segunda-feira, 19 de maio de 2014

Metáforas da vida


Em 2010 eu contei aqui sobre o acompanhamento que a Sofia faz com um pneumologista que estuda o caso dela desde bebê. No post “Não tem preço” eu relatei uma de nossas idas à capital.

Mas agora quero relembrar um episódio marcante, de uma das consultas. Algo que hoje me faz pensar nas metáforas da vida.

Depois de dezenas de exames, dos mais complexos, o médico veio para aquele papo-sentença. Daria por fim o diagnóstico do pós-UTI. Como ficou o pulmão afetado e como seria a vida dela dali pra frente.

Com aquele semblante sério, que me fazia suar frio, ele começou a relatar suas conclusões. O resumo da ópera era que o pulmão direito não irrigava nada de sangue. Em resumo, não tinha função respiratória.

Nosso saldo então era o pulmão esquerdo funcionando e a expectativa do que faríamos com o direito: tirá-lo ou não, era a questão!

Ele e nosso pediatra daqui, que acompanhou a Sofia desde o primeiro olhar fora da barriga, concordavam em deixar o órgão e ver a “evolução” dela ao longo dos tempos.

Mas ao final daquela conversa tensa, eu munida de bloquinho e caneta, fui direto para as perguntas.

- Mas Dr. Fischer, então ela nunca vai poder praticar esportes?

Com aquela certeza científica, ele me mirou firme e disse:

- Gabriela, é importante vocês terem noção das limitações dela. Não adianta investirem em esporte porque ela nunca será uma atleta olímpica!

Eu com aquele atrevimento das mães que acreditam em milagres, larguei de sopetão:

- Mas que eu saiba Doutor, existem as Olimpíadas de Xadrez, ou não?

Voltamos ao nosso mundo e o que aconteceu depois disso todo mundo sabe. Ela rompeu todas as expectativas. Cresceu, mesmo usando um medicamento que inibia o crescimento, brincou e pulou com toda energia, como se tivesse três pulmões.

Passeou pelas aulas de judô, mas não se agradou. Mesmo assim os agitos físicos dela sempre me traziam preocupação. Receio de que exagerasse na dose, que se machucasse, enfim, tudo podia acontecer.

Até que um dia ela se encantou com o jeito sereno do professor de xadrez. Chegou em casa animada com as aulas e pediu  para entrar nas Vivências Esportivas. São aulas extras que acontecem duas vezes por semana na escola, pós horário normal.

O entusiasmo e o brilho nos olhos me fascinavam. Ela descobria um novo universo e se sentia em casa com as estratégias do jogo. Para minha surpresa, quis participar de um torneio, no ano passado, o Campeonato Estadual de Xadrez.

Estimulamos a ideia, mas juro que não tinha expectativas. Passei o dia envolvida com o trabalho e cheguei na escola quase na hora da premiação.

Quando escuto a categoria oito anos e vejo o “profi” chamá-la para receber a medalha de terceiro lugar não resisti. Um misto de surpresa e significados me invadiu. Voltei no tempo e na conversa com Dr. Fischer.

A soma de nossas escolhas faz toda diferença. Ao longo dessa estrada tenho certeza de que movemos os peões certos para chegar até aqui. Foram muitos invernos duros, fisioterapias, remédios e a dúvida se estávamos dando os passos certos.

Por isso aquela medalha exposta no espelho do quarto dela guarda tantos sentidos. O maior de todos é que nessa metáfora da vida, temos certeza de que a Sofia deu cheque-mate nas dificuldades do caminho.

A verdade é que a gente nunca sabe a próxima jogada, mas a intuição faz toda a diferença.

E que siga o jogo!



quinta-feira, 8 de maio de 2014

Eu tenho a força!





No mês passado, enquanto fazia o bendito clipping de todas as manhãs, uma imagem me segurou na página do jornal Diário de Santa Maria.

Era a história da pequena Alícia, de oito anos. No alto de sua infância, ela havia doado o cabelo para as crianças com câncer.
A iniciativa dessa pequena fada surgiu quando ela escutou um diálogo que a tocou. A conversa era entre duas amigas, no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM). Uma disse que a outra estava "feia" porque tinha o cabelo raspado por conta do câncer.

Alicia prontamente avisou à mãe que queria doar seu longo cabelo. A mãe de início não levou a sério. Tamanha insistência da menina fez com que a mãe desvendasse os caminhos.

Essa fábula do mundo real mexeu comigo. Desde então a ideia não saiu mais da cabeça.

Me parei a pensar no que acontece todo final de ano. Com a chegada do Natal nos imbuímos de uma comoção estranha.

Sentimos um impulso incontido de ajudar, doar, repartir. Mas e no resto do ano. Por que nossa comoção tem data marcada?

Qual a distância entre a minha vida e a do outro? O que realmente é da minha conta?

Essa mistura de interrogações rondou a minha cabeça por um tempo. Até que me olhei no espelho, com a trança embutida bem ajeitada e pensei: e eu, estou esperando o que para fazer alguma coisa.

Por que não doar o meu cabelo?

Cabelo é uma coisa permeada de simbolismos. Não sei que tipo de apego a gente desenvolve com ele, mas a verdade é a coisa é milenar.

Desde os tempos bíblicos de Sansão, que tinha a força nos cabelos, até Rapunzel do imaginário infantil.

Enquanto eu avaliava essa vontade contida, pensei sobre o assunto em voz alta. Nesse instante a Sofia ouviu e de salto disse:

- Mamãe, eu quero doar o meu também!

Pronto, agora não tem mais jeito. Aquele gesto espontâneo foi o estímulo que faltava. Marcamos dia e hora para o feito.

Hoje acordamos animadas, dispostas a realizar esse desejo.

Eu tive cabelo comprido toda vida. Nunca usei um curtinho. Nem quando tive piolho. Quando sentei na cadeira me deu um nervosismo estranho. Uma ansiedade misturada com emoção.

Depois da tesourada fatídica veio a sensação libertadora. Não sei explicar quantos medos escoaram pelo ralo naquele instante.

Enquanto isso, na cadeira ao lado, eu escutava os comentários da Sofia, enquanto o Nauro registrava tudo.

Em altos papos com o Nilton, vibrava a cada tufo de cabelo que era cuidadosamente separado. Super bem resolvida em relação à decisão.

Aos oito anos de idade as meninas querem mais é ter cabelos longos, como as princesas das fábulas. Mas minha sorridente companheira estava realizada com seu novo corte chanel.

A verdade é que o dia de hoje foi marcante para nós.
Ganhei o melhor presente de Dia das Mães do mundo. Ela me deu a coragem de cortar.

Amanhã, depois de secos os cabelos serão enviados pelo correio para o Instituto de Câncer do RS. Desejo que as cabecinhas que receberem nosso cabelo sintam todo carinho que vai nesse gesto.

Nossas boas energias estarão em cada fio de cabelo. E o desejo de que cada criança tenha o seu final feliz!


P.S.: Quem tiver vontade de fazer o mesmo, aí vai a dica:

O cabelo pode ser enviado pelo correio pro Instituto do Câncer do RS (ICI), aos cuidados de Taise (Comunicação).

Endereço:
Rua Francisco Ferrer, 276
Bairro Rio Branco
Porto Alegre/RS
CEP: 90.420-140










Fotos: Nauro Júnior

sexta-feira, 25 de abril de 2014

O guardanapo do Aquários


Coração palpitante, brilho nos olhos e vontade de ser feliz. O namoro estava começando, mas a sintonia era tanta que exigia testamento.

Naquela tarde morna de outono separamos dois guardanapos de papel do suporte metálico que repousava na mesa do Café Aquários.

