terça-feira, 27 de julho de 2010

Carente de gentileza




Andei com um problema de coluna nos últimos dias. Isso me acontece vez que outra, e o motivo é meio que uma metáfora. Sempre que me incomodo demais, fico empenada. É como se carregasse um “peso nas costas”, literalmente. Neste último episódio dois eventos consecutivos me nocautearam.

Seriam coisas corriqueiras, se eu não estivesse cansada, estressada e esperando umas férias que acabaram não acontecendo. O produto final deste kit veio acompanhado de uma frente fria de lascar e muita chuva nas bandas de Satolep.

Então fiquei uns quatro dias que respirava e doia, com uma coleira “linda” no pescoço e aquela angústia entalada no peito. Eu sou assim. Preciso digerir as coisas que não caem bem. Mas muitas vezes, não tem sonsrisal que resolva. E dessa vez me enrolei um pouco mais do que o normal para ficar zerada.

Mas o dia hoje amanheceu com um rico sol. Acordei sem dor e me encorajei a sair da toca. Confesso que também animada pela trupe de visitantes que estão hospedados aqui em casa. Isso inclui minha irmã e meus dois sobrinhos, além da Sofia e toda sua energia de férias. Tomei um banho e coloquei um vestidinho para curar de vez o mau agouro.

Estou pronta para próxima, mas não sem antes fazer o meu protesto público.

O começo dessa dor eu não sei dizer ao certo, mas nos últimos tempos a falta de gentileza no cotidiano tem me deixado incomodada. Seja nas relações com amigos, vizinhos ou clientes. Diariamente tenho contato direto com muitas pessoas. Algumas delas primam pela falta desta característica que tanto admiro, a gentileza.
Ser amável está dentro da gente. No olhar, na forma de abraçar, no jeito de dizer "sim" e "ñão". Não importa se temos que dizer coisas mais duras, mas se a forma de expressão for delicada, tudo fica mais fácil. Isso a gente trás de casa. Da infância. Dos abaraços e sorrisos que demos e recebemos.

E nas duas últimas semanas passei por situações com gente que é econômico em todos estes sentimentos. Pode-se dizer que são sovinas de afeto!!!

Sabe aquele tipo que te escreve o primeiro mail da manhã sem dizer “oi”, “bom dia”, ou mesmo citar o teu nome. É gente que simplesmente demanda o que quer e ainda coloca um “att” no final. Também enfrentei aquele tipo que se aproxima do nosso convívio familiar e no final desse sequestro sentimental, só quer a sua parte em dinheiro.

Socorro, quanto calor humano!

Pode ser que o mundo moderno e seu tempo escasso exijam rapidez na comunicação, ok. Mas para mim as palavrinhas mágicas que aprendi na infância sempre irão abrir as portas do mundo. A verdade é que tenho encontrado essa vertente dos poucos gentis demais no meu dia a dia, e não consigo relaxar. Fico indignada, pensando em como pode uma pessoa ter prazer em ser fria, distante, seca.

Ando sentindo falta de sorrisos anônimos nos elevadores. De pessoas perguntando se vai chover nas esquinas. De puxar aquele assunto sem pé, nem cabeça, só pra distrair. Parece que as pessoas passam pelas outras e não se enxergam mais.

Eu acho lindo devolver o prato que vizinho emprestou, com um bolo quentinho, recém saído do forno. Adoro levar um pacote de bolachinha para secretária do médico, que está toda tarde naquela mesma cadeira, esquentando os pés numa estufa antiguinha. Adoro surpreender e ser surpreendida, com carinhos cotidianos que deixam a vida mais colorida.

Tenho certeza de que a minha coluna está se recuperando, mas fica aqui a minha saudade da gentileza.

