sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Valores

Hoje de manhã recebi um mail falando sobre uma campanha publicitária que o Citibank fez em São Paulo. Eles espalharam outdoors por toda cidade, com frases fortes sobre a relação entre dinheiro e vida.

A primeira frase diz:

“Crie filhos em vez de herdeiros”

Simples assim.

Os nascidos no final da década de 60, como eu, cresceram em meio a ebulição dos novos conceitos. Passamos de uma geração que pensava em deixar herdeiros, para uma que queria liberdade e muita felicidade.

Na verdade, acho que somos a metamorfose ambulante nesse desabrochar de novos conceitos. Mesmo assim, a frase acima permanece intocável. Todos nós queremos criar seres humanos felizes, acima de tudo.

Mas a verdade é que educar um filho não é tarefa fácil. Não tem bula. Muito menos manual, e quando toca a nossa vez, parte das teorias aprendidas por anos vão por água abaixo.

Tudo requer uma dose de sabedoria e muitas de intuição. Caso contrário a coisa vira um estresse bárbaro e o melhor do cotidiano se perde nas pequenices.

Como já escrevi aqui, no início do ano a Sofia entrou para o colégio. No meu primeiro embate de valores encarei de frente a tal mochila de rodinhas. Foi o primeiro golpe nas minhas certezas.

Aos poucos fui entendendo como dosar o que penso da vida frente a esse novo universo. Tudo isso sem agredir, chocar, parecer rabugenta.

Nada fácil essa tarefa de mãe. Nada fácil equalizar os valores verdadeiros dos financeiros nesse mundo que gira mais rápido que o nosso.

Tarefa árdua a de educar, mas ao mesmo tempo fascinante e deliciosa. Talvez o melhor dos paradoxos da vida cotidiana. A eterna interrogação que me persegue do acordar ao dormir.

Nunca pensei em ter conta no Citibank, mas confesso que se eles queriam a minha simpatia, ganharam. E mesmo que eu tenha a certeza, mais que absoluta, de que eles preferem que os nossos filhos fiquem ricos e engordem os seus balanços anuais, eu finjo que acredito.

A essência do que eles disseram não tem preço!

"Crie filhos em vez de herdeiros"

"Dinheiro só chama dinheiro, não chama para um cineminha, nem para tomar um sorvete"

"Não deixe que o trabalho sobre sua mesa tampe a vista da janela"

"Não é justo fazer declarações anuais ao Fisco e nenhuma para quem você ama"

"Para cada almoço de negócios, faça um jantar à luz de velas"

"Por que as semanas demoram tanto e os anos passam tão rapidinho?"

"Quantas reuniões foram mesmo esta semana? Reúna os amigos"

"Trabalhe, trabalhe, trabalhe. Mas não se esqueça, vírgulas significam pausas..."

"...e quem sabe assim você seja promovido a melhor (amigo / pai / mãe / filho / filha / namorada / namorado / marido / esposa / irmão / irmã.. etc.) do mundo!"

"Você pode dar uma festa sem dinheiro. Mas não sem amigos."


E para terminar, mensagem afixada na parede de uma farmácia:

"Não eduque seu filho para ser rico, eduque-o para ser feliz. Assim, ele saberá o valor das coisas e não o seu preço”

domingo, 21 de novembro de 2010

Pipoca de mel

Me criei correndo e brincando em meio as escadas e bancos do Hipódromo da Tablada. Minhas fotos de infância mesclam entre aniversários, natais, e fotos ao lado de cavalos, jóqueis e todo aquele universo que foi meu cenário de menina.

Posso dizer que desde que me entendo por gente meu pai faz parte dessa história. No ano passado, quando ele decidiu formar uma chapa, e se candidatar à presidência do Jockey Club de Pelotas, fiquei receosa. Ele estava em plena luta contra um câncer, que já tinha levado seu rim direito.

Enquanto isso a antiga diretoria estava atolada em estórias muito mal contadas. O abacaxi não era pequeno e ainda por cima muito azedo. Cheguei a comentar se aquele seria um bom momento, já que imaginei que teria um desgaste além do imaginável. Pensei que não seria o melhor remédio.

Com seu estilo singular, meu pai me respondeu:

- Eu sou homem de morrer lutando!

Acatei sua decisão e durante este ano e meio o apoiei incondicionalmente. Foi uma árdua batalha pela revitalização do nosso querido “prado”. Liminares na justiça e pressão por todos os lados.

Depois de muita água rolar por debaixo da ponte, este domingo foi marcado pela reabertura da Tablada. Apoiado por um grupo de fiéis escudeiros e pela força impressionante da minha mãe, eles conseguiram. O Jockey Club de Pelotas reconquistou a Carta Patente, ganhou novos ares e estava de volta, ainda mais especial.

Quando nos aproximamos de carro e vi aquele pavilhão repleto, comecei a me emocionar. Eu não imaginava que tanta gente estaria lá. Eram pessoas das mais variadas idades. Famílias inteiras, amigos, desconhecidos. Eram os velhos freqüentadores do prado, que estavam órfãos do seu programa de domingo. Eram os jovens, empolgados como a retomada de um patrimônio de todos.

Percorri as velhas escadas da Tablada inebriada com a alegria daquele público. Vi lágrimas escorrendo dos olhos de gente para quem o Jockey era parte de sua vida. Entre abraços e sorrisos, enxerguei o quanto tinha valido à pena aquela batalha. Senti um orgulho enorme transbordar do meu peito.

