que a maturidade nos dá a verdadeira noção de que temos que celebrar nossas amizades. As de ontem e as de hoje!

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Vida

Foto: Nauro Júnior

Ando de olho na vida. Olhando para ela mais de perto e com mais cuidado. Diariamente alguns sinais sublinham o quanto ela é fugaz, efêmera, preciosa.


Hoje acordei especialmente apaixonada por essa oportunidade que temos, de estar aqui e agora. Sem passado, sem saber do futuro, mas no lugar certo, na hora real.


O dia está nublado e cinza, mas a inspiração veio dos últimos dias. Primeiro o Jason, bebê do post anterior, acabou falecendo. Depois, no sábado passado, uma menina que foi colega de faculdade, faleceu em uma mesa de cirurgia. Foi fazer uns exames rotineiros e descobriu que precisava fazer uma cirurgia. Era de urgência, de risco. E foi ali que tudo acabou. Como um sopro.


E assim é o roteiro, sem aviso prévio, sem preâmbulo. Por isso o negócio é pra ontem, pra já.


Sorrir e gargalhar bem mais, por bem menos. Abraçar muito. Coisa boa é um abraço quentinho. No meio da rua, sem motivo ou regra. Beijar então, nem se fala. Todo mundo beija muito pouco. E não é só o marido ou namorado. O pai, a mãe, o filho, os amigos, aquela pessoa que a gente admira de longe. Surpreender com um beijo carinhoso, sempre é bem vindo.


Lembro da primeira vez que li o poema “Instantes”, que é erroneamente creditado à Jorge Luis Borges. Aquele epitáfio literário me deu uma profunda angústia.


“...Porque se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos;
não percam o agora.
Eu era um daqueles que nunca ia a parte alguma sem um termômetro,
uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas e, se voltasse a viver, viajaria mais leve...”


Na época eu tinha 17 anos, e lembro que depois disso nunca mais usei guarda-chuva. Até hoje nego a companhia desse objeto protetor, que nos poupa de gripes e roupas molhadas. É minha forma de sentir a vida pingando nos dias de chuva. É uma forma adolescente de lembrar o que não devo esquecer: viver mais, muito mais profundamente.


E assim retomo meus escritos nesse lugar que tanto me faz bem. Com uma paixão absoluta por tudo que me faz estar aqui. Paixão por um companheiro que me chegou há quase uma década, para me lembrar a importância da alegria no nosso dia-a-dia. O quanto sonhar nos mantém acordados e ainda me deu o meu maior presente. Uma filha maravilhosa, ser de luz, que veio para nos mostrar o quanto essa vida é rara.


Então vamos a ela, sem rodeios. Vamos à vida e a toda paixão que ela possa nos fazer sentir!

domingo, 12 de setembro de 2010

O lado bom

Foto: Nauro Júnior


Essa semana o clima aqui em casa anda de comoção. Desde quinta-feira o Nauro está envolvido com uma pauta que nos mexeu bastante. É a história de uma mãe, de 22 anos, que percorreu 686 quilômetros, entre quatro cidades e três hospitais, na esperança de tenta salvar a vida do filho Jason.

Ele passou a tarde de quinta na UTI Neonatal do Hospital da FAU, onde mãe e filho reviviam um sentimento que já sentimos um dia. Ele disse ter visto nos olhos de Piera, a intensidade do amor incondicional que move as mães de UTI, e que ele bem conhece.

Sua missão era tirar uma foto que conseguisse retratar tudo isso. Aquela imagem que vale por mais de mil palavras, sabe? E foi isso que ele fez.

Chegou em casa triste, com um peso na alma. Aquela sensação de impotência que sentimos frente a uma situação que já passamos. Foi dormir calado, depois de mostrar as fotos e a beleza de cena de cumplicidade entre mãe e filho. Eu fiquei mais um tempo zapeando pela TV, lembrando dos olhos da Sofia durante os nossos três meses de UTI. Foi uma noite estranha.

No dia seguinte a matéria publicada na página 34 de Zero Hora contava a história do bebê de 42 dias que precisava de atendimento especializado, e corria contra o tempo. A foto, diagramada no lado direito da página, tinha angústia e ternura. Dois sentimentos antagônicos, que só com palavras não traduziriam a fidelidade da situação. O texto dizia:

“Mãe de primeira viagem, ela corta o Estado em carros e ambulâncias pela sobrevivência de Jason de Mello Brondani, que tem uma má formação no intestino. O menino, que completa 42 dias de vida hoje, aguarda há 40 uma transferência para Porto Alegre”.

Acordamos com o Sancler, repórter da sucursal aqui de Pelotas, ligando para dizer que a matéria tinha mexido sentimentos. O médico José Roberto Saraiva, gerente de internação do Hospital da Criança Conceição (HCC) leu a matéria logo cedo e já contatou a central de leitos para ver se tínha como receber o bebê.

Enquanto isso leitores de todos os cantos ligavam para Zero Hora. Em Pelotas o Nauro recebeu a ligação de um senhor que dizia ser muito feliz por ter três filhos saudáveis, e queria de alguma forma agradecer, ajudando a menina nas despesas. E assim foram várias mãos que se estenderam durante o dia.

No final da tarde veio a notícia de que mãe e filho embarcariam às 19h em uma ambulância para serem transferidos para o hospital da capital. Jason tem uma parte não funcional do intestino delgado, mais exatamente a que é responsável pela absorção de nutrientes. Para que possa se desenvolver, precisa se alimentar com uma fórmula especial, e o tratamento indicado é em Porto Alegre, no Hospital de Clínicas, referência ao lado da Santa Casa.

Nova sessão de fotos com a mãe de Jason, agora com um sorriso no rosto e os olhos brilhantes. Nauro e Piera se despediram com um abraço cúmplice.

Por volta das 19h30 Piera e Jason entraram na ambulância para mais uma jornada.

No sábado a dupla estampava a capa da Zero Hora, em um cena cheia de emoção. Sabemos que essa história ainda tem muito a ser escrita, mas o que conforta no momento é saber que de alguma forma o jornalismo pode ter um lado bom.

E por aqui, seguimos os três na torcida por Jason e Piera. Enquanto isso cumprimos nossas pautas cotidianas, na esperança de mudar alguma coisa a nossa volta!