Acho que o mundo anda um pouco carente de gente como o saudoso profeta Gentileza!
Houve um homem enviado ao Rio por Deus. Seu nome era José da Trino, chamado de Profeta Gentileza (1917-1996). Por mais de vinte anos circulava pela cidade com sua bata branca cheia de apliques e com seu estandarte, pregava nas praças e colocava-se nas barcas entre Rio e Niterói anunciando sem cansar:”Gentileza gera Gentileza”. Só com Gentileza, dizia, superamos a violência que se deriva do “capeta-capital”. Inscreveu seus ensinamentos ligados à gentileza em 55 pilastras do viaduto do Caju, à entrada da cidade, recuperados sob a orientação do Prof. Leonardo Guelman que lhe dedicou um rigoroso trabalho acadêmico, acompanhado de video e um belíssimo um CD-ROM com o título Universo Gentileza: a gênese de um mito contemporâneo
.
Leonardo Boff

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Razão e sensibilidade

Não li o livro Sense and Sensibility, só assisti ao filme há alguns anos. Mas a história da familia Dashwood, baseada nas emoções das suas mulheres, tem me rondado ultimamente. Ando numa fase de dúvidas, angústias e lágrimas. Não me pergunte o porquê, já que os 40 já chegaram, a menopausa está longe e o casamento vai bem.

Para se ter uma ideia, na segunda-feira a noite assisti a um filme super legal, que contava a história real de um cachorro akita e a lealdade pelo seu dono. Depois da morte inesperada do homem, o cachorro permanece na estação de trem, aguardando a sua volta, por dez anos. Até que morre de velho. O filme era lindo, e quando acabou e eu não conseguia para de chorar. Era uma coisa impressionante. O fiasco foi tão grande, que lá pelas tantas surge a Sofia do quarto, com um desenho em punho, e diz:

- Tem alguém chorando aqui?!!

E das mãozinhas escondidas nas costas surge um rico desenho feito por ela, como consolo para uma mamãe descontrolada, que soluçava em frente à lareira. Imaginem a cena. A filha consolando a mãe, sem entender nada. Ou talvez entendendo tudo.

Depois de lavar a alma comecei uma longa conversa com o Nauro. Sobre a vida, sonhos, desejos, e principalmente a relação entre razão e sensibilidade. Sempre tive essa tal da sensibilidade super aguçada. Mas com o passar dos anos, percebi que dependendo do vento, isso pode ser bom ou ruim.

Essa parte do meu ser que me faz ver as coisas com mais encanto, cor, romantismo, também me abre feridas. Acontece que coisas que não tem nada a ver com a minha vida, me afetam. Sofro por antecipação e até por aproximação. Se abro a página inicial do meu computador e salta uma tragédia familiar, já me dá aquela sensação estranha. Ontem por exemplo passei o dia pensando na Cissa Guimarães. Ela, assim como centenas de milhares de mães no mundo, ficou órfão repentinamente. Acontece a toda hora, eu sei. Mas nada disso impediu que eu ficasse a tarde toda com uma sensação de tristeza alheia.

Estranho isso, eu sei. Melhor se fosse a tal da vergonha alheia. Mas a coisa anda assim nestes dias cinzas de inverno. Nostalgia na veia. Pensamentos vagando meio sem razão, mas permeados de uma tal de sensibilidade.

Espero ter assuntos melhores em breve. Enquanto isso, aguardo ansiosamente por um dia de sol.
Já é um bom começo...

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Sotaque francês

Foto: Divulgação_GNT


Há alguns meses meu marido está vivendo um momento Carla Bruni total. Primeiro passava buscando no youtube todas as versões possíveis das interpretações da musa francesa. Até que um belo dia chegou flutuando em casa, com o CD do carro no volume máximo. Tinha comprado todos os discos lançados pela cantora e respirava música francesa.

Quando nos conhecemos a sua única e intocável musa era a Luiza Brunet. A gente brincava com isso, sempre que via algum editorial da ex-garota Dijon. Até comprei algumas revistas de presente, respeitando o bom gosto dele. Afinal de contas, é até uma honra ter um marido babando pela modelo mais completa que esse Brasil já viu.