O primeiro foi divido em dois pedaços.

Cada nesga do papel fino, virou uma aliança. O círculo enrolado à mão sacramentou a promessa: a vida é breve demais para não ser especial e intensa.

Aquele ato simbólico, testemunhado pelas garçonetes, em meio ao aroma de café, celebrou nossa união.

No segundo papel separado sobre a mesa, a caneta esferográfica desenhou nossos sonhos. Uma lista pequena, simples, mas cheia de significados.

Abaixo do item “construir nossa casa” estava “fazer faculdade”. Sim, o menino de olhos curiosos, que assinou carteira de trabalho aos 12 anos como sapateiro no Vale dos Sinos, tinha esse sonho.

Guardado às sete chaves. Imerso na sua caixa de Pandora.

Começamos a vida à dois e aos poucos os itens da lista foram sendo riscados. Até que um dia eu questionei quando ele se atiraria no mundo acadêmico.

A resposta veio em um rompante, como são todos os arroubos de ideias desse cara singular:

- Quem sabe agora!?

No dia seguinte era o último dia de inscrição do vestibular. Era também a data de uma palestra que ele daria para os alunos de arquitetura do ILA.

Meia hora antes do horário do banco fechar, levantei discretamente no auditório, fui no ouvido dele e disse que iria lá fazer a inscrição para o vestibular. Ele me olhou e balbuciou de longe:

- Para História, né?

Eu acenei que sim e sai ventando para a agência do Banco do Brasil. Naquela fila imensa e lenta me parei a pensar na vida.

Com o manual do candidato em mãos, folhei as páginas e viajei nas possibilidades. Um mundo de caminhos distintos naquelas páginas esverdeadas.

Quando chegou minha vez o caixa perguntou o código do curso. Pensei...entre rememorar fatos históricos e desvendar os mistérios do pensamento...filosofia!

A partir de então, o mundo das imagens era também o dos pensamentos. E vice-versa.

Foi um desafio do tamanho do mundo. Quem acompanhou de perto sabe a dureza de cada uma das etapas.

Textos densos, rotina estafante, pautas do jornal misturadas aos viajantes do saber.

Tudo isso em noites frias, onde o silêncio era rasgado pelo ronco do Fusca azul. A rota "Porto-Areal Fundos" era infinita. Insana. Intraduzível!

Foram muitas as dúvidas. Mas se a filosofia é feita de muitas perguntas e os sonhos para serem transmutados: eis a resposta!

A verdade é que a filosofia mudou a nossa vida. Sim, a nossa: Nauro, Gabi e Sofia. Por isso amanhã riscaremos juntos, no Café Aquários, o último desafio do guardanapo.

Seremos seis mãos riscando o papel. Três seres realizando um sonho em comum. E como disse Aristóteles, a coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.

Parabéns meu amor e que venham mais guardanapos na nossa vida!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

As fronteiras e o bolo de fubá

A vida é permeada de fronteiras. Sejam delimitações físicas que sufocam as saudades, ou invisíveis linhas que invadem a intimidade.

Difícil essa arte de saber até onde ir. A opinião construtiva pode desconstruir amizades. O conselho pode julgar em vez de alinhar.

A boa intenção não cabe na invasão.

O universo das relações humanas sempre foi esse quebra-cabeça. Cada peça vai segmentando nosso relicário de afetos. Nunca sabemos ao certo se não ultrapassamos algum sinal.

A sensibilidade de cada um dá as cartas.

E foi depois que reencontrei uma amiga essa semana no shopping que parei para pensar. E como sempre, esse pensamento começou a crescer na minha cabeça, como um bolo de fubá.

Vou contar sobre esse encontro, para saborearmos juntos uma fatia do bolo.

Depois do abraço quentinho, no meio da praça de alimentação, comentei o quanto ela estava bonita.

A beleza sempre fez parte daquele rosto colorido, mas tinha um algo a mais naqueles olhos azuis.

No bate papo inicial ela me contou do novo emprego, da tranqüilidade da sua rotina atual.

Avaliamos os benefícios da reviravolta, do cotidiano longe do jornalismo. Mais do que um maior retorno financeiro, ela encontrou o pote de ouro no final do arco-íris.

Sim, ela agora tem “tempo”!

Esse precioso e revigorante elemento, que muda a vida das pessoas. Um tempo que antes era engolido pela rotina frenética de uma redação. Por notícias que não podiam esperar. Por tragédias que precisavam ser contadas, pela denúncia que saltava.

Enquanto isso o mundo girava e os seus desejos ficavam guardados debaixo da cama. Para amanhã, para depois de amanhã. Para algum dia. Esverdeando, perdendo o viço.

O que os olhos azuis me contaram naquele encontro no shopping incluíam uma nova rotina. Novos ares, mas principalmente a leveza do convívio com o amor incondicional.

O seu novo tempo permitia - entre outras coisas - participar da rotina das terapias especiais da filha.

Uma relação linda, e que agora contava também com acompanhamento intensivo. O tempo dava bem mais que minutos, dava o cordão umbilical. A filha tinha agora sua mão segura, todos os dias e horas.

Como resultado, seu desenvolvimento evolui!

Minha surpresa veio quando ela disse que a decisão de virar a mesa teve influência em uma conversa nossa.

Foi na minha invasão de fronteira que chegou o empurrão que ela precisava. Não lembro exatamente o que eu disse. Mas imagino que tenha sido alguma coisa como:

- Não temos tempo a perder!

Acho que a influência da poesia do Legião Urbana na minha vida foi mais forte do que eu imaginava.

Fiquei emocionada com essa nossa história. Esse encontro não saiu mais da minha cabeça nos últimos dias. Então resolvi escrever.

E agora enquanto as linhas iam surgindo me dei conta do que enxerguei naqueles olhos azuis. Eu vi paz. Esse sentimento tão perseguido, vizinho de porta da felicidade.

Por isso a receita desse meu bolo de fubá inclui o desejo de que nesse mundo sem fronteiras, as nossas palavras sirvam para invadir boas mudanças.

Bom proveito!




sábado, 28 de dezembro de 2013

As palavras



As palavras são parte da minha alma. Compõem o meu ser. Estruturam cada centímetros do corpo. Oxigenam as minhas células.

As que digo, reafirmam o meu amor. Exalam as dores. Reconfiguram minha insensatez.

As que escrevo, dividem minhas angústias. Autenticam meus sonhos. Sinalizam a estrada.

As que leio, me levam a outros mundos. Traduzem indecifráveis certezas. Avançam sobre um território desconhecido. São meu GPS.

Ler é sempre um mergulho. A mesma sensação que a imersão na água me causa. Paz e leveza atemporal!

Escrever é a viagem. Desbravo comigo os caminhos desconhecidos. Revisito a memória. Reviro minhas saudades. E me acho!

 Nesse ano que fecha as portas escrevi bem menos do que gostaria.

As palavras surgiram de outra forma.


O trabalho consumiu o tempo para as divagações. Os livros, a editora, as assessoria. Frutos profissionais foram mais que positivos.

Mas as minhas palavras ficaram em suspenso. Faltou a fatia da melancia gelada.

Deixei o cotidiano avançar sobre meu passeio interno. Senti falta de conversar comigo. De estar mais nesse pedaço virtual tão descortinado e ao mesmo tempo pessoal.

Por isso eu quero que em 2014 uma chuva de palavras inunde o cotidiano.

Que a alma transborde de pensamentos, dizeres, falta de nexo, descobertas, confissões, desejos e o que mais a junção de letras permitir expressar.

Em todos os tempos verbais, que venham as palavras do novo ano. E que não fique para amanhã, o que deve ser escrito hoje.