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Agosto

Me despeço do mês de agosto com um certo alívio. Longe das superstições, sempre foi tempo de aniversários aqui em casa. Primeiro minha avó, depois meu pai e minha irmã. Dois leoninos e uma virginiana, fazendo do mês afamado tempo de alegria e celebração.

Mas, coincidência ou não, esse agosto foi deveras pesado. Nas duas últimas semanas um turbilhão de pequenas coisas fez com que eu desejasse ver as cores de setembro com ansiedade.

Primeiro peguei uma virose, dessas que metade da população está. Só que em função de já estar debilitada, meu corpo recebeu o vírus de portas abertas. Tive febre beirando os 40, prostração total e fiquei uma semana de cama. No primeiro dia que saio de casa, para retomar as rédeas do meu cotidiano, um acidente de trânsito! Um carro me bateu na traseira, jogando meu carro contra um abrigo de táxis.

Eu não conseguia entender o que estava acontecendo, simplesmente estava dirigindo e um impacto violento me tirou do ar. Eu só sabia chorar e dizer que tinha que buscar minha filha no colégio. Passado o susto o saldo foram danos materiais, que se resolvem. Eu sai inteira, só com uma sensação de ter passado pelo triturador, de tanta dor no corpo.

Bueno, passado esse transtorno pequeno eu pensei:

- Agora vai!

Na segunda-feira a tarde retomei finalmente minhas atividades profissionais, que a essas alturas estavam mais que atrasadas. No meio da tarde a professora da Sofia me liga do colégio, dizendo que ela estava com 39 de febre, e que eu fosse buscá-la. Sai voando as tranças e em poucos minutos já estava de posse da minha mimosa, com todos os cuidados necessários.

Se não bastasse a aflição, o Dr. Flávio está viajando e só retorna hoje. Consegui um horário para ele vê-la, às nove da noite, e enquanto isso vamos driblando a preocupação. Já foram duas noites insones, com aquele febrão que apavora qualquer mãe.

Então hoje acordei e me deparei com setembro. Mesmo com um dia cinza enxerguei a proximidade da primavera, e isso me deu ânimo. Lembrei de uma frase que pela adolescência toda povoou minhas agendas colegiais.

"Aprendi com a primavera a me deixar cortar.
E a voltar sempre inteira"


Acho que Cecília Meireles soube traduzir com toda sua genialidade, o poder de fênix que habita em todos nós. Sempre existe um renascer, seja por um período de intercorrências simples, como o que eu passei, ou por assuntos mais sérios. A vida nos ensina diariamente a reflorescermos.

Que seja muito bem vindo setembro!

sábado, 28 de agosto de 2010

Meio século

Este post é dedicado à amiga Dalcira Oliveira que completa 50 anos de vida e a quem prometi que escreveria uma crônica. Desde sábado passado estou doente, de cama, sem minhas totais condições físicas. Com isso a cabeça da gente também fica um pouco na lenta, mas de qualquer forma...promessa é dívida, e cá estou eu cumprindo com muito carinho a minha!

Parabéns Dal!


========================

De todas as definições sobre a sensação de abraçar os 50 anos, a que mais me agrada é a descrita por Isabel Allende, no primeiro parágrafo do seu livro “Afrodite”.

Os cinqüenta anos são como a última hora da tarde, quando o sol o sol já se pôs e tendemos naturalmente à reflexão. No meu caso, porém, o crepúsculo induz a pecar e, talvez por isso, no meu cinqüentenário reflito sobre minha relação com a comida e o erotismo, as fraquezas da carne que mais tentam, embora, hélas, não tenham sido as que mais pratiquei...

Aos 50 anos podemos dizer que já temos uma boa história para contar. A data é o verdadeiro marco na vida. É o tempo da colheita. Hora de sentar a poeira e ouvir o manso canto das lembranças. Olhar para trás com carinho. Buscar no passado enevoado, marcas daqueles sonhos que plantamos ainda na infância. E aí, valeu a pena?

É tempo de reflexão. De observar em que parte de nós estão as marcas da nossa essência. Sem dramas ou mágoas, com o único objetivo de nos enxergarmos por inteiro.

Em cada idade um sentimento é marca pulsante das nossas emoções. Aos 20 a liberdade é tudo que buscamos. Mesmo sem saber o que faremos com ela, nos atiramos a uma procura insana por tudo que nos dê asas e nos mostre e sua imensidão. Aos 30 já temos a cara de quem compreendeu que a autonomia é o que realmente interessa. Já temos um caminho percorrido e sentimos que essa talvez seja a idade de brilhar. Os 40 anos assustam, mais por mito do que qualquer outra coisa. Mesmo que com certo pudor, encaramos a idade como um desafio.

E os 50?

Bueno, é a hora de lavar a alma. Fazer uma aventura na selva, pintar o cabelo de azul, escrever um livro, plantar uma árvore, sei lá. O que importa é fazer, demarcar, sublinhar. Não é todo dia que temos cinco décadas de vida em uma só data.

Independente da forma de comemoração, o que importa é que nossos olhos estejam voltados lá para dentro. E que o que a gente enxergue seja algo que nos orgulhe, nos encha de ânimo e energia para seguir a escalada. O melhor de chegarmos a idades simbólicas é termos a certeza de que estamos fazendo a coisa certa. De que cada dia dessa vida fantástica, foi saboreado como o silencioso por do sol descrito por Isabel Allende. De que cada dia da nossa vida é tão valioso, que podemos fazer dele o que quisermos. Mas não amanhã, hoje.

A vida é urgente, é nossa e tem que ser celebrada. Tão simples e tão complexo!

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Aqui e agora

Ando com a sensação latente de que o tempo urge. De que nada pode ficar para amanhã. A terra gira, o tempo passa, o relógio não para.

Passado o marasmo emocional proporcionado pelo clima de inverno, eis que a bela adormecida acordou. E não é que o acaso me surpreendeu com essa certeza?

Hoje encontrei uma amiga que não via há tempos. Sentamos no sofá de uma loja para colocarmos o assunto em dia, enquanto a Sofia brincava. No meio do papo, uma atitude dela ficou na minha cabeça.