Mas quando surgiu a Carla Bruni, senti que ele ficou dividido. Aquela voz macia, cantando em francês, era covardia. Além de linda, chiquérrima, inteligente, cheia de personalidade, talentosa, a mulher nasceu em um castelo e pra completar é primeira-dama da França. O que mais poderia compor esse kit perfeição?!

Bueno, não sou ciumenta, mas confesso que já estava ficando repunada daquele refrão:

Pourtant quelqu'un m'a dit
Que tu m'aimais encore,
C'est quelqu'un qui m'a dit que tu m'aimais encore.
Serais ce possible alors ?

Até que dia desses, quando estava matando a saudade do colinha de mãe (vide “Colinho bom”) descobri a pólvora. Zapeando com o controle remoto pela TV a cabo, me deparei com uma boa surpresa. Nada mais, nada menos, do que o charmoséssimo Olivier Anquier em um programa fantástico. Se chama “Diário do Olivier” (GNT) e tem um fusquinha como logo, o que já me encantou.

Para completar, naquele episódio, ele visitava com a filha Júlia o Vale de Loire. O lugar é de sonhos, dos mais lindos da França e como não poderia ser diferente, lugar onde vivia a família paterna do bonitão. Mas a emoção do meu encontro televisivo não para por aí.

A bordo de uma motocicleta, Olivier leva a filha para conhecer Lhuynes, última cidade em que o pai dele moro. Os dois sobem uma ladeira com um lindo vaso de flores na mão, conversando. Ele dizendo para Júlia que o avô vai gostar de vê-la, comenta que os dois têm muito em comum. A nossa sensação ao assistir o programa, é de que vai acontecer o encontro de avô e neta. Ele diz:

- Seu avô vai ficar feliz com essa visita, faz tempo que eu não venho.

Nesse momento aparece um lindo cemitério, aos pés de um Castelo Medieval, e os dois caminham até o túmulo do pai dele. A cena é de chorar. O carinho e a naturalidade conversando com o pai, e a emoção da guria, são sentimentos tão puros, que contagiam. Ela sugere plantar a flor ali, para que o avô aprecie sempre o aroma daquele presente. Os dois cavam um buraco e deixam ali uma singela e colorida prova dos laços de amor que transcendem o tempo.

Depois disso a viagem segue, e Olivier mostra o rio em que pescava com o pai quando tinha doze anos. Tudo isso mesclado com informações interessantes sobre a geografia e história do local. A viagem termina com os dois visitando uma caverna e ensinando a receita secular da pêra batida (Poire tapée), o método mais antigo de conservação da fruta. O programa acaba e eu fico inebriada com a descoberta que acabo de fazer.

Lindo, sensível, bom pai e ainda cozinha que é uma loucura. Eu tenho certeza de que meu amor não vai ficar com ciúmes. Agora não tenho dúvidas de que um pouquinho de sotaque francês na nossa vida faz um bem danado.

E não é que o Nauro tinha razão.

Vive La France!

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Colinho bom

Passei todo dia hoje com cólicas, sintomas de gripe e uma dor de cabeça daquelas que tiram a gente do eixo. Pra completar esse literal quadro da dor, dormi mal, acordei cedo, e fui para um compromisso de trabalho que exigia disposição e muita atenção. Tudo que eu não tinha!

O resumo dessa ópera foi que às 11h da manhã eu estava com cara de final do dia. Fiz as contas de quanto tempo faltava para chegar a hora de ir para minha caminha, e vi que o remédio era ligar no piloto automático e seguir o dia guiado pelo GPS.

Parece mentira, mas quando a gente não está se sentindo bem fisicamente aparece mais trabalho do que o previsto. O telefone toca mais alto e com uma freqüência inversamente proporcional à nossa paciência.

Elemento decisivo para definir o cenário da situação, é dizer que o frio continua galopante e voraz aqui nas bandas do sul. Meus pés gelados não davam conta das três meias que ilusoriamente calcei hoje cedo.