O que deve ser dito, que seja dito.


Feliz 2014 e suas palavras!

sábado, 22 de junho de 2013

Desejos mágicos


Quando eu era pequena, ficava imaginando que um gênio da lâmpada iria vir perguntar qual poder mágico eu gostaria de ter.

Tive essa ideia por volta dos seis anos e minha resposta imediata ao homem da garrafinha seria o poder da invisibilidade. Queria poder estar nos lugares, sem ser vista. Nas conversas de adultos, aprontar qualquer coisa e jamais ser descoberta.

Lá pelos nove anos, minha urgência era ver o mundo além das fronteiras da Charqueada. Ansiosamente, a mágica seria de voar pelos céus. Levitando nas nuvens, eu dançaria lá em cima, olhando bem de perto as cores do arco-íris.

A adolescência me fez parar de pensar em coisas de criança. Mas lá no fundinho eu sonhava com um pozinho mágico que me faria a guria mais encantadora do recreio do colégio.

Imagina que falta de originalidade. Típico da idade!

Aos 20 eu queria tocar o mundo com meus pés e não esperei pelo gênio. Peguei minha mochila e tomei o rumo além do Atlântico. Esqueci de vez a brincadeira dos desejos mágicos. Me achava a pragmática, super decidida.

A vida rolou no seu ritmo e aquela ideia se perdeu nos anos seguintes. Até hoje pela manhã.

Dia 22 de junho passou a ser uma data marcante na minha vida. Há dois anos meu pai se foi apressado. Sem despedidas, nem avisos. Evaporou do nosso convívio.

Estranho demais essa tal de morte.

Viver o fluxo da vida sem esse cara que me deu tantas características suas, não foi tão simples assim.

Aos poucos compreendemos, mas nunca nos adaptamos.

E hoje, quando cheguei em casa, me ocorreu essa lembrança. Sentada no trapiche, nessa manhã ensolarada, lembrei do gênio.

Foi lá, olhando para aquela água prateada. Na beira do arroio onde ele pediu para “morar”, onde estão suas cinzas. Me veio na mente aquele gênio!

De imediato recordei as tantas ideias que tive ao longo de cada idade. Afinal de contas, tive uma relação estreita com o esse ser imaginário. Trocamos confidências nunca antes reveladas.

E foi aí que decidi fazer um pedido. Mesmo passando dos 40, achei que o gênio poderia relevar minha alma criança e quem sabe atender.

Sem cerimônia, pedi que ele criasse um telefone para eu ligar para o céu.

Eu queria falar com meu pai. Só uma vez mais!

Contaria que estamos bem, mas que não nos acostumamos sem ele.

Ele ficaria faceiro em saber que a Sofia completou oito anos na terça passada. Contaria detalhes do aniversário. Tentaria traduzir o quanto especial está essa neta mimosa, cada vez mais firme e forte.

Ah, e a mãe! Ele daria gargalhada ao saber que finalmente ela se animou a fazer o Caminho de Compostela. Sim, a mãe virou mochileira. Obviamente eu contaria os bastidores dessa viagem e daríamos muitas risadas.

Sempre nós os dias implicando com a mãe, óbvio!

Imagina quando eu contasse sobre o livro do Nauro. Que aquela história que ele adorava repetir, sobre o naufrágio do Nico, acabou virando um livro. E o livro vai virar filme...

Ele pegaria demais no pé do Nauro, típico dele!

O gênio teria que pagar uma conta bem alta nesse interurbano. Não teria como abreviar nada. Nossa saudade é urgente e infinita. Eu teria tanta coisa para dizer ao meu pai hoje.

A saudade é um sentimento estranho. Ela está sempre ali, mas às vezes cutuca o coração da gente mais forte.

Vez que outra vira angústia. Outras vezes é risada, tema para causos, nos faz até falar sozinho. 

Por isso seria tão bom se nossos desejos mágicos pudessem virar verdade. Pelo menos uma vez, para amenizar um pouco.

Enquanto o gênio não aparece, vou aproveitar esse dia inteiro para lembrar o quanto tive sorte de ter um pai tão especial.

Saborear essa saudade, em vez de sofrê-la!

domingo, 20 de janeiro de 2013

Verdadeiras celebridades

Foto: by Madre Mia

Fim de tarde, clima de verão e energia das cores latinas nos rodeando. O motivo do happy hour era a despedida de um casal pra lá de querido.

Depois de recarregarem as energias na Krypton-Satolep , eles estavam prestes a voltar à vida real, em Recife.

Essa época do ano tem esse encanto. Pelas ruas, restaurantes e esquinas da cidade encontramos rostos desgarrados.

Gente que foi para outros pagos em busca de algum emprego, sonho ou amor. Voltam para rever a família, reconhecer velhos amigos e enxergar o que ficou. Reabastecem as energias para alçar novos voos.

E para recebê-los aqui no centro do nosso universo, sempre tem alguma novidade. Esse ano os forasteiro compatriotas encontraram o Madre Mia.

Um lugar que reúne muito da alma cosmopolita de Pelotas. Tem base na mistura latina, mas sua áurea vai muito além das tapas espanholas ou do cardápio criativo.

Nas paredes estão expostas obras de artistas diversos. Gente que habita esse celeiro de talentos que nos rodeia.

Entre as mesas a diversidade de rostos dá ritmo ao bom gosto musical que ecoa. É um lugar moderno, agradável e cheio da essência da vida.

E foi entre uma tequila frozen de mirtilo e uma hamburguesa de vaca que vi adentrar aquela pessoa. Ela estava acompanhada do genro, filha e netos.

Chegou, chegando, como de costume.

Sempre elegante e com o acessório que não dispensa. Um largo sorriso no rosto. Era Dona Léa, aquela senhora admirável que já foi assunto aqui no blog em 2011.

No alto de seus 85 anos, demonstrava total intimidade com o ambiente multi-color. Levantei na hora para abraçá-la e disse para os amigos que me rodeavam:

- Essa é Dona Léa, uma verdadeira celebridade!

Exalando o carinho de sempre, me retribuiu com um beijo. Sim, sou fã incondicional dela. Dessa alma permeada de vida que ela carrega por trás do batom vermelho.

Abracei e reverenciei sua sempre presente alegria. 

Para mim celebridade é gente que nos inspira. Quem ensina alguma coisa mesmo sem perceber. Aquele que dá a lição simplesmente pelo seu jeito de encarar o temporal.

E nesse mundo de distorções, Big Brothers e Adriane Galisteu, me agarro à liberdade de eleger minhas próprias referências. Gente de verdade, não criaturas pedantes. Espécies carentes que esmolam sentimentos de admiração na capa da revista Caras ou em cópias do modismo.

Por isso elegi esse post para abrir os trabalhos de 2013.

Pra começar bem o ano quero brindar às celebridades de verdade. Essa gente admirável, que devora a vida com o deleite que ela merece.

Pessoas como Dona Léa e outras tantas, que desfilam pelos dias aproveitando do simples ao complexo. 

Gente que brinda sempre. Seja entre as cores do Madre Mía ou na esquina que encontrar um bom motivo.

À todos eles, salud!                                                                                                  


domingo, 11 de novembro de 2012

Aquela flor

Semana do lançamento do livro, expectativa e cabeça rodando sem parar. Tropeçamos na emoção e quando nos demos conta já era dia 10 de novembro.

Deu aquela sensação estranha de quando perdemos o ônibus, nos atrasamos para o encontro ou chegamos ao final da festa.

O aniversário de uma amiga querida tinha passado. O dia voou pra longe. Quando olhei no espelho já era manhã de sábado.