Ela contava que o marido havia passado por uma fase profissional difícil. Nesse período, fez vários bicos. Peripécias mil para segurar a onda, não parar a faculdade e seguir pagando as contas da casa. Honrando seus compromissos, como diria a Voinha.

No meio dessa tempestade, ela contou que um antigo amigo deles tinha dado ao marido a oportunidade de fazer um “bico” na sua empresa. Era uma coisa aparentemente simples, que dava para tirar uns trocos. Nada demais à primeira vista. A coisa ia indo meio no desânimo, até que um bela dia uma luz acendeu. Ela olhou profundamente para a tarefa aparentemente boba, e se deu conta de que mesmo sendo de fácil execução, era de extrema confiabilidade.

Percebeu que o velho amigo não tinha um cargo e nem um salário para oferecer naquele momento, mas dava algo muito mais valioso. Estendeia no tal "bico", a chance do marido saber o quanto era confiável. Com isso ela se deu conta que o amigo estendeu mais do que uma mão. Fez com que naquele momento complicado, onde auto-estima fica vulnerável, a dignidade dos dois ficasse intacta.

E foi no meio da tempestade financeira que o casal passava, que minha amiga se deu conta disso. E em plena tarde chuvosa de sábado, ela virou o polígono e enxergou as outras faces da mesma coisa. Viu um lado bom em tudo aquilo. Se deparou com a grandeza de um gesto e percebeu que os bons sentimentos são imensuráveis.

Ela podia ter apenas admirado o amigo, e deixado aquele sentimento guardado. Poderia ter guardado sua gratidão. Mas não o fez. Pegou o telefone e ligou para agradecer. Na hora.

- Eu só liguei para dizer que o que tu fizesses por nós não tem preço!

O amigo ficou meio sem entender, mas agradeceu emocionado. Ela desligou o telefone com o coração leve. Depois disso as coisas logo se ajeitaram. Em pouco tempo um bom emprego apareceu e eles venceram a fase difícil.

Hoje estão novamente estabilizados e o marido gerenciando o setor de informática de uma empresa. A tempestade passou, veio a bonança.

Mas essa história me marcou por um gesto simples. Por aquele detalhe que faz toda diferença no meio do tempo ruim. È disso que nosso cotidiano está carente. A azeitona da empada, o que dá sabor às relações.

É o olho no olho na hora do papo. A mão que aperta durante a troca de cumprimentos. O beijo entre os amigos homens, sem preconceito. O braço dado com o avô, no passo lento. Mais sorrisos e menos caras amarradas.

São os detalhes tão pequenos de nós todos. Cada vez mais escassos. Cada dia mais latentes.

E por mais lugar comum que seja: o que vale é o aqui e o agora!

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Nossas estrelas

Mãe Cema quando conheceu a Sofia (Foto: Nauro Júnior)

Em um sábado qualquer de ócio assisti a uma entrevista com a Heloisa Perissé, no programa Estrelas, da Angélica. A atriz, que é um poço de alegria, apresentava ao público a sua “estrela”. Junto com ela estava uma senhora de cerca de 50 anos, que há onze trabalhava cuidando da sua casa e de seus filhos. A tal da Lolo me fez rir e chorar, com seu jeito simples, falando dos sentimentos que realmente valem nessa vida.

Em meio a confissões, lágrimas e muita ternura, vi uma história de amor e carinho que se repete em milhares de lares desse mundo à fora. Eu por sorte me incluo nessa lista.

Eu e minha irmã tivemos a nossa “estrela”. Ela se chama Iracema, mas apelidei-a de “Mãe Cema” logo quando larguei minhas primeiras palavras. Hoje, aos 94 anos, ela ainda recorda com lucidez as nossas peraltices de criança. Adora contar que a Kiki era medonha, vivia aprontando, e que isso rendeu o apelido carinhoso de “Gata Amarela”. Seus olhos brilham com as lembranças que a idade ainda consegue guardar, como um tesouro.

Mas essa história começa bem antes, na época em que meu avô comprou a Charqueada São João, em 1952. Ela já estava na casa, junto com seu marido Inocêncio (o Lolô), e moravam em uma casa nos fundos do jardim. Quando meus pais casaram em 1968, e foram morar lá, eu por consequência já estava à bordo, na barriga. No mesmo ano, em outubro, eu nasci e já contei com os carinhosos braços desse anjo doce para os cuidados que começaram entre fraldas de pano e seguiram por longos anos das nossas vidas. As aventuras na charrete do Lolô, arrecadando lavagem para os porcos, em meio às ruas de chão batido do Areal. Ele morreu cedo, mas a Mãe Cema permaneceu firme e forte, zelando pelos seus filhos de coração.

Ela é uma segunda mãe para mim. Mesmo que há alguns anos já esteja longe do nosso convívio cotidiano, foi parte essencial da minha formação. Está em tudo que sou hoje. Alguém que tinha seus filhos próprios, mas mesmo sem os laços de sangue dividiu com minha mãe os mais importantes ensinamentos da vida. O que dizer de alguém que nos alimenta, veste, cuida, acalenta, protege e ama?

Aqui em casa hoje também temos a nossa “estrela” e vejo nos seus doces atos muito de minha Mãe Cema.

A Talita chegou aqui quando a Sofia tinha nove meses. Na época tínhamos uma enfermeira em função das rotinas médicas que ela precisava. Um belo dia decidimos que trocá-la por uma babá seria o primeiro passo para uma nova vida. A Talita tinha 18 anos na época, e no currículo o fato de ser filha da Laura, uma antiga empregada de minha Voinha, com quem convivemos quando criança e tínhamos muito apreço.

Com seu jeito tímido se entregou com dedicação à rotina de remédios, horários e fisioterapia da Sofia na época. Eu tinha listas nas paredes da casa, com tudo explicadinho. Rapidamente ela entrou no esquema, me superando em organização, capricho e muitas cores para alegrar a rotina inóspita. Detalhes tão pequenos de nós todos!
A Sofia e ela se entenderam desde o primeiro olhar. Sintonia do coração. E é assim até hoje.

A Tatá, como carinhosamente chamamos, é hoje a mola-mestre da nossa casa. Sem ela nada funciona direito. Acompanhou todos os nossos piores e melhores momentos, no pós-hospital e com isso tornou-se uma cúmplice da nossa história.