A única coisa amena nessa tarde de martírio era o calor da botija de água quente que me acompanhou fielmente, com a intenção de driblar as tais cólicas menstruais - que no meu caso são violentas desde a adolescência.

Quando o relógio bateu às 18h, me dei conta de que ainda faltava metade do trabalho para acabar. Vi também que tinha que buscar a Sofia no colégio e estava sem o carro, já que o Nauro havia precisado mais cedo e tinha ficado de me pegar a tardinha. Os poucos neurônios que ainda faziam sinapse me aconselharam a ligar para mãe e pedir a ela que buscasse a Sofia.

Com isso ganhei tempo e trabalhei mais um pouco, até o marido e o carro finalmente aparecerem. Ele chegou apressado e já me deu a barbada:

- Tenho pauta essa noite, vamos fazer um caderno de gastronomia e devo voltar tarde.

Socorro! Eu nesse estado e a Sofia chegando em casa cheia de gás para brincar até a hora de dormir. Não tive espaço nem pra sentir culpa, só pensei em uma alternativa para sanar aquele mal estar ao quadrado, já que a estas alturas tinha a testa franzida de tanta enxaqueca. Foi aí que minha porção filha falou mais alto e disse pro Nauro:

- Vou fazer uma malinha e dormir com a Sofia lá na casa da mãe, ta certo?

Ele olhou com cara de “tudo bem” e eu nem perguntei de novo. Soquei meia dúzia de coisas em uma sacola e me enfiei no carro, que nem criança, antes que ele mudasse de ideia.

Chegamos na mãe e ele já foi anunciando o diagnóstico da situação:

- A Gabi passou o dia mal e tá precisando de um colinho de mãe!

A mimosa da minha progenitora abriu aquele sorriso, que só as mães sabem dar aos filhos. Em poucos minutos eu estava deitada na cama dos meus pais, com o lençol elétrico ligado, um controle remoto na mão e todos os mimos possíveis na volta.

A mãe passou um café quentinho pra mim, fez uma pizza de queijo para Sofia e o pai deu o tom do papo do jantar. Colocamos a conversa em dia, e enquanto a gente conversava minha cabeça pensava no quanto era bom estar ali. Aquele era sim um instante mágico!

A roda pode girar, nossos filhos crescerem, os cabelos brancos aparecerem, mas o colo de pai e mãe sempre vai ser o melhor lugar do mundo. Mesmo quem já não tem mais esse colo físico, sabe que tem alguma força maior por perto quando a coisa fica feia.

E é nesse colinho que estou agora, encerrando essa quinta-feira estranha, que começou torta e fria, mas acabou cheia de calor e gratidão. Colinho de pai e mãe sempre vai ter sabor de aconchego.

E bola pra frente porque amanhã é sexta-feira. Obaaaaaaa!!!

terça-feira, 13 de julho de 2010

Frio e mega-sena

Foto: Nauro Júnior


Uma vez ouvi uma entrevista da Marília Gabriela onde ela contava que adorava o frio. Que mesmo no inverno sempre terminava o banho com uma ducha de água fria para manter o viço da pele.

Lembrei dela hoje de manhã enquanto me digladiava com alguns pingos de água morna, tentando tirar o sabão do corpo antes de morrer de hipotermia.

Inclusive pensei na hora, que se eu soubesse o celular da Marília Gabriela ligava pra ela e convidava para colocar em prática a sua técnica de longevidade. Mas tinha que ser hoje, e no meu banheiro. Ah, e ainda por cima tinha que sair com cara de “linda” do box. E pior, terminar de se secar e se vestir com um sorriso lânguido no rosto.

Ah Marília Gabriela, acho que se tu morasses aqui no sul irias rever teus conceitos estéticos.

Esse foi o pensamento mais gentil que tive nesta manhã fria. Os outros são impublicáveis aqui neste blog de gente educada. A verdade é que esse pessoal do sudeste acha que o inverno deles é frio. Adoram comprar uma manta fashion pra usar com uma camiseta de algodão. Ou então colocar um casacão por cima de um vestidinho de crepe, e juram que estão enroupados. Eles juram que inverno é sinônimo de estilo, requinte, charme.