Liguei na hora para o celular. Caiu na caixa, meu coração apertou.

Uma amiga tão especial, a data não pode passar em branco. Pensei em mandar flores, reparar minha sensação com um presente.

Em meio a dúvidas me dei conta de que eu estava falando de uma amiga. Uma grande e querida amiga. Pra descrever a presença dela na nossa vida, vou começar pela sua chegada.

Quando a gente ama um amigo profundamente, deseja que ele possa mergulhar no melhor da vida. Que tenha saúde, sucesso profissional, uma família abençoada e um amor para caminhar junto.

Nosso amigo Joca tinha quase tudo. Faltava alguém que o compreendesse na sua complexa simplicidade.

A receita parece de bolo, mas não. Na verdade é de calda. Sabe aquelas caldas de doce, onde acertar o ponto é para os talentosos. Era esse o desafio!

E na procura dessa fórmula mágica apareceu uma alquimista. Especialista em transformar a vida em melodia. Fazer dos sonhos, projetos. Dos bons momentos, canções.

E como uma fada, abriu a porta das nossas vida. Trouxe de volta o nosso Joca. Encheu a vida de magia.

Desse encontro ganhamos essa pessoa especial. E para ela que fez aniversário na sexta-feira passada, envio o meu presente mais caro, minhas letras de carinho. Frases de admiração. Parágrafos de encantamento.

Para ela, que chegou colorindo a paisagem, arou a terra e agora começou a plantar um jardim, desejo que a vida seja leve e linda.

Que tenha o perfume, as cores e o pólen dessa encantadora flor do pampa!

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Sorvete

Estávamos naquele papo gostoso entre amigas. Restaurante legal, clima super primaveril e o burburinho que só uma mesa de mulheres consegue produzir.

A conversa fluia entre comentários cotidianos, dúvidas sobre as fases dos filhos e confissões.

Sim, entre mulheres sempre nos confidenciamos. Seja sobre amenidades ou desejos secretos.

Somos assim, movidas por sentimentos. Compostas por hormônios. Os tais mensageiros químicos do corpo. Regulam mais de nossas vidas que nós mesmos.

E foi nesse vaivém de delícias do universo feminino que uma amiga largou:

- Depois dos 40 somos como um sorvete derretendo!

Socorro! Deu aquele estalo. Na hora me veio na mente a imagem daquele sorvete de casquinha do Mc Donald´s, que derrete num piscar de olhos.

- Calma, disse ela. - detalhando sua metáfora -o problema é que aos 40 nós queremos continuar nos baseando na pessoa que éramos aos 20 anos. Corpo, cabelo, pele...

Bingo! Ela tinha toda razão.

Nosso maior erro é exatamente estarmos competindo com aquele corpo que tínhamos no passado. Barriga de tanquinho. Comer e não engordar. Sol sem protetor.

Muito de tudo e nada de consequências. Pelo menos instantâneas.

O mundo gira, o calendário muda.

Nosso referencial a partir dos 40 deve ser da sessentona enxuta que queremos ser. Ok, mas vamos deixar claro. Sem exageros.

Carregando conosco nossas histórias e marcas. Isso somos nós. O melhor de cada uma. Nossa mais saborosa fatia. 

Cuidado sim. Exercícios físicos, óbvio. Mas sem a neurose que transforma mulheres em caricaturas de si mesmo.

Elas estão soltas por aí, assustando pela falta de noção. Meg Ryan, que foi tão incrível em Harry e Sally, hoje não me faria rir. Só chorar.

Isso sem falar naquela lista de famosas (e nem tanto) transformadas nas réplicas do palhaço Bozo.

Então naquela noite, entre borbulhas de espumante e largas risadas, descobrimos a "nossa américa".

A pergunta que não quer calar: como encarar esse momento em que as coisas começam a mudar definitivamente, sem nos perdermos de nós mesmas?

As respostas vieram em doses homeopáticas. Não sabemos. Não temos a menor ideia. Mas queremos.

Somos cria da geração de Renato Russo. Seus versos nos diziam para amar as pessoas como se não tivesse amanhã. E agora Renato, chegou o manhã!

Queremos saber hoje, qual a melhor receita para sermos "nós" amanhã?

Confesso que ainda não sei qual é a mágica. Recebi os primeiros fios de cabelo branco com cortesia. Mas depois, confesso que não fui tão gentil. Arranquei uma a um sem dó nem piedade.

Qualquer dia vou acabar encarando um tonalizade, mês sim, outro também. Mas de nariz torcido. Coisa boa aquela juba dourada que oscilava com tons de acordo com as estações.

O hidratante acaba mais esquecido do que lembrado, na prateleira. Os exercícios físicos estão na lista das “pendências”.

Nossa, quanta demanda chata. Tem gente que gosta, eu não.

Mas enquanto a gente não descobre a fórmula mágica, nosso grupo de amigas continua se reunindo e brindando.

E se o mestre Renato Russo nada nos disse sobre o que fazer. Atacamos de Almir Sater, um sertanejo. Porque um dos bônus da maturidade é a liberdade de pré-conceitos.

E enquanto o sorvete derrete, a gente vai lambendo a vida com muita vontade. Brindando, sorrindo e seguindo a canção!

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Velhos Amigos

Velhos Amigos
Quando se encontram
Trocam notícias
E recordações
Bebem cerveja
No bar de costume
E cantam em voz rouca
Antigas canções
Os velhos amigos
Quase nunca se perdem
Se guardam para
Certas ocasiões
Velhos amigos
Só rejuvenescem
Lembrando loucuras
De outros verões
E brindam alegres
Seus vivos e mortos
E acabam a noite
Com novas canções
Conhecem o perigo
Mas fazem de conta
Que o tempo não ronda
Mais seus corações

http://letras.mus.br/almir-sater/597199/



segunda-feira, 9 de julho de 2012

Castelo de letras


Temos muitos medos. Todos nós os temos. Ficam guardados em caixas herméticas. Sem janelas. Longe da luz.

Alguns são maiores, outros até bobos. Mas todos ficam devidamente lacrados. Guardamos para que não escapem. Não se transformem em realidade.

Não batam à nossa porta em uma tarde de inverno.

Domingo assisti a uma notícia que me paralisou. Gabriel Garcia Márquez não irá mais escrever.

O irmão, Jaime Garcia Márquez, que vive em Cartagena de Índias, anunciou que o escritor está com demência senil. Um dos sinônimos da doença de Alzheimer.

Seu corpo continua saudável. Mas a cortina do mundo das letras se fechou.

O irmão liga todos os dias para lhe relembrar fatos. Estende a corda além do abismo. Gesto de amor, esperança.

A primeira vez que tive contato com a senilidade foi ainda adolescente. A irmã mais moça de minha Voinha se perdeu no tempo.

Tia Bebete morava no Rio de Janeiro. Casada com Tio Gregório, um espanhol que parecia ter vindo dos livros de Maria Dueñas.

Nosso contato com aquela tia-avó moderna era nos meses de julho. Fugíamos do frio e encontrávamos o epicentro da terra.

Entre outras revoluções, nos levou pela primeira vez à confeitaria Colombo. Apresentou um mundo que nem sonhávamos existir.

Ensinou a não beber durante as refeições e pediu a primeira Ceasar Salad da minha vida.

Até que numa bela tarde de outono, veio a notícia. Tia Bebete estava doente. Não lembrava mais das coisas. Confundia as datas. Criava histórias. Se perdia pelas ruas.

Uma tristeza invadiu minha Voinha. Mulher de fé, aceitou os desígnios de Deus.

Mas eu não entendia. Como pode uma pessoa perder-se de si mesmo?

