sábado, 25 de fevereiro de 2012

Relicário de verão

Meu horário de verão acaba de acabar. Estou de volta. Abrindo aos poucos as janelas da alma. Espiando por debaixo da poeira essa pessoas que quero conhecer melhor.

Sim, eu mesma!

Pois é, sumi do mapa. Deixei o blog às moscas.

Optei por ficar em órbita, sem nada a declarar. Sem olhar pra dentro. Mas são coisas do verão, que tudo pode. Estação das sensações mais coloridas.

Tempo onde a dor fica mais abafada. A saudade mais ventilada. A alegria estampada.

Sinto isso desde os verões da minha infância. Naquele tempo onde a única preocupação era se poderíamos tomar banho de arroio depois do almoço.

E melancia com uva, pode?

Lembro que o ano letivo terminava no começo de dezembro. Depois das festas familiares minha nave partia para o espaço sideral. Rumo ao mundo encantado dos dias ensolarados.

O tempo tinha uma dimensão maravilhosa. Longos meses nos separavam do passado e do futuro. Era como se a vida abrisse uma lacuna, e naquele período só coisas boas aconteciam.

Não tenho uma memória de tristeza dos verões da minha infância.

Nossa casa, de pé direito alto, era sempre fresquinha. As janelas de tela abertas, o postigo azul reservado para hora da sesta.

Pés descalços, cabelo enredado, pele dourada. Os quartos de hóspedes recebiam seus habitantes, a casa passava a pulsar de gente.

A Charqueada São João deixava se der a nossa casa e virava o ponto de veraneio de muita gente.

Mas isso não me incomodava, eu tinha meu mundo. Brincava de subir nas árvores com a Mimi. Quebrar coquinho, barquinho com palha de bambu, amarelinha.

Corríamos o dia todo. Horário de verão não existia. Os dias pareciam ter as horas precisas para serem inesquecíveis.

Mergulhada no arroio, a melancia aguardava pacientemente sua hora de ser devorada. Rosto melado, metralhadora de sementes, barriga estufada. Depois: banho de arroio de novo. O ciclo se repetia.

São tantas lembranças boas. Um planeta especial, com infância e charqueada.

Pescaria de lambari, passeio de lancha, pic-nic nas areias, picolé na padaria, noite de histórias assustadoras, jogo de War no salão, guerra de bexiguinha...

E foi dando uma pausa nesses dois últimos meses, que olhei para esse passado com mais calma.

Lavei e sequei cada uma dessas boas lembranças. Tomamos banho de arroio. De cano. De chuva.

Depois dobrei cuidadosamente as lembranças do passado. Coloquei nas gavetas da minha alma. Saudade boa, sem dor.

Resolvi olhar para frente. Construir com carinho o relicário desse verão. Nós os três. Na nossa palafita. Nesse planeta que hoje habitamos.

Um planeta diferente daquele da infância. Na mesma galáxia. Mas em um universo que cabem todos os relicários de verão.

Os que foram e os que virão!