Ora poupe-me!

E tem ainda aquele povo que acha que no inverno a gente fica mais elegante. Eu sinceramente nunca consegui. Além de sofrer com a tal da rinite, ficar com o nariz vermelho que nem palhaço, acho que aquelas olheiras na pele esbranquiçada não favorecem nem a Mortiça, da família Adams. Mas de qualquer forma, respeito a opinião alheia.

A outra desculpa boa é aquela de que no inverno os programas são mais românticos.

Aqui a minha caixinha de ideias está praticamente estagnada. Quando chegamos em casa acendemos a lareira e conseguimos resistir por uma hora, duas no máximo. Depois só o quarto com o ar condicionado nos 30 graus e muito edredon para sobreviver. Isso sem falar que com a temperatura dessa madrugada dormi com pijama e ceroula, a coisa mais “elegante” que o mundo fashion já viu. Imagina o sex appeal!

Eu posso ser uma pessoa sensata, aberta a novos argumentos, mas se tem uma coisa que ninguém no mundo vai me convencer é que inverno é bom. A tirar pelo meu mau humor nesse post já deu pra perceber né?

Mas tudo bem, enquanto o Minuano e sua fúria congelante batem na porta, eu viajo na internet pelos resorts do nordeste, imaginando que a qualquer momento eu vou ganhar na Mega-Sena e chutar o balde. Fretar um avião e levar todos os amigos queridos que amam o verão e odeiam o inverno para um daqueles paraísos. Só vamos voltar depois que a primavera der seus ares coloridos. E ainda por cima, vamos aportar com aquela pele dourada, alma lavada pela água salgada e espírito refeito pela brisa do mar.

Que delícia. Já me animei a seguir minha jornada de picolé dessa tarde de terça-feira. Enquanto o sorteio da mega-sena não acontece, vamos nos divertindo imaginando tudo de maravilhoso que o paraíso terá. Quem se habilita a entrar nessa lista de amigos?

Olha que o último sorteio saiu para um apostador sozinho. O que será que ele fez com 20 milhões hein?
Poxa vida, e esse cara não era meu amigo!!!

domingo, 11 de julho de 2010

Um lar

Foto: Nauro Júnior


Eu nasci em uma casa que mais parecia um museu. Foi construída em 1810, tinha 33 cômodos, paredes espessas e salas que exalavam uma mistura de mofo com história. Em meio a tantos objetos históricos tínhamos o nosso mundo, com todos os elementos de qualquer morada. Durante três décadas aquela casa que virou cenário de minissérie foi de fato um lar.

Uma vez, em 1998, quando fui morar por um período em Florianópolis, uma prima querida me disse uma frase na despedida:

“Gabi, uma casa pode levar um tempo até ser realmente um lar”.

No auge dos meus vinte e tantos anos, não me detive na essência daquela frase com a profundidade que contém. Hoje, mais de uma década depois, compreendo cada sílaba daquela oração composta por carinho e premonição. À caminho da ilha da magia, eu não imaginava que levaria tempo até achar de fato o meu lar.

Acho que um lar é aquele lugar que mesmo se passando uma semana no resort mais desejado do caderno de viagem, no oitavo dia só pensamos no gosto do café que só a nossa cafeteira faz. É aquele aconchego no dia cinza, que só o nosso edredon consegue proporcionar. Mais do que isso, um lar é aquele espaço físico que nos dá a mesma sensação de segurança que a cama dos pais transmitia nas noites de temporal da infância.

E nesse final de semana de céu azul, me peguei admirando o meu lar e pensando no quanto caminhamos na para chegar até aqui.

Cada objeto traduz muito de nossa história. No mosaico dos ladrilhos hidráulicos da cozinha, diferentes formas que juntas tem harmonia. Assim como nosso modo de ser e ver a vida. São os contrários complementares. E assim são os lares que vejo por aí.