O amadurecimento e o tempo me trouxeram as respostas. A parte teórica dessas histórias. Mas como aceitar os últimos capítulos de uma vida em branco?

Esse é um dos medos que guardo bem lá no fundo da minha caixa secreta.

Gabriel Garcia Marquez, o Gabo, escreveu que o segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão.

Será que foi essa a solidão que ele imaginou?

Seu castelo de letras desmoronou. Milhões de fãs estão com o coração em suspenso. Sua obra será eterna, mas seus dias agora são como cometas. Fugazes instantes entre o real e o imaginário.

Tenho medo, muito medo da senilidade. Dos que eu amo, dos que admiro, de mim mesma.

Como escreveu Gabo, em O Amor nos Tempos de Cólera:

“As pessoas que a gente ama deviam morrer com todas as suas coisas”.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

A vida e os ciclos

A correria do cotidiano nos remete a uma sensação de fuga. Andamos com pressa, não temos tempo a perder.

Sorrimos bem menos do que deveríamos. Economizamos abraços. Suprimimos a espontaneidade de falar com o coração.


E assim os dias passam, os meses correm e a vida voa. Até que o inesperado bate à nossa porta.

Meu pai foi embora assim, sem aviso prévio. Um infarto o levou na madrugada de 22 de junho do ano passado. No dia em que o Jockey Club completava mais um ano de existência.

Em um universo de 365 dias, é difícil acreditar que tenha sido coincidência. A entidade que ele fez ressuscitar aniversariava. Ele partia como se tivesse cumprido sua missão. E cumpriu.

Nesse momento um ciclo se fechou. No começo nossa reação de incredulidade nos anestesia. É uma forma de defesa, acredito.

A morte é fria, distante, e ainda incompreensível.

Aos poucos os dias passam, nos carregando para mais adiante. Aquela dor aguda se transforma em saudade.

A vida é finita. Temos certeza disso, mas a perda nos atira o balde de água fria na cara.

Temos sinais o tempo todo de seus ciclos. Mensagens cifradas. Recados explícitos para que a sua fugacidade voraz seja compreendida.

Até enfrentarmos a primeira saudade, imaginamos que temos muito tempo pela frente.

Por isso, cada vez que um ciclo se fecha, precisamos ler a mensagem que esse espaço de tempo imprime na nossa história.

Transformar os ensinamentos em combustível para seguir a estrada. No meu caso conviver com aquela pessoa irreverente, cheia de bom humor, e de cabelo despenteado, foi um presente.

Tivemos mais de quatro décadas juntos. Ele foi o cara mais autêntico que já conheci. Cativou, por ser ele mesmo. Sem falácia, com transparência.

Elementos raros no mundo das imagens distorcidas que vivemos.

E hoje, nessa data tão simbólica, tenho esse mosaico de bons momentos. É o meu bálsamo.

Pensando nas mais diversas formas de homenageá-lo, surgiu essa ideia. Se o principal recado do meu pai foi de viver intensamente, nada melhor do que fazer isso. Saborear até a última gota.

Foi assim que ele fez no seu ciclo, e é assim que eu quero me lembrar dele.Por isso, meu desejo para essa data é simples. Faço um pedido a todos os amigos do querido Carlinhos Mazza.

Que cada um viva essa sexta-feira com toda sua força. Celebrem a vida por completo, sem meias palavras.

Tenho certeza de que essa boa energia chegará até ele, onde quer que esteja!

domingo, 17 de junho de 2012

Pequena

Sempre que a data do aniversário da Sofia se aproxima, meu coração começa aos solavancos. Uma mistura de sentimentos me invade.

Tenho vontade de dizer tanta coisa. Mas nada sai.

Talvez seja a possibilidade de não traduzir literalmente a emoção que sinto. Sem saber por onde começar, vou contar aqui uma coisa que me aconteceu.

Fui contratada para fazer a divulgação do disco “Contos de Água e Fogo”, da banda Nenhum de Nós.

Recebi pelo correio alguns CDs e a missão de entregá-los nas rádios, junto com o release.

Dei início à missão. Enquanto dirigia para a primeira entrega, coloquei para ouvir no carro a música de trabalho. No Cd começou a rodar “Pequena”.

Comecei a ouvir e uma sensação estranha me invadiu. Sem ao menos esperar, uma avalanche de lágrimas me obrigou a parar o carro.

Estacionei e ali fiquei. Como se estivesse sentada na poltrona de um cinema, assistindo a um filme dentro de mim.

Nossa pequena estava crescendo.

Lembrei daquele bebezinho frágil, que olhava com intensidade através da incubadora da UTI. No quanto nos falou aquele olhar.


Disse para não desistirmos. Garantiu que éramos invencíveis.

Naquele tempo ainda não sabíamos nada da vida. Ela chegou com sabedoria. Chegou sendo Sofia.

E foi ouvindo a música, debulhada, que entendi isso.

...Me oriento por
Seu inocente amor
Que muito me ensinou...

Entendi que os encontros estão marcados. Até isso acontecer, tudo é preparação.

As pessoas que tocam nossas vidas. Os amores que cruzam nosso caminho. As amizades que passam.

Chegadas e partidas. Tudo uma ponte para o encontro. Tudo é uma coisa só

E essa é a certeza que a Sofia me trouxe. Antes de tê-la ao meu lado, a vida era legal. Hoje, é uma dádiva. É para ser sugada, vivida, dançada.

E então, para dividir com todos os anjos que estiveram conosco nesses sete anos, fizemos esse vídeo.

Que sirva para cada um celebrar a vida. Para viver intensamente o seu grande encontro. E para que possamos estar aqui, com nossa pequena, desbravando a vida!

Edição: Jacques Douglas (obrigado pelo carinho!)

domingo, 13 de maio de 2012

Confissões

Sempre achei uma chatice aqueles papos de sábado a tarde sobre gravidez, pós-parto e tudo mais. Elas se reuniam na volta da lareira e via de regar o assunto era em torno das suas experiências.

- Eu fiquei em trabalho de parto quase seis horas!
- A minha dilatação era de tantos dedos!

- A cesárea é a pior coisa do mundo!

- O meu seio ficou na miséria.
Eu simplesmente desligava. Meu pensamento voava para bem além daquele mundinho que em nada me atraia.

A maternidade para mim era um assunto para bem depois. Não conseguia me encaixar naquele estilo e nem me imaginava dizendo aquelas frases algum dia.

Eu gostava de ser filha.  Sempre fui independente. Enxergava a relação entre pais e filhos de sintonia, mas sem qualquer tipo de peso.
Engravidei aos 36 anos, totalmente por acaso. Em dezembro o exame confirmou e aos poucos fui mergulhando em um novo mundo.

Ficava embasbacada de pensar que uma pessoa estava se formando dentro de mim. Parecia surreal, por mais falado que fosse aquele assunto, desde as bonecas da infância.
A vida brotou e naquele momento passei para outra dimensão.

Amei tudo que vivi antes de ser mãe.  Mas a sensação que tenho, é que a intensidade começou a existir naquele instante.  
Não tive chá-de fraldas. Não tinha comprado o carrinho. Tive uma cesárea de urgência.

Ela foi dormir direto na UTI. Eu no quarto.  Um berço vazio me fez companhia.

Recebi flores, abraços e fui vê-la 18 horas depois do nosso primeiro olhar.

Fui trocar suas fraldas bem depois do imaginado. Não pude embalar seu sono nos primeiros meses. Dei o primeiro banho chorando.  
Tive medo. Tive uma força inimaginável. Tive a certeza de que nunca ia perdê-la.

Sentimentos ambíguos. Sentimentos complementares. Arrebatadores.

