quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Laços heterogêneos

Acordei com saudades de uma velha amiga. Nos conhecemos na praia do Cassino, aos 14 anos, e já contei aqui em algum post que nossa proximidade surgiu pelo fato de sermos as “girafas” da turma. Na média do padrão adolescente, já despontávamos com um pezinho 39 e mais de metro de perna.

Isso pode ser lindo hoje, na materialização da Gisele Bündchen, mas na puberdade, tudo vira um problema. Então a Lilian e eu resolvemos aquele desconforto de sermos fora do padrão, juntando nossos centímetros e desfilando independentemente do grupo, pelas avenidas de terra batida onde pipocavam nossos amores platônicos. Descobrimos bem mais que isso!

Terminado o verão ela seguiu para capital e eu para Pelotas. Mas nosso vínculo de amizade ultrapassou a geografia e em pouco tempo trocávamos fitas gravadas (naquele tempo tinha!) e cartas coloridas, contando nosso cotidiano. Assim passamos o outono, inverno, primavera, até nos encontrarmos no verão seguinte.

Esse laço de amizade dura até hoje. Ela já virou mundo. Morou em quatro países diferentes e finalmente voltou ao Cassino para achar seu norte. Nesses anos todos, sempre achamos um jeito de nos conectarmos. As cartas multicoloridas deram lugar à tecnologia do mail, skype e MSN. Mas a caixa onde guardo essas relíquias permanece intocável, como parte viva da minha memória. São as provas materiais de uma amizade de verdade.

Dia desses passei a tarde relendo nossas aventuras. Foi como dar “play” em um filme guardado dentro de mim. Tenho dificuldade de memória, quase não lembro coisas que aconteceram há poucos anos. Então aquela viagem foi como uma deliciosa visita aos meus momentos de descoberta da vida.

Desde a adolescência sempre tive como marca amizades heterogêneas. Tenho amigas de todos os pelos, jeitos e estilos. Mas não são amigas comuns, são grandes parceiras. Pessoas que mantenho vínculos profundos e firmes, e que sei que posso contar.

Esse ano, com a chegada da Sofia ao mundo escolar, também desbravei novos caminhos. Aquele ambiente que de início me pareceu estranho e inodoro me deu na verdade ares de renovação. Ganhei amigas novas, permeadas pelos laços de nossos filhos.

Em plena véspera de completar 42 aninhos, me dou conta que continuo com o mesmo coração adolescente das ruas de chão batido do Cassino. Agora em vez de creme para amainar as espinhas, nosso desafio é disfarçar as ruguinhas que começam a acenar. Mas a essência é a mesma. Queremos muito da vida. Todas nós, em todas as idades, de todos os jeitos, estilos e temperamentos.

E o melhor dessa história é que a maturidade nos dá a verdadeira noção de que temos que celebrar nossas amizades. As de ontem e as de hoje!

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Vida

Foto: Nauro Júnior

Ando de olho na vida. Olhando para ela mais de perto e com mais cuidado. Diariamente alguns sinais sublinham o quanto ela é fugaz, efêmera, preciosa.


Hoje acordei especialmente apaixonada por essa oportunidade que temos, de estar aqui e agora. Sem passado, sem saber do futuro, mas no lugar certo, na hora real.


O dia está nublado e cinza, mas a inspiração veio dos últimos dias. Primeiro o Jason, bebê do post anterior, acabou falecendo. Depois, no sábado passado, uma menina que foi colega de faculdade, faleceu em uma mesa de cirurgia. Foi fazer uns exames rotineiros e descobriu que precisava fazer uma cirurgia. Era de urgência, de risco. E foi ali que tudo acabou. Como um sopro.


E assim é o roteiro, sem aviso prévio, sem preâmbulo. Por isso o negócio é pra ontem, pra já.