Seus gestos cotidianos não têm preço. É um bolo quentinho que chega em uma tarde cinza. O diário da Sofia em que ela detalha cada descoberta do mundo infantil. As vacinas, os exames, a tensão das idas ao especialista em Porto Alegre. Tudo está registrado na caixa-preta da Tatá. Eu escreveria laudas e laudas sobre os detalhes cotidianos, em que a presença dela torna nossa vida melhor. É daquelas que organiza o armário de roupas por cores e quando menos se espera inventa um colorido arranjo de flores com a matéria prima natural, disponível pelos campos das redondezas.
Ela transforma pouco em muito!

E por isso me emocionei tanto com a tal matéria no programa da Angélica. Alguém que cuida do nosso mundo como se fosse o seu, não tem preço. Alguém que entra no nosso mundo para fazê-lo mais feliz então...

...são essas as verdadeiras estrelas, que chegam em um dia qualquer e tornam a nossa vida melhor. Iluminam nosso cotidiano. São anjos feitos de simplicidade e afeto. Almas generosas, que por sorte estão aqui, fazendo nossos dias melhores. Iluminando nossas vidas, como verdadeiras estrelas!

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

13 de agosto

Ando sem assunto nos últimos dias, por isso não tenho aparecido por aqui. A maré cinza assolou o pedaço, somado ao frio polar e ao vendaval que chegou na madrugada.

Mas um fio de ânimo ainda persiste. E como uma pílula energética dos desenhos animados, não me deixa escrever sobre nada triste ou negativo. Já basta a conspiração meteorológica desse inverno, tentando derrubar sorrisos e escabelar as franjas.

E enquanto esgotamos o nosso estoque de humor e paciência, cá estou eu, munida de forças extra-sensoriais para fazer desta sexta-feira, 13 de agosto, um dia colorido. E olha que a missão é das mais complexas.

Da janela de casa vejo o vento provocar até “ondinhas” no calmo Arroio Pelotas. Os juncos que protegem a margem estão deitados, como que se curvando aos destemperos do deus Odin. O cenário é bucólico, a temperatura é baixa e a vontade de virar um urso e acordar na primavera me persegue.

Mas na minha caixa do passado encontro lembranças deliciosas das antigas datas que folcloricamente são ditas como de mau agouro. Minha avó querida, a Nóris - a quem eu carinhosamente sempre chamei de Chochó, nasceu nessa data. Então lá em casa, dia 13 de agosto sempre foi de alegria. Quando caia na sexta-feira, ela gostava mais ainda.

O ritual era sempre o mesmo. Ela não fazia festa, simplesmente preparava a casa com flores e saborosos quitutes, expostos na mesa com toalha de renda branca da sala. Acendia um caloroso fogo na lareira e se enfeitava. Coloca uma roupa bonita, se maquiava e postava na cama uma colcha bem passada. Ali iria exibir os presentes recebidos ao longo do dia. Depois do ritual, sentava-se na sala e aguardava a chegada dos visitantes.

A data era lembrada por todos amigos, que ao longo doa dia faziam uma verdadeira caravana de visitas pela Charqueada São João, onde vivíamos. E ela faceira, agradecia, servia os amigos, conversava e curtia cada momento do seu dia. Nós, que morávamos com ela, cantávamos o primeiro parabéns ao meio-dia.Depois íamos a tarde para o colégio e na volta pegávamos mais uma parte da festa. Geralmente ela fechava a noite brindando com uma cerveja ou vinho, junto com minha mãe, e comentando detalhes do dia. Meu pai sempre adepto da guaraná, a essas horas já estava bem tapado, debaixo das cobertas.

Nessa hora em que ficávamos só nós mulheres, a Kiki e eu corríamos para o quarto dela, para bisbilhotar presente por presente, e comentar coisas sobre as visitas que passaram por lá. Adorávamos aquele ritual de 13 de agosto.

Em 2001 foi a última vez que comemoramos juntos a data. Ela se foi no dia 15 de novembro daquele ano. Obviamente que teria que ser em uma data histórica, já que minha avó não veio ao mundo para pouca coisa.

Era uma mulher linda, brilhante, colorida por dentro e por fora. Alguém com a mesma força do vento que hoje sopra lá fora. Agora começo a entender melhor o porquê da ventania e vou apreciá-la como se fosse um dia de festa. Como se minha avó mandasse esse vento varrer todas as tristezas dessa sexta-feira. Como se ela enviasse um pouco da sua força para nós.

E viva a minha querida Chocho!!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Acumulou!

Existem momentos da vida que o melhor que temos a fazer é esperá-los passar. É como enfrentar a arrebentação daquele mar agitado. Respirar fundo, trancar a respiração e mergulhar, até a próxima onda. E sempre quando achamos que estamos na zona de calmaria, vem àquela mais forte, que nos enche o nariz de água.

As coisas andam assim para o meu lado nas últimas semanas. E eu, que tenho uma saúde de ferro, comecei a bambolear com coisinhas bobas. Primeiro uma mega gripe que durou mais de duas semanas e agora uma série de ondinhas que me deixaram com água nas máquinas.

Sei que tudo tem um fundo emocional, e que muito disso se resolveria com um “pit stop” no box. Mas como o trem não tem parada prevista, o negócio é seguir nos trilhos. Amanhã tenho um evento de trabalho super importante. Daí na noite passada tive uma mega crise de cistite. Foi daquelas de chorar que nem criança. O Nauro saiu pra farmácia de noite e eu fiquei chorando, sentada no banheiro. A Sofia, que é uma figurinha, me disse com o seu ar de sabedoria:

- Mamãe, eu quero te dizer só uma coisa: eu tenho cinco anos, eu sou uma criança, eu não sei dirigir, e não sei como te ajudar. Dá pra parar de chorar?

Com aquela eu tive até que rir. Depois da crise, amainada com um remédio milagroso, veio a segunda parte do drama pré-evento. Esta, mais calma, é na verdade constrangedora. Eu falo daquela situação em que não conseguimos parar de ir ao banheiro, mas não por cistite. Fui clara? Gostaria de poupar os leitores de um desenho, já que se trata de algo que todos passamos um dia, mas preferimos esquecer.