Eu era mãe e minha vida jamais seria a mesma.

Tudo isso foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida.

A maternidade é a sensação mais mágica que já tive contato. Nos permite contato com um tipo de amor tão profundo, que precisamos aprender a senti-lo.

O tempo nos ensina. E com ele vamos conhecendo nossas possibilidades. Descobrimos novas grandezas.

O crescimento de um filho nos dá a possibilidade de sentir o sangue pulsando nas veias. Cada descoberta é uma oportunidade de entender a vida na sua mais absoluta simplicidade.

A cada Dia das Mães eu me pego olhando para esses sentimentos todos. Não posso imaginar minha vida sem a Sofia.

Com esse nome que se traduz em sabedoria, ela me ensina a ser uma pessoa melhor a cada dia. Em cada abraço é como se eu pudesse mergulhar na vida profundamente. Feliz vida a pra nós!

sábado, 17 de março de 2012

Breve como um suspiro

Escrevo quase que diariamente para mim mesma que temos que viver o aqui e agora. Quem me lê no Facebook oi aqui percebe esse sentimento que volta e meia transborda.

Não sei lidar com a dor nem com a tragédia. Não consigo imaginar de forma consciente que o lindo dia de sol de uma sexta-feira possa ser o último.

Preciso me espiritualizar mais. Sentir o que na teoria imagino ser a verdade. Não acaba aqui, isso é uma passagem.

Quero tomar um elixir que me acalme frente às incompreensíveis surpresas do cotidiano.

Eu me envolvo. Mergulho. Fico imersa na dor alheia.

Sei toda teoria acadêmica do jornalismo. Mas não me encaixo no distanciamento que protege. Sou uma eterna "foca", como se diz no meio.

Não por acaso, ontem ganhei uma correntinha com o espírito santo da minha mãe. Minutos depois de colocá-la no pescoço o telefone tocou.

Sou assessora de imprensa de uma concessionária de rodovias. A primeira a saber dos acidentes nas estradas. Cabe a mim a missão de avisar à imprensa.

Ontem o acidente foi muito próximo. Das nossas vidas, da nossa casa, dos nossos sonhos.

A tarefa não se limitou a informar o número de óbitos, vítimas ou condições de tráfego. Pelo celular chegaram prantos desesperado de amigos e parentes em busca da confirmação de informações.

As notícias pipocavam desencontradas.

Atendi a coordenadora do hospital que o grupo de amigos trabalhava. Não consegui ser profissional. Ela me perguntava se eu sabia se a van era de funcionários do hospital.

Não consegui me conter. Chorei com ela.

Enquanto as notícias se confirmavam fechei os olhos e fiquei pensando. Imaginando o que aquela gente jovem tinha imaginado quando acordou naquela sexta-feira ensolarada.

Um dia comum e especial. Com as cores únicas do verão que se despede. O céu fica mais azul, o vento suave refresca a alma.

Eram mães jovens, que como eu, não saem de casa sem um beijo demorado na cria. Deixam as recomendações e partem para a labuta pensando na hora do reencontro.

Como não doer ao imaginar que aquele momento foi o último?

Uma tempestade de dor invadiu a vida de muitos. Mesmo quem não conhecia as vítimas parou o relógio e olhou ao redor.

A verdade é simples: todos os dias acordamos sem saber o fim da história.

Eu sei da teoria. Mas queria criar um mundo a parte. Como no filme “A vida é bela”. Não temos como impedir que as coisas aconteçam.

Só podemos viver e aceitar. Ter ânimo. Ir adiante e viver a vida com urgência. Porque ela é assim mesmo, breve como um suspiro.

sábado, 3 de março de 2012

La ninã e a vida

Foto: Nauro Júnior

Nunca consigo assistir às películas anunciadas na TV por assinatura. Sempre penso em me programar, mas a nossa rotina de solavancos não deixa.

Essa semana a TNT anunciava uma série de filmes ligados à intensidade da vida e da morte. Estranha definição, mas foi assim que entendi.

Não consegui assistir a todos, mas dois deles me deixar em pleno turbilhão.

O primeiro foi “Noites de tormenta”, com Richard Gere e a Daiane Lane. O filme é extremamente simples, mas daqueles que nos deixa com uma família de pulgas atrás da orelha.

Além da fotografia maravilhosa do Affonso Beato, que estará pelas bandas do sul com “O Tempo e o Vento”, o argumento se baseia nas nossas escolhas.

Ela faz o papel de uma esposa, que depois de traída, resolve tirar uns dias na praia para pensar no rumo que dará à sua vida. Enquanto isso o marido arrependido fica em casa com os dois filhos, insistindo por telefone em que a mulher o perdoe.

Nessa casa de praia ela hospeda um médico desconhecido, que vai até o vilarejo à procura do perdão da família de uma paciente. A mulher morreu durante a cirurgia e a família move uma ação contra ele, acusando de negligência.

O encontro dos dois acontece ao mesmo tempo em que o lugar espera a chegada de um furacão.

Na noite em que os ventos assolam a região os dois se enxergam de verdade. O romance começa. Ali ambos se despedem de um caminho da vida e começam outro.

Não vou contar todo filme. Mas posso garantir que naquele ponto da vida eles fizeram uma escolha. Decidiram descer na estação e pegar o mesmo trem.

O outro filme é "Antes de partir", com a dobradinha magnífica formada por Morgan Freeman e Jack Nickolson.

Os dois se conhecem no quarto do hospital. Recebem ao mesmo tempo a notícia de que estão com câncer terminal. Com a sentença do médico decidem chutar o balde. Fazem juntos uma lista de coisas que sonham em fazer antes de morrer.

E com esse propósito se livram dos catéteres, quimioterapias, aventais azuis e se jogam de bunge jump na vida.

Em ambos os filmes os protagonistas seguiram juntos a partir daquele momento de encontro. Um novo caminho. Independente do que tenha acontecido no final do filme, eles partiram juntos.

E foi exatamente isso que me tocou. As metáforas diárias da nossa vida. Os encontros e partidas.

Como no filme do Richard Gere, o vento volta e meia varre as nossas certezas. Leva adiante aquela caixinha de argumentos que criamos para justificar nossas decisões.

Quantas vezes calafetamos a casa para que a água não entre. Mas a vida é exatamente como a natureza, não tem previsões. Por mais que aponte para dias ensolarados, La niña pode chegar com seus caprichos.

E então a enxurrada nos surpreende.

No roteiro da dupla que descobre o câncer, a espinha dorsal do filme nos inspira a fazer uma lista imediatamente. Por que esperar a tempestade?

Mas assim caminha a humanidade e por mais que saibamos, permanecemos inertes. Com medo de alguma coisa. De algo que nem mesmo sabemos.

Os dois filmes têm o poder de remexer nas frestas que acreditamos tapar com buchas de algodão. No final do filme meu quarto foi inundado obviamente.

Por mais que a gente insista em perpetuar a vida, ela está em constante ebulição. São as tais chegadas e partidas, sempre à frente da nossa estrada.

Sem mais nada a declarar, deixo o final para o Milton Nascimento...

“São só dois lados da mesma viagem,
O trem que chega é o mesmo trem da partida,
A hora do encontro é também de despedida,
A plataforma dessa estação é a vida desse meu lugar,
É a vida!"

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Relicário de verão

Meu horário de verão acaba de acabar. Estou de volta. Abrindo aos poucos as janelas da alma. Espiando por debaixo da poeira essa pessoas que quero conhecer melhor.

Sim, eu mesma!

Pois é, sumi do mapa. Deixei o blog às moscas.