Sorrir e gargalhar bem mais, por bem menos. Abraçar muito. Coisa boa é um abraço quentinho. No meio da rua, sem motivo ou regra. Beijar então, nem se fala. Todo mundo beija muito pouco. E não é só o marido ou namorado. O pai, a mãe, o filho, os amigos, aquela pessoa que a gente admira de longe. Surpreender com um beijo carinhoso, sempre é bem vindo.


Lembro da primeira vez que li o poema “Instantes”, que é erroneamente creditado à Jorge Luis Borges. Aquele epitáfio literário me deu uma profunda angústia.


“...Porque se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos;
não percam o agora.
Eu era um daqueles que nunca ia a parte alguma sem um termômetro,
uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas e, se voltasse a viver, viajaria mais leve...”


Na época eu tinha 17 anos, e lembro que depois disso nunca mais usei guarda-chuva. Até hoje nego a companhia desse objeto protetor, que nos poupa de gripes e roupas molhadas. É minha forma de sentir a vida pingando nos dias de chuva. É uma forma adolescente de lembrar o que não devo esquecer: viver mais, muito mais profundamente.


E assim retomo meus escritos nesse lugar que tanto me faz bem. Com uma paixão absoluta por tudo que me faz estar aqui. Paixão por um companheiro que me chegou há quase uma década, para me lembrar a importância da alegria no nosso dia-a-dia. O quanto sonhar nos mantém acordados e ainda me deu o meu maior presente. Uma filha maravilhosa, ser de luz, que veio para nos mostrar o quanto essa vida é rara.


Então vamos a ela, sem rodeios. Vamos à vida e a toda paixão que ela possa nos fazer sentir!

domingo, 12 de setembro de 2010

O lado bom

Foto: Nauro Júnior


Essa semana o clima aqui em casa anda de comoção. Desde quinta-feira o Nauro está envolvido com uma pauta que nos mexeu bastante. É a história de uma mãe, de 22 anos, que percorreu 686 quilômetros, entre quatro cidades e três hospitais, na esperança de tenta salvar a vida do filho Jason.

Ele passou a tarde de quinta na UTI Neonatal do Hospital da FAU, onde mãe e filho reviviam um sentimento que já sentimos um dia. Ele disse ter visto nos olhos de Piera, a intensidade do amor incondicional que move as mães de UTI, e que ele bem conhece.

Sua missão era tirar uma foto que conseguisse retratar tudo isso. Aquela imagem que vale por mais de mil palavras, sabe? E foi isso que ele fez.

Chegou em casa triste, com um peso na alma. Aquela sensação de impotência que sentimos frente a uma situação que já passamos. Foi dormir calado, depois de mostrar as fotos e a beleza de cena de cumplicidade entre mãe e filho. Eu fiquei mais um tempo zapeando pela TV, lembrando dos olhos da Sofia durante os nossos três meses de UTI. Foi uma noite estranha.

No dia seguinte a matéria publicada na página 34 de Zero Hora contava a história do bebê de 42 dias que precisava de atendimento especializado, e corria contra o tempo. A foto, diagramada no lado direito da página, tinha angústia e ternura. Dois sentimentos antagônicos, que só com palavras não traduziriam a fidelidade da situação. O texto dizia:

“Mãe de primeira viagem, ela corta o Estado em carros e ambulâncias pela sobrevivência de Jason de Mello Brondani, que tem uma má formação no intestino. O menino, que completa 42 dias de vida hoje, aguarda há 40 uma transferência para Porto Alegre”.

Acordamos com o Sancler, repórter da sucursal aqui de Pelotas, ligando para dizer que a matéria tinha mexido sentimentos. O médico José Roberto Saraiva, gerente de internação do Hospital da Criança Conceição (HCC) leu a matéria logo cedo e já contatou a central de leitos para ver se tínha como receber o bebê.