Na semana passada fomos à Jaguarão e conheci a casa da querida amiga Neca. Foi uma tarde muito especial. Com a força de uma leoa, ela mostrou cada pedacinho daquele lugar, que sem dúvida é um grande lar. Cada peça apresentada com carinho, tinha alguma referência simbólica. Era como um retrato dos moradores daquele local.

Isso faz de uma casa um lar. E assim são os lugares mais especiais que conheci na vida.

Lembro também de casas que visitei, extremamente bem decoradas. Daquelas que se vê em revistas e que temos vontade de nos teletransportar na hora, imaginado que a felicidade mora ali. Em muitas dessas casas, não vi a cara de seus donos. As marcas de suas vidas não estava nos bem desenhados móveis sob medida.

A verdade é que a minha prima Andréa tinha razão.

Pode demorar um tempo para se achar um lar de verdade. Mas o que realmente importa, é no dia que encontrarmos esse lugar, depositarmos ali nossos sonhos e desejarmos do fundo da alma que a segunda-feira demore a chegar!

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A bolha

Nunca pensei em criar a Sofia numa bolha, longe da realidade da vida. Mesmo com as seqüelas respiratórias que ela tem, nossa orientação e vontade, sempre foi de colocá-la no girar do mundo, para criar anticorpos.

Mas confesso que nos últimos tempos tenho repensado tudo isso. E não é por causa de vírus, bactérias ou risco de doenças. A realidade anda uma navalha. As notícias que invadem o nosso mundinho pacato não cabem dentro de cidadãos de bem, como nós aqui reunidos. A tal da tecnologia da comunicação faz com que nossa paz seja diariamente rompida com notícias e dramas que jamais pensamos em sã consciência.

Eu ando triste por demais essa semana. Não consigo dar um passo sem alguma nova informação do horrendo crime do tal goleiro do Flamengo me atropelar. Se ligo o rádio enquanto vou levar a Sofia ao colégio, vem a tona mais uma novidade. Ligar a TV nem pensar. Me logo na internet e a página de capa do meu computador já estampa mais um detalhe da barbárie.

E daí me pego pensando na suavidade e doçura daqueles olhinhos que me seguem. Sorte que a cabecinha de um ser humano de cinco anos não compreende metade do que é dito nos noticiários. Mesmo assim fico angustiada em tê-la por perto quando tamanha brutalidade é detalhada, sem dó nem piedade, por nossos colegas jornalistas.

Como explicar a uma florzinha que acha que o namorado será aquela pessoa que vai saltar coraçãozinhos da cabeça, como nos gibis da turma da Mônica, que o fulano matou e mandou atirar os pedaços da fulana aos cachorros. Que o pai da fulana, que pegou a guarda do bebê dessa relação, vai perdê-lo porque é suspeito de estuprar uma menina de dez anos. Como isso tudo cabe na nossa cabeça? Como transformar esse enredo do mal em qualquer coisa mais amena para se dizer a um filho?

Eu nunca assisti a um filme de terror na minha vida. Em fase alguma, juro. E foi uma opção minha, por vontade de nunca ficar pensando em coisas irreais, que pudessem tirar o romantismo da vida. E não é que a vida real tem me proporcionado cenas bem mais picantes que as imaginadas em Hollywood?

Do jeito que as coisas andam, vou adaptar o roteiro De “A vida é bela”, ou criar um planeta como o “Pequeno Príncipe” para criar minha filha.
Nos últimos tempos, a realidade não tem tido graça nenhuma, bem melhor seria viver na tal da bolha!

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O beijo de Galeano

Foto: Nauro Júnior

Era um sábado como outro qualquer, se não tivesse tocado o meu celular cortando a calma da tarde. Eu não imaginava que a partir daquele telefonema, começaria a trajetória de um encontro que jamais imaginei ter, mesmo que com 650 quilômetros de distância entre os protagonistas .