Optei por ficar em órbita, sem nada a declarar. Sem olhar pra dentro. Mas são coisas do verão, que tudo pode. Estação das sensações mais coloridas.

Tempo onde a dor fica mais abafada. A saudade mais ventilada. A alegria estampada.

Sinto isso desde os verões da minha infância. Naquele tempo onde a única preocupação era se poderíamos tomar banho de arroio depois do almoço.

E melancia com uva, pode?

Lembro que o ano letivo terminava no começo de dezembro. Depois das festas familiares minha nave partia para o espaço sideral. Rumo ao mundo encantado dos dias ensolarados.

O tempo tinha uma dimensão maravilhosa. Longos meses nos separavam do passado e do futuro. Era como se a vida abrisse uma lacuna, e naquele período só coisas boas aconteciam.

Não tenho uma memória de tristeza dos verões da minha infância.

Nossa casa, de pé direito alto, era sempre fresquinha. As janelas de tela abertas, o postigo azul reservado para hora da sesta.

Pés descalços, cabelo enredado, pele dourada. Os quartos de hóspedes recebiam seus habitantes, a casa passava a pulsar de gente.

A Charqueada São João deixava se der a nossa casa e virava o ponto de veraneio de muita gente.

Mas isso não me incomodava, eu tinha meu mundo. Brincava de subir nas árvores com a Mimi. Quebrar coquinho, barquinho com palha de bambu, amarelinha.

Corríamos o dia todo. Horário de verão não existia. Os dias pareciam ter as horas precisas para serem inesquecíveis.

Mergulhada no arroio, a melancia aguardava pacientemente sua hora de ser devorada. Rosto melado, metralhadora de sementes, barriga estufada. Depois: banho de arroio de novo. O ciclo se repetia.

São tantas lembranças boas. Um planeta especial, com infância e charqueada.

Pescaria de lambari, passeio de lancha, pic-nic nas areias, picolé na padaria, noite de histórias assustadoras, jogo de War no salão, guerra de bexiguinha...

E foi dando uma pausa nesses dois últimos meses, que olhei para esse passado com mais calma.

Lavei e sequei cada uma dessas boas lembranças. Tomamos banho de arroio. De cano. De chuva.

Depois dobrei cuidadosamente as lembranças do passado. Coloquei nas gavetas da minha alma. Saudade boa, sem dor.

Resolvi olhar para frente. Construir com carinho o relicário desse verão. Nós os três. Na nossa palafita. Nesse planeta que hoje habitamos.

Um planeta diferente daquele da infância. Na mesma galáxia. Mas em um universo que cabem todos os relicários de verão.

Os que foram e os que virão!

sábado, 31 de dezembro de 2011

Carta para 2011

Eu queria tanto me despedir de ti 2011, mas agora chegamos aqui e não consigo te dizer adeus. Cá estamos nós, os dois na estação. Plataforma vazia, só eu e tu.

O trem já vai partir. Não consigo te pedir que vás.

Passei os últimos dias dizendo a todos o quanto tu fosses difícil. Dor, saudade, lágrimas, cinza, medo. Vontade de te ver de longe, nas lembranças do passado.

Mas eu estava sendo injusta.

Hoje me dei conta do equívoco, e em tempo peço desculpas. Minha filha teve saúde e descobriu o mundo das letras. Eu tive bastante trabalho, ganhei novos amigos e revi alguns velhos conceitos.

Tua metade guarda meus últimos momentos com meu pai.

Sendo assim, tu és o meu tesouro mais valioso de memória afetiva. Na outra metade a sensação de perda me ensinou muitas coisas.

Compreendi que na dor o tempo é um aliado. Um ombro amigo é um bálsamo. E as lágrimas limpam angústias e medos. Lubrificam a alma.

Aprendi que para um inverno implacável, o melhor lugar é um colo de mãe. Na vida à dois o melhor caminho é sempre a verdade. E a melhor escolha é sempre a que te fizer sorrir

Entendi que perdoar é difícil. Que mesmo querendo fazer, é preciso ter força. É necessário abri mão um pouco de nós mesmos.

Por isso meu querido 2011, acabei me apegando a ti. A esse mundo de lições que me ensinasses, mesmo sem eu saber que estava aprendendo.

Obrigado pelas dores, saudades e verdades.

Nessa nossa despedida singela, quero acima de tudo te dizer o quanto valeu a pena. Não sou mais a mesma pessoa que brindou o reveilon passado. Tenho certeza.

A vida mudou. Eu mudei.

Antes de nosso abraço final, quero te fazer um pedido:

- Que teu amigo 2012 nos traga mais chegadas do que partidas.

Obrigado, e siga em paz!

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Mosaico de vida

A cozinha da nossa casa é o meu lugar preferido. Das peças que compõem esse castelo que acolhe nossos sonhos, é lá que me sinto mais forte.

Tem duas coisas que me encantam. Uma delas é a vista que o janelão de vidro nos proporciona. Nas noites de lua cheia é como se fosse a porta do paraíso. A outra é o piso de ladrilhos, formando um mosaico de cores, feitios e sensações.

Quando estávamos finalizando a obra, naquele momento em que qualquer prego custa um contado tostão, fomos presenteados pelo querido Rudelger com os tais ladrilhos hidráulicos. Marca da arquitetura pelotense, além de lindos, são um pedaço da nossa terra.

Foi ele quem deu a ideia de fazermos um mosaico no piso da cozinha, já que a miscelânea de peças pedia algo impactante. O Nauro e eu passamos uma manhã tentando compor uma figura harmônica.

Os dois sentados no cimento cinza da obra, cobertos de pó. Mudamos uma centena de vezes as peças de lugar. Lembro que chegou uma hora em que a mistura de imagens nos deixou mareados.

No final olhamos para o resultado e nos emocionamos com a beleza.

Nossa cozinha tinha a nossa cara. Uma mescla de formas, cores e desenhos. Assim como enxergo nosso jeito de galgar a vida. Temos histórias, personalidades e "formas" distintas.

Dia desses li no blog da querida Juliana Spanevello, um post dela fazendo uma retrospectiva do ano de 2011. Esse foi um ano cheio de conquistas para ela.

E assim como a Ju, cada um que lê estas linhas tem o seu balanço. Escrevi para ela que para cada um de nós o ano deixa uma marca diferente.

Para mim foi o ano que perdi meu pai. Junto foram mais alguns amigos. Para ela, um marco de tantas maravilhosas conquistas profissionais. Cada um com a sua enorme soma de sentimentos, compondo a figura.

E todas elas estão impressas no relevo da nossa alma. Como eu disse pra Ju, não importa o acontecimento, mas sim que estamos escrevendo nossas histórias.

E cada história é feita de diferentes momentos: tristes, alegres, descobertas, encontros, despedidas...

E olhando ontem para o meu lugar preferido da casa, enxerguei uma parte da nossa vida. Cada ladrilho é como se fosse um pedaço de nós.

Uma obra de arte, com suas belezas, tristezas, cores e encantos. Assim como essa jornada que cumprimos pelas bandas da terra.

Desejo que a gente não esqueça nunca de olhar bem de perto para cada figura que construiu. A diversidade das peças é que faz o encantamento do desenho.

Feliz mosaico de vida para cada um de nós!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Começar o recomeço

Ando sem coragem de pisar por aqui. Para deitar no divã-virtual é preciso abrir as comportas dos sentimentos. Corro o risco de uma inundação.

Essa época de Natal é como um teste de resistência para nossas dores. Antes eu chorava até em propaganda de supermercado. Agora desabo na primeira música melequenta de Papai Noel de camelô.

Um paradoxo de sentimentos me assola. A situação é crítica companheiros!