Enquanto isso leitores de todos os cantos ligavam para Zero Hora. Em Pelotas o Nauro recebeu a ligação de um senhor que dizia ser muito feliz por ter três filhos saudáveis, e queria de alguma forma agradecer, ajudando a menina nas despesas. E assim foram várias mãos que se estenderam durante o dia.

No final da tarde veio a notícia de que mãe e filho embarcariam às 19h em uma ambulância para serem transferidos para o hospital da capital. Jason tem uma parte não funcional do intestino delgado, mais exatamente a que é responsável pela absorção de nutrientes. Para que possa se desenvolver, precisa se alimentar com uma fórmula especial, e o tratamento indicado é em Porto Alegre, no Hospital de Clínicas, referência ao lado da Santa Casa.

Nova sessão de fotos com a mãe de Jason, agora com um sorriso no rosto e os olhos brilhantes. Nauro e Piera se despediram com um abraço cúmplice.

Por volta das 19h30 Piera e Jason entraram na ambulância para mais uma jornada.

No sábado a dupla estampava a capa da Zero Hora, em um cena cheia de emoção. Sabemos que essa história ainda tem muito a ser escrita, mas o que conforta no momento é saber que de alguma forma o jornalismo pode ter um lado bom.

E por aqui, seguimos os três na torcida por Jason e Piera. Enquanto isso cumprimos nossas pautas cotidianas, na esperança de mudar alguma coisa a nossa volta!

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Agosto

Me despeço do mês de agosto com um certo alívio. Longe das superstições, sempre foi tempo de aniversários aqui em casa. Primeiro minha avó, depois meu pai e minha irmã. Dois leoninos e uma virginiana, fazendo do mês afamado tempo de alegria e celebração.

Mas, coincidência ou não, esse agosto foi deveras pesado. Nas duas últimas semanas um turbilhão de pequenas coisas fez com que eu desejasse ver as cores de setembro com ansiedade.

Primeiro peguei uma virose, dessas que metade da população está. Só que em função de já estar debilitada, meu corpo recebeu o vírus de portas abertas. Tive febre beirando os 40, prostração total e fiquei uma semana de cama. No primeiro dia que saio de casa, para retomar as rédeas do meu cotidiano, um acidente de trânsito! Um carro me bateu na traseira, jogando meu carro contra um abrigo de táxis.

Eu não conseguia entender o que estava acontecendo, simplesmente estava dirigindo e um impacto violento me tirou do ar. Eu só sabia chorar e dizer que tinha que buscar minha filha no colégio. Passado o susto o saldo foram danos materiais, que se resolvem. Eu sai inteira, só com uma sensação de ter passado pelo triturador, de tanta dor no corpo.

Bueno, passado esse transtorno pequeno eu pensei:

- Agora vai!

Na segunda-feira a tarde retomei finalmente minhas atividades profissionais, que a essas alturas estavam mais que atrasadas. No meio da tarde a professora da Sofia me liga do colégio, dizendo que ela estava com 39 de febre, e que eu fosse buscá-la. Sai voando as tranças e em poucos minutos já estava de posse da minha mimosa, com todos os cuidados necessários.

Se não bastasse a aflição, o Dr. Flávio está viajando e só retorna hoje. Consegui um horário para ele vê-la, às nove da noite, e enquanto isso vamos driblando a preocupação. Já foram duas noites insones, com aquele febrão que apavora qualquer mãe.

Então hoje acordei e me deparei com setembro. Mesmo com um dia cinza enxerguei a proximidade da primavera, e isso me deu ânimo. Lembrei de uma frase que pela adolescência toda povoou minhas agendas colegiais.

"Aprendi com a primavera a me deixar cortar.
E a voltar sempre inteira"


Acho que Cecília Meireles soube traduzir com toda sua genialidade, o poder de fênix que habita em todos nós. Sempre existe um renascer, seja por um período de intercorrências simples, como o que eu passei, ou por assuntos mais sérios. A vida nos ensina diariamente a reflorescermos.

Que seja muito bem vindo setembro!