Bom, o resumo da ópera é que escrevo deitada na cama, tomando coca-cola para não desidratar e rezando para que em 24 horas eu possa estar linda e loura, de posse das minhas condições físicas e mentais novamente.

É óbvio que não comentar sobre o frio polar que nos assola aqui no extremo sul do mundo. Vou subtrair na intenção de que meus pensamentos só sigam a rota nordeste desse país que dizem ser tropical.

Ainda não desisti da mega-sena. O roteiro pelo nordeste está detalhado na minha mente, a cada vez que coloco o nariz para fora da porta. Tenho certeza que seria o remédio perfeito para esse acúmulo de afazeres, dores e mal-humores que me vejo cercada. E quero aproveitar para lembrar aos amigos-leitores que escreveram dizendo que também estarei na lista deles, que não deixem de jogar.

Ah eu vi que acumulou!!!

domingo, 1 de agosto de 2010

Meu infinito particular

Sempre gostei de ler e escrever, mas quando descobri que isso poderia ser profissão, larguei três anos e meio do curso de Educação Física e me atirei no jornalismo. Eu tinha na época 21 anos e antes de dar um passo para dentro desse universo resolvi pisar o mundo.

Trabalhei durante um ano inteiro com o único objetivo de juntar dinheiro. Quando se é jovem, e papai e mamãe pagam as contas da casa, transformar sonhos em realidade está diretamente ligado a uma boa logística. Tudo é mais fácil. E foi assim que embarquei em um avião rumo ao Canadá, levando na mala poucas roupas, nenhum dinheiro e muitos sonhos.

A estratégia era simples, já que minha Dinda estava fazendo mestrado na Universidade de Manitoba, em Winnipeg. Eu estudaria inglês por um ano, fazendo bicos por lá, e juntando dinheiro para depois sair mundo a fora.

Aos 22 anos, depois de vencida a fase “the book is on the table”, peguei os dólares canadenses que tinha juntado e comprei uma passagem para Espanha. Com a companhia de minha mochila desbravei quatro países e muitos encantos. Depois de pisar o mundo com a sola do meu All Star, descobri meu mundo particular. Trouxe na bagagem a certeza de que eu queria contar a vida de alguma forma.

Mas a trajetória entre o que eu queria e o que eu sou hoje foi longa. Andei por vários terrenos, alguns não tão românticos, como a assessoria de imprensa política. Mas mesmo os mais assépticos, contribuíram de alguma forma para formar a profissional que sou hoje.

Eu achava que tudo estava bem, até me dar conta de que eu escrevia diariamente sobre coisas externas. Informava, detalhava, salientava, mas não me olhava. E foi aí que no final do ano passado meu marido amado me chamou para um papo cabeça. Ele, que me conhece do avesso, sabia que muito mais importante do que uma terapia, a solução para minhas angústias do momento seria um espaço só meu. Se o que gosto de fazer é escrever, porque não fazer desse momento um blog. Foi aí que surgiu o Adoro Melancia, meu divã-virtual.

Aos poucos fui abrindo as portas do meu infinito particular, e traduzindo com amigos e anônimos o melhor e pior de mim, como diria Marisa Monte. Hoje a certeza que tenho é de que não viveria sem esse tempo, em que o mundo para por alguns instantes e olhando para uma folha branca no computador, deixo as palavras me dizerem um pouco de mim.

Quando termino de escrever, é como se alguma coisa tivesse sido passada a limpo na minha alma. É como a sensação que tenho quando dou a primeira mordida na suculenta fatia de melancia. Uma mistura de sensações, saudades, sentimentos e prazer.

Esse é o sabor do meu infinito particular!
=========================


Infinito Particular
Marisa Monte

Eis o melhor e o pior de mim
O meu termômetro, o meu quilate
Vem, cara, me retrate
Não é impossível
Eu não sou difícil de ler
Faça sua parte
Eu sou daqui, eu não sou de Marte
Vem, cara, me repara
Não vê, tá na cara, sou porta bandeira de mim
Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular
Em alguns instantes
Sou pequenina e também gigante
Vem, cara, se declara
O mundo é portátil
Pra quem não tem nada a esconder
Olha minha cara
É só mistério, não tem segredo
Vem cá, não tenha medo
A água é potável
Daqui você pode beber
Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular

*para ouvir a música clique AQUI.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Carente de gentileza




Andei com um problema de coluna nos últimos dias. Isso me acontece vez que outra, e o motivo é meio que uma metáfora. Sempre que me incomodo demais, fico empenada. É como se carregasse um “peso nas costas”, literalmente. Neste último episódio dois eventos consecutivos me nocautearam.

Seriam coisas corriqueiras, se eu não estivesse cansada, estressada e esperando umas férias que acabaram não acontecendo. O produto final deste kit veio acompanhado de uma frente fria de lascar e muita chuva nas bandas de Satolep.

Então fiquei uns quatro dias que respirava e doia, com uma coleira “linda” no pescoço e aquela angústia entalada no peito. Eu sou assim. Preciso digerir as coisas que não caem bem. Mas muitas vezes, não tem sonsrisal que resolva. E dessa vez me enrolei um pouco mais do que o normal para ficar zerada.

Mas o dia hoje amanheceu com um rico sol. Acordei sem dor e me encorajei a sair da toca. Confesso que também animada pela trupe de visitantes que estão hospedados aqui em casa. Isso inclui minha irmã e meus dois sobrinhos, além da Sofia e toda sua energia de férias. Tomei um banho e coloquei um vestidinho para curar de vez o mau agouro.

Estou pronta para próxima, mas não sem antes fazer o meu protesto público.

O começo dessa dor eu não sei dizer ao certo, mas nos últimos tempos a falta de gentileza no cotidiano tem me deixado incomodada. Seja nas relações com amigos, vizinhos ou clientes. Diariamente tenho contato direto com muitas pessoas. Algumas delas primam pela falta desta característica que tanto admiro, a gentileza.
Ser amável está dentro da gente. No olhar, na forma de abraçar, no jeito de dizer "sim" e "ñão". Não importa se temos que dizer coisas mais duras, mas se a forma de expressão for delicada, tudo fica mais fácil. Isso a gente trás de casa. Da infância. Dos abaraços e sorrisos que demos e recebemos.