Do outro lado da linha, a chefe do Nauro dizia que ele iria para Montevidéu, para cobrir o clima de euforia do povo uruguaio em função do jogo da semifinal da Copa do Mundo. Eufóricos ficamos nós com a notícia, já que uma cobertura internacional é sempre um presente para um jornalista. Tratamos de agilizar a parte prática da viagem, para que ele embarcasse no TTL de domingo à noite. Passagem na mão, mala pronta, equipamento afiado.

Ele se despediu meio nervoso, parece que prevendo que aquela não seria uma cobertura qualquer. Em Montevidéu o repórter Diogo Oliver o aguardava para traduzirem em texto e imagens a emoção dos seguidores da Celeste. Enquanto isso, eu aqui tratei de tocar a vida, acabar algumas pendências e organizar a rotina da Sofia.

Na segunda-feira, como de costume, acordei cedo e já me conectei à internet para começar o trabalho do dia. Falei rapidinho pelo MSN com o Nauro, que tinha chegado bem e estava tomando pé das coisas por lá. Seguimos cada um no seu curso, até que pelas 11h ele me chama de novo.

- Sabes quem vamos entrevistar hoje a tarde?

E eu sem a menor idéia e meio sem paciência, fui direto ao assunto.

- Não sei, conta logo.

E ele, sabendo que eu iria ficar maluca, digitou cada sílaba na tela azul:

- Ga-le-a-no!

- O quê? Não acredito, que máximo!!! Ah, como eu queria estar aí. Aiii meu Deus, então manda um beijo meu pra ele, e diz que ele norteou meus passos desde a adolescência. Sou louca por ele!

Não consegui mais trabalhar. Começava a fazer alguma coisa, e quando via estava viajando pelas páginas de “Veias abertas da América latina”. Este, assim como tantos outros livros que sempre inspiraram minha alma. Me perdia pensando no quanto a obra deste grande escritor tinha influenciado as minhas escolhas de vida. Ele e a Isabel Allende sempre foram as minhas adorações literárias. Sou apaixonada pela dupla.

O Galeano tem uma coisa que admiro demais. Ele é fiel a si mesmo. Diz o que pensa, mesmo que de forma irreverente. Está convicto de suas idéias, que sempre condizem com a sua essência. É daquelas pessoas que sentimos orgulho em estar vivendo na mesma época que nós.

Bueno, a entrevista era às 15h, e no final da tarde o Nauro me chama de novo no MSN. Estava totalmente inebriado com aquele momento singular. Para nós, que tanto o admiramos, são instantes mágicos. Então ele começa a descrever detalhes da entrevista, feita em um charmoso café chamado “Café Brasileiro”. O Nauro, ciente de que aquele seria um momento para contar aos nossos netos, gravou toda entrevista com o celular. Papo vai, papo vem, e no final o Nauro conta que sou apaixonada por ele, e que desde jovem leio seus livros. Com àquele jeito único, Galeano responde:


- Coitada da moça, é uma vítima.


O Nauro aproveita e diz que eu mandei um beijo, conforme a recomendação feita a 650 quilômetros de Montevidéu. Foi aí que o grande momento aconteceu. Ele olhou para câmera e disse olhando nos meus olhos:


- Gabriela, Gabriela, que emoção, eu estou lhe enviando um beijo.


E olhou para o Nauro e disse:


- Não sejas ciumento.


O Nauro ainda brincou com ele, que não poderia sentir ciúmes, já que o meu amor por Galeano era anterior ao nosso casamento. Foi quando ele disse:


- Não te preocupes, eu te autorizo a amá-la como se fosse eu!


Gente, depois desse presente eu vou guardar essa Copa do Mundo da África para sempre no meu coração. Não tem hexacampeonato que valha mais do que um beijo do Galeano.


Sinceramente, eu não sei vocês, mas eu... tô levando a taça pra casa!!!!

"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar."

[ Eduardo Galeano ]