Não sou da tribo que curte reclamar da vida. É preciso acima de tudo, respeitar a sua preciosidade. Mas o ano de 2011 fez uma marca indelével no relevo da minha alma.

A ausência de um ser que amamos é estranha. A falta cotidiana do jeito daquela pessoa que habita nossa história é quase incompreensível.

Os dias passam, faço listas e mais listas. Ocupo minha cabeça e procuro atordoar minha rotina. Mas um mínimo rastro de ócio, e me vejo nessa nova perspectiva.

Esse ano tudo mudou.

Perder meu pai foi como me perder um pouco. Mas sem dramas, eu entendo a complexidade da vida. O causo é que depois que uma peça do tabuleiro se vai, precisamos reinventar o jogo.

A nova configuração da nossa existência exige profunda compreensão.

A presença da morte em um ano, nos faz ter medo de encontrá-la novamente. Regamos nossos amores quase que com insanidade, com medo do dia em que não os teremos.

Mas repito, isso não é triste, é apenas intenso.

E sei que temos uma oportunidade em cada dor. A verdadeira chance de enxergar a raridade da vida.

Com essa certeza, acordamos com mais vontade para sacudir nossos tapetes. Arejar a alma sempre é a melhor escolha.

Coloco aqui minhas dores, saudades, inseguranças, medos e tudo mais que puder ser sacudido, deitado ao sol. Quero tirar o mofo, chorar sem culpa, escrever o que vier.

Só assim vou conseguir me olhar no espelho e encontrar o novo caminho. Quero começar o meu recomeço!

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

29 de outubro


Nasci às 19h10 de um dia 29 de outubro do ano que não terminou. Minha mãe, no alto de seus 19 anos, encarou um parto normal, na raça. Coisa que não se vê mais hoje em dia.

Ela conta que a Casa de Saúde Santa Tereza não tinha obstetrícia na época, e por isso deu a luz no quarto. Enquanto ela fazia força, driblando as contrações, uma torcida de parentes e amigos assistia o momento da sacada.

Cena pra lá de insólita. Era um dia de primavera como não se faz mais hoje em dia. Enquanto isso, em algum lugar do país, estudantes desafiavam a ditadura com a cara e a coragem. O ano de 1968 estava em ebulição e eu chegava sem passaporte.

Enquanto fervia a revolução estudantil, minha mãe olhava para aquela "carinha de joelho", tirada a fórcepes, e achava lindo o que via. Como não existia ultrasonografia, no portão de desembarque todos esperavam pelo Rafael.

Quando aquela polpa rosada apontou em direção à parteira, os olhares surpresos perguntaram para minha mãe qual seria o nome da menina.

Ela pensou por um instante e disse:

- Gabriela, em homenagem ao anjo Gabriel, o mensageiro!

Depois dessa inspiração ela disse que estava com desejo de comer uma canja. O tio Rubenzinho foi encarregado de materializar o pedido da parturiente.

Reza a lenda que ele buscou um bem servido prato no tradicional Restaurante Gago, muito conhecido na época. Enquanto isso meu pai se encarregava de fumar um charuto com o Dindo Bebeto, como era de tradição.

Depois dessa chegada triunfal, só me restou ter uma infância também atípica. Saímos do hospital e ali começou a minha história.

Pode não parecer muito longe, mas nasci em uma geração de transformação. A década de 70 seguiu quebrando paradigmas, revolucionando uma vida que até então parecia ser linear.

Quando paro pra pensar nas delícias da minha infância, me dou conta de que o tempo de ontem era verdadeiramente mais lento. Tive a sorte de brincar sem vídeo-game, computador ou qualquer coisa que emitisse barulhos artificiais.

O auge dos meus brinquedos modernos foi o tal do Manequinho, que tomava mamadeira e fazia xixi. Ganhei do tio Ricardo.

Mas antes disso tive o meu jipe vermelho, as fazendinhas feitas com batata e palitos, o jogo de sapata, esconde-esconde e outras deliciosas brincadeiras que hoje raramente ouvimos falar.

Assim se passaram os tranqüilos anos da minha infância, supervisionados pela “Mãe Cema”, que nos cuidava enquanto minha mãe fazia a faculdade. Difícil resumir esse tempo tão rico em poucas linhas. Mereceria um livro.

Veio a adolescência e com ela os primeiros conflitos. Confesso que não achei nenhuma graça nessa fase, exceto pela trilha sonora que nunca mais se repetiu. Se pudesse pular, teria feito de bom grado, desde que pudesse levar meus discos do Legião Urbana debaixo do braço.

Meu primeiro namorado era um chato. Dele ganhei o primeiro beijo e a primeira decepção. Chorei mais por pena de ter perdido meu tempo com ele, do que por qualquer outra coisa.

Depois do primeiro tombo fiquei mais esperta e não entrei em canoa furada tão facilmente. Fui mais seletiva e aprendi rapidamente as regras do jogo. Mesmo assim, muitas lágrimas escorpianas inundaram meu travesseiro.

Na verdade a fase de juventude foi recebida com aplausos. Ter carteira de motoristas, viajar sozinha para Garopaba e administrar o meu próprio salário, foram conquistas incríveis. Nessa época éramos guiados pelo sabor do vento e a liberdade nos dava asas.

Incrível como nesse pedaço da vida a gente acha que a barriga sempre vai ser de tanquinho, o cabelo vai resistir a qualquer experiência química e que filtro solar é bobagem. Todos acham, é inevitável!

Mas por isso o tempo é sábio e com o rodar do relógio nos aponta nossos vacilos.

Difícil ser adulto, eu sei, mas sem dúvida é muito melhor. Reclamamos de muitas coisas, mas a maturidade é o melhor dos presentes. Com ela enxergamos a vida, por dentro e por fora. A imensidão das galáxias que habitam nosso universo interior.

Saímos da superfície e mergulhamos no mar dos grandes sentimentos.

Priorizamos um amor parceiro e enxergamos nossos pais com compreensão. Descobrimos que o amor por um filho é o sentimento mais generoso que existe. Queremos dar, simplesmente amar.

E com essa fase adulta, quando alcançamos as quatro gerações, começamos a correr riscos.

Invariavelmente passamos a ter perdas. Primeiros nossos avós, depois nossos pais. O choque da finitude bate a nossa porta. Taí a parte ruim da maçã.

Esse é meu primeiro aniversário sem meu pai. Passei a semana choramingando. Como disse uma amiga: vivi intensamente o meu inferno astral. Vai ser o primeiro 29 de outubro sem aquela voz me dizendo: "Fili, parabéns, aniversariante!"

Era assim que ele fazia. E vou sentir essa falta!

Pra completar, tudo aconteceu essa semana. Emoções concentradas e minha coluna em frangalhos.

Procurei um ombro amigo, uma acupuntura e por fim uma massagem. Com essa receitinha básica me preparei para receber os 43 anos de vida.

A Tatá coloriu a casa com as flores do nosso jardim e eu fui fazer as unhas.

Vou passar em casa, quietinha, deixando que os abraços cheguem com o vento. Quero comemorar em silêncio, olhando mais pra dentro do que pra fora.

A fase é contemplativa. Quantos dias 29 de outubro ainda me restam? Não quero dramas, mas a vida parece que começa a escorrer das nossas mãos com rapidez.

Qual a receita para segurá-la?

Sou otimista, nunca fumei, odeio ginástica, tomo água, acredito em Deus, tô aprendendo a perdoar, tenho medo de altura, não uso batom, gosto de ler, como salada, sou fiel, uso cinto de segurança, estou ficando surda, amo praia e, obviamente...adoro melancia.

Então cá pra nós, que venham mais 43. No mínimo!