E nas duas últimas semanas passei por situações com gente que é econômico em todos estes sentimentos. Pode-se dizer que são sovinas de afeto!!!

Sabe aquele tipo que te escreve o primeiro mail da manhã sem dizer “oi”, “bom dia”, ou mesmo citar o teu nome. É gente que simplesmente demanda o que quer e ainda coloca um “att” no final. Também enfrentei aquele tipo que se aproxima do nosso convívio familiar e no final desse sequestro sentimental, só quer a sua parte em dinheiro.

Socorro, quanto calor humano!

Pode ser que o mundo moderno e seu tempo escasso exijam rapidez na comunicação, ok. Mas para mim as palavrinhas mágicas que aprendi na infância sempre irão abrir as portas do mundo. A verdade é que tenho encontrado essa vertente dos poucos gentis demais no meu dia a dia, e não consigo relaxar. Fico indignada, pensando em como pode uma pessoa ter prazer em ser fria, distante, seca.

Ando sentindo falta de sorrisos anônimos nos elevadores. De pessoas perguntando se vai chover nas esquinas. De puxar aquele assunto sem pé, nem cabeça, só pra distrair. Parece que as pessoas passam pelas outras e não se enxergam mais.

Eu acho lindo devolver o prato que vizinho emprestou, com um bolo quentinho, recém saído do forno. Adoro levar um pacote de bolachinha para secretária do médico, que está toda tarde naquela mesma cadeira, esquentando os pés numa estufa antiguinha. Adoro surpreender e ser surpreendida, com carinhos cotidianos que deixam a vida mais colorida.

Tenho certeza de que a minha coluna está se recuperando, mas fica aqui a minha saudade da gentileza.

Acho que o mundo anda um pouco carente de gente como o saudoso profeta Gentileza!
Houve um homem enviado ao Rio por Deus. Seu nome era José da Trino, chamado de Profeta Gentileza (1917-1996). Por mais de vinte anos circulava pela cidade com sua bata branca cheia de apliques e com seu estandarte, pregava nas praças e colocava-se nas barcas entre Rio e Niterói anunciando sem cansar:”Gentileza gera Gentileza”. Só com Gentileza, dizia, superamos a violência que se deriva do “capeta-capital”. Inscreveu seus ensinamentos ligados à gentileza em 55 pilastras do viaduto do Caju, à entrada da cidade, recuperados sob a orientação do Prof. Leonardo Guelman que lhe dedicou um rigoroso trabalho acadêmico, acompanhado de video e um belíssimo um CD-ROM com o título Universo Gentileza: a gênese de um mito contemporâneo
.
Leonardo Boff

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Razão e sensibilidade

Não li o livro Sense and Sensibility, só assisti ao filme há alguns anos. Mas a história da familia Dashwood, baseada nas emoções das suas mulheres, tem me rondado ultimamente. Ando numa fase de dúvidas, angústias e lágrimas. Não me pergunte o porquê, já que os 40 já chegaram, a menopausa está longe e o casamento vai bem.

Para se ter uma ideia, na segunda-feira a noite assisti a um filme super legal, que contava a história real de um cachorro akita e a lealdade pelo seu dono. Depois da morte inesperada do homem, o cachorro permanece na estação de trem, aguardando a sua volta, por dez anos. Até que morre de velho. O filme era lindo, e quando acabou e eu não conseguia para de chorar. Era uma coisa impressionante. O fiasco foi tão grande, que lá pelas tantas surge a Sofia do quarto, com um desenho em punho, e diz:

- Tem alguém chorando aqui?!!

E das mãozinhas escondidas nas costas surge um rico desenho feito por ela, como consolo para uma mamãe descontrolada, que soluçava em frente à lareira. Imaginem a cena. A filha consolando a mãe, sem entender nada. Ou talvez entendendo tudo.

Depois de lavar a alma comecei uma longa conversa com o Nauro. Sobre a vida, sonhos, desejos, e principalmente a relação entre razão e sensibilidade. Sempre tive essa tal da sensibilidade super aguçada. Mas com o passar dos anos, percebi que dependendo do vento, isso pode ser bom ou ruim.

Essa parte do meu ser que me faz ver as coisas com mais encanto, cor, romantismo, também me abre feridas. Acontece que coisas que não tem nada a ver com a minha vida, me afetam. Sofro por antecipação e até por aproximação. Se abro a página inicial do meu computador e salta uma tragédia familiar, já me dá aquela sensação estranha. Ontem por exemplo passei o dia pensando na Cissa Guimarães. Ela, assim como centenas de milhares de mães no mundo, ficou órfão repentinamente. Acontece a toda hora, eu sei. Mas nada disso impediu que eu ficasse a tarde toda com uma sensação de tristeza alheia.

Estranho isso, eu sei. Melhor se fosse a tal da vergonha alheia. Mas a coisa anda assim nestes dias cinzas de inverno. Nostalgia na veia. Pensamentos vagando meio sem razão, mas permeados de uma tal de sensibilidade.

Espero ter assuntos melhores em breve. Enquanto isso, aguardo ansiosamente por um dia de sol.
Já é um bom começo...

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Sotaque francês

Foto: Divulgação_GNT


Há alguns meses meu marido está vivendo um momento Carla Bruni total. Primeiro passava buscando no youtube todas as versões possíveis das interpretações da musa francesa. Até que um belo dia chegou flutuando em casa, com o CD do carro no volume máximo. Tinha comprado todos os discos lançados pela cantora e respirava música francesa.

Quando nos conhecemos a sua única e intocável musa era a Luiza Brunet. A gente brincava com isso, sempre que via algum editorial da ex-garota Dijon. Até comprei algumas revistas de presente, respeitando o bom gosto dele. Afinal de contas, é até uma honra ter um marido babando pela modelo mais completa que esse Brasil já viu.

Mas quando surgiu a Carla Bruni, senti que ele ficou dividido. Aquela voz macia, cantando em francês, era covardia. Além de linda, chiquérrima, inteligente, cheia de personalidade, talentosa, a mulher nasceu em um castelo e pra completar é primeira-dama da França. O que mais poderia compor esse kit perfeição?!

Bueno, não sou ciumenta, mas confesso que já estava ficando repunada daquele refrão:

Pourtant quelqu'un m'a dit
Que tu m'aimais encore,
C'est quelqu'un qui m'a dit que tu m'aimais encore.
Serais ce possible alors ?

Até que dia desses, quando estava matando a saudade do colinha de mãe (vide “Colinho bom”) descobri a pólvora. Zapeando com o controle remoto pela TV a cabo, me deparei com uma boa surpresa. Nada mais, nada menos, do que o charmoséssimo Olivier Anquier em um programa fantástico. Se chama “Diário do Olivier” (GNT) e tem um fusquinha como logo, o que já me encantou.

Para completar, naquele episódio, ele visitava com a filha Júlia o Vale de Loire. O lugar é de sonhos, dos mais lindos da França e como não poderia ser diferente, lugar onde vivia a família paterna do bonitão. Mas a emoção do meu encontro televisivo não para por aí.

A bordo de uma motocicleta, Olivier leva a filha para conhecer Lhuynes, última cidade em que o pai dele moro. Os dois sobem uma ladeira com um lindo vaso de flores na mão, conversando. Ele dizendo para Júlia que o avô vai gostar de vê-la, comenta que os dois têm muito em comum. A nossa sensação ao assistir o programa, é de que vai acontecer o encontro de avô e neta. Ele diz:

- Seu avô vai ficar feliz com essa visita, faz tempo que eu não venho.

Nesse momento aparece um lindo cemitério, aos pés de um Castelo Medieval, e os dois caminham até o túmulo do pai dele. A cena é de chorar. O carinho e a naturalidade conversando com o pai, e a emoção da guria, são sentimentos tão puros, que contagiam. Ela sugere plantar a flor ali, para que o avô aprecie sempre o aroma daquele presente. Os dois cavam um buraco e deixam ali uma singela e colorida prova dos laços de amor que transcendem o tempo.

Depois disso a viagem segue, e Olivier mostra o rio em que pescava com o pai quando tinha doze anos. Tudo isso mesclado com informações interessantes sobre a geografia e história do local. A viagem termina com os dois visitando uma caverna e ensinando a receita secular da pêra batida (Poire tapée), o método mais antigo de conservação da fruta. O programa acaba e eu fico inebriada com a descoberta que acabo de fazer.

Lindo, sensível, bom pai e ainda cozinha que é uma loucura. Eu tenho certeza de que meu amor não vai ficar com ciúmes. Agora não tenho dúvidas de que um pouquinho de sotaque francês na nossa vida faz um bem danado.

E não é que o Nauro tinha razão.

Vive La France!

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Colinho bom

Passei todo dia hoje com cólicas, sintomas de gripe e uma dor de cabeça daquelas que tiram a gente do eixo. Pra completar esse literal quadro da dor, dormi mal, acordei cedo, e fui para um compromisso de trabalho que exigia disposição e muita atenção. Tudo que eu não tinha!

O resumo dessa ópera foi que às 11h da manhã eu estava com cara de final do dia. Fiz as contas de quanto tempo faltava para chegar a hora de ir para minha caminha, e vi que o remédio era ligar no piloto automático e seguir o dia guiado pelo GPS.

Parece mentira, mas quando a gente não está se sentindo bem fisicamente aparece mais trabalho do que o previsto. O telefone toca mais alto e com uma freqüência inversamente proporcional à nossa paciência.

Elemento decisivo para definir o cenário da situação, é dizer que o frio continua galopante e voraz aqui nas bandas do sul. Meus pés gelados não davam conta das três meias que ilusoriamente calcei hoje cedo.

A única coisa amena nessa tarde de martírio era o calor da botija de água quente que me acompanhou fielmente, com a intenção de driblar as tais cólicas menstruais - que no meu caso são violentas desde a adolescência.

Quando o relógio bateu às 18h, me dei conta de que ainda faltava metade do trabalho para acabar. Vi também que tinha que buscar a Sofia no colégio e estava sem o carro, já que o Nauro havia precisado mais cedo e tinha ficado de me pegar a tardinha. Os poucos neurônios que ainda faziam sinapse me aconselharam a ligar para mãe e pedir a ela que buscasse a Sofia.

Com isso ganhei tempo e trabalhei mais um pouco, até o marido e o carro finalmente aparecerem. Ele chegou apressado e já me deu a barbada:

- Tenho pauta essa noite, vamos fazer um caderno de gastronomia e devo voltar tarde.

Socorro! Eu nesse estado e a Sofia chegando em casa cheia de gás para brincar até a hora de dormir. Não tive espaço nem pra sentir culpa, só pensei em uma alternativa para sanar aquele mal estar ao quadrado, já que a estas alturas tinha a testa franzida de tanta enxaqueca. Foi aí que minha porção filha falou mais alto e disse pro Nauro:

- Vou fazer uma malinha e dormir com a Sofia lá na casa da mãe, ta certo?

Ele olhou com cara de “tudo bem” e eu nem perguntei de novo. Soquei meia dúzia de coisas em uma sacola e me enfiei no carro, que nem criança, antes que ele mudasse de ideia.

Chegamos na mãe e ele já foi anunciando o diagnóstico da situação:

- A Gabi passou o dia mal e tá precisando de um colinho de mãe!

A mimosa da minha progenitora abriu aquele sorriso, que só as mães sabem dar aos filhos. Em poucos minutos eu estava deitada na cama dos meus pais, com o lençol elétrico ligado, um controle remoto na mão e todos os mimos possíveis na volta.

A mãe passou um café quentinho pra mim, fez uma pizza de queijo para Sofia e o pai deu o tom do papo do jantar. Colocamos a conversa em dia, e enquanto a gente conversava minha cabeça pensava no quanto era bom estar ali. Aquele era sim um instante mágico!

A roda pode girar, nossos filhos crescerem, os cabelos brancos aparecerem, mas o colo de pai e mãe sempre vai ser o melhor lugar do mundo. Mesmo quem já não tem mais esse colo físico, sabe que tem alguma força maior por perto quando a coisa fica feia.

E é nesse colinho que estou agora, encerrando essa quinta-feira estranha, que começou torta e fria, mas acabou cheia de calor e gratidão. Colinho de pai e mãe sempre vai ter sabor de aconchego.

E bola pra frente porque amanhã é sexta-feira. Obaaaaaaa!!!

terça-feira, 13 de julho de 2010

Frio e mega-sena

Foto: Nauro Júnior


Uma vez ouvi uma entrevista da Marília Gabriela onde ela contava que adorava o frio. Que mesmo no inverno sempre terminava o banho com uma ducha de água fria para manter o viço da pele.

Lembrei dela hoje de manhã enquanto me digladiava com alguns pingos de água morna, tentando tirar o sabão do corpo antes de morrer de hipotermia.

Inclusive pensei na hora, que se eu soubesse o celular da Marília Gabriela ligava pra ela e convidava para colocar em prática a sua técnica de longevidade. Mas tinha que ser hoje, e no meu banheiro. Ah, e ainda por cima tinha que sair com cara de “linda” do box. E pior, terminar de se secar e se vestir com um sorriso lânguido no rosto.

Ah Marília Gabriela, acho que se tu morasses aqui no sul irias rever teus conceitos estéticos.

Esse foi o pensamento mais gentil que tive nesta manhã fria. Os outros são impublicáveis aqui neste blog de gente educada. A verdade é que esse pessoal do sudeste acha que o inverno deles é frio. Adoram comprar uma manta fashion pra usar com uma camiseta de algodão. Ou então colocar um casacão por cima de um vestidinho de crepe, e juram que estão enroupados. Eles juram que inverno é sinônimo de estilo, requinte, charme.

Ora poupe-me!

E tem ainda aquele povo que acha que no inverno a gente fica mais elegante. Eu sinceramente nunca consegui. Além de sofrer com a tal da rinite, ficar com o nariz vermelho que nem palhaço, acho que aquelas olheiras na pele esbranquiçada não favorecem nem a Mortiça, da família Adams. Mas de qualquer forma, respeito a opinião alheia.

A outra desculpa boa é aquela de que no inverno os programas são mais românticos.

Aqui a minha caixinha de ideias está praticamente estagnada. Quando chegamos em casa acendemos a lareira e conseguimos resistir por uma hora, duas no máximo. Depois só o quarto com o ar condicionado nos 30 graus e muito edredon para sobreviver. Isso sem falar que com a temperatura dessa madrugada dormi com pijama e ceroula, a coisa mais “elegante” que o mundo fashion já viu. Imagina o sex appeal!

Eu posso ser uma pessoa sensata, aberta a novos argumentos, mas se tem uma coisa que ninguém no mundo vai me convencer é que inverno é bom. A tirar pelo meu mau humor nesse post já deu pra perceber né?

Mas tudo bem, enquanto o Minuano e sua fúria congelante batem na porta, eu viajo na internet pelos resorts do nordeste, imaginando que a qualquer momento eu vou ganhar na Mega-Sena e chutar o balde. Fretar um avião e levar todos os amigos queridos que amam o verão e odeiam o inverno para um daqueles paraísos. Só vamos voltar depois que a primavera der seus ares coloridos. E ainda por cima, vamos aportar com aquela pele dourada, alma lavada pela água salgada e espírito refeito pela brisa do mar.

Que delícia. Já me animei a seguir minha jornada de picolé dessa tarde de terça-feira. Enquanto o sorteio da mega-sena não acontece, vamos nos divertindo imaginando tudo de maravilhoso que o paraíso terá. Quem se habilita a entrar nessa lista de amigos?

Olha que o último sorteio saiu para um apostador sozinho. O que será que ele fez com 20 milhões hein?
Poxa vida, e esse cara não era meu amigo!!!

domingo, 11 de julho de 2010

Um lar

Foto: Nauro Júnior


Eu nasci em uma casa que mais parecia um museu. Foi construída em 1810, tinha 33 cômodos, paredes espessas e salas que exalavam uma mistura de mofo com história. Em meio a tantos objetos históricos tínhamos o nosso mundo, com todos os elementos de qualquer morada. Durante três décadas aquela casa que virou cenário de minissérie foi de fato um lar.

Uma vez, em 1998, quando fui morar por um período em Florianópolis, uma prima querida me disse uma frase na despedida:

“Gabi, uma casa pode levar um tempo até ser realmente um lar”.

No auge dos meus vinte e tantos anos, não me detive na essência daquela frase com a profundidade que contém. Hoje, mais de uma década depois, compreendo cada sílaba daquela oração composta por carinho e premonição. À caminho da ilha da magia, eu não imaginava que levaria tempo até achar de fato o meu lar.

Acho que um lar é aquele lugar que mesmo se passando uma semana no resort mais desejado do caderno de viagem, no oitavo dia só pensamos no gosto do café que só a nossa cafeteira faz. É aquele aconchego no dia cinza, que só o nosso edredon consegue proporcionar. Mais do que isso, um lar é aquele espaço físico que nos dá a mesma sensação de segurança que a cama dos pais transmitia nas noites de temporal da infância.

E nesse final de semana de céu azul, me peguei admirando o meu lar e pensando no quanto caminhamos na para chegar até aqui.

Cada objeto traduz muito de nossa história. No mosaico dos ladrilhos hidráulicos da cozinha, diferentes formas que juntas tem harmonia. Assim como nosso modo de ser e ver a vida. São os contrários complementares. E assim são os lares que vejo por aí.

Na semana passada fomos à Jaguarão e conheci a casa da querida amiga Neca. Foi uma tarde muito especial. Com a força de uma leoa, ela mostrou cada pedacinho daquele lugar, que sem dúvida é um grande lar. Cada peça apresentada com carinho, tinha alguma referência simbólica. Era como um retrato dos moradores daquele local.

Isso faz de uma casa um lar. E assim são os lugares mais especiais que conheci na vida.

Lembro também de casas que visitei, extremamente bem decoradas. Daquelas que se vê em revistas e que temos vontade de nos teletransportar na hora, imaginado que a felicidade mora ali. Em muitas dessas casas, não vi a cara de seus donos. As marcas de suas vidas não estava nos bem desenhados móveis sob medida.

A verdade é que a minha prima Andréa tinha razão.

Pode demorar um tempo para se achar um lar de verdade. Mas o que realmente importa, é no dia que encontrarmos esse lugar, depositarmos ali nossos sonhos e desejarmos do fundo da alma que a segunda-feira demore a chegar!