Desci para comprar uma pipoca para Sofia. Contei que quando eu tinha a idade dela, sempre comia uma pipoca com mel, que vendia atrás do pavilhão dos remates. Nos dirigimos para carrocinha e uma moça simpática nos atendeu. Pedi uma salgada para Sofia e nisso vi que ela tinha a tal da pipoca com mel, uma raridade entre os pipoqueiros modernos.

Comentei com a menina que quando eu era pequena sempre comia aquele tipo de pipoca, e que me dava um gosto de infância na boca. Falei que tinha um pipoqueiro que sempre ficava naquele local e que era uma referência para o meu tempo de criança. Foi então que ela brilhou os olhos e me disse:

- Era o meu pai!

Enchi os olhos de água e sai com a Sofia pela mão, saboreando aquele gosto maravilhoso de domingo.

Eu não disse pra ela, mas tive a certeza de que meu pai tinha feito a coisa certa!



sábado, 20 de novembro de 2010

Carmim


Foto: Nauro Júnior

Cada fase da vida tem suas descobertas. No meu caso, em especial, elas invariavelmente não seguiram a cronologia típica das idades apropriadas. Desde o primeiro beijo, que foi aos 15 anos (pasmem!), até o último feito desta manhã.

Hoje, 20 de novembro de 2010, eu pintei as unhas de vermelho pela primeira vez.

Sim, é fato! Tenho 42 anos de idade, uma filha, três cachorros, uma empresa que vai completar cinco anos, e só hoje pintei as unhas de carmim. Uma cor de esmalte chamada “40 graus”. É tão vermelho, que o tom vibrante está atrapalhando a minha desenvoltura no teclado neste momento. Acreditem!

Durante essas quatro décadas, o máximo que vi nas mãos e nos pés foi um verniz esbranquiçado, quase que protegendo as unhas. Informação nada relevante, se pode pensar.

Não, se este simples ato não estivesse permeado de significados. O passo de hoje foi bem mais do que um certo retardo de iniciativa.

Todos nós temos coisas que nunca fizemos na vida. Desde bobagens, como essa que estou contando, até atos fortes, tão intensos quanto a coragem que necessitamos para quebrar paradigmas. Mesmo que estes sejam impostos pela nossa cabeça.

Na lista de 2010, ainda conquistei a primeira sandália de salto alto. Essa foi comprada na véspera do meu aniversário, para alegria do meu marido. Ele sempre sonhou em me ver além de uma rasteirinha. Então deixei os tênis no armário e fui em busca de um desafio.

Com a sandália comprada e o Nauro realizado, o primeiro paradigma da minha caixinha da pandora foi quebrado. Ele se animou tanto com a novidade, que na viagem à Gramado me deu mais uma sandália, com salto ainda maior. O desafio agora é caminhar mais que 500 metros sem achar que corri uma maratona. Não é mole!

Mas voltando a coisas que nunca fizemos na vida...

Quando completei meus 40 anos, idade emblemática, pensei nesse assunto pela primeira vez. Cogitei cortar o cabelo bem curtinho. Mas não tive coragem, acho que não combina com o meu rosto e podia gerar uma frustração no primeiro passo dessa aventura.

Depois pensai em fazer uma tatuagem no pé, que sempre sonhei. Não tive coragem. Daí imaginei comemorar meu aniversário pulando um bung jump, mas adivinha...não tive coragem.

Amadureci essa ideia, e nesse final de ano resolvi começar uma lista de coisas que até hoje não fiz para começar a mudar essa história. Com um déficit de dois anos, é claro, mas decidi.

Quero chegar no final da estrada sem frustrações ou medos.

Comecei com as coisas mais superficiais, como as unhas cor de carmim. Neste momento confesso que estou me achando a pessoa mais estranha do mundo. Mas tudo bem, o que importa é que consegui riscar o primeiro item da minha lista. Não sei se agüento até amanhã, a sorte é que hoje à noite vamos à uma festa de casamento e minhas unhas vão se misturar na multidão.

Mas já aviso que a tatuagem deve vir ainda no verão de 2011. Depois disso, o céu é o limite.

E aí, gostou da idéia? Quem sabe a gente não cria um "movimento carmim”, e a vontade de fazer o inusitado não se alastra por aí.

O primeiro passo é simples....vai por mim!


domingo, 14 de novembro de 2010

Meteoro


Tenho a mania de colocar um Cd no carro e deixar derreter, de tanto tocar. Fico dias, até semanas, com o mesmo repertório. Uma mistura de preguiça de trocar e ao mesmo tempo saudade da velha trilha das minhas fases da vida.

Semana passada achei uma raridade que ganhei da minha mãe há tempos. Trata-se do disco dos 30 anos de carreira da Mercedes Sosa, uma verdadeira relíquia.

Ouvi La Negra pela primeira vez no long play da minha mãe, que ficava na sua salinha de som. Pois então, minha mãe tinha um canto só pra se deleitar com seus Lps. Eles tocavam em um aparelho quase do meu tamanho, levando em conta que eu devia ter uns sete anos.

Aprendi desde pequena a ouvir e sentir a força da música. E por sorte, minha mãe sempre teve bom gosto musical. Lembro de duas passagens que me dão essa certeza. Uma delas foi quando a Mercedes Sosa se apresentou aqui, em um show histórico, nos idos de 88, em pleno palco do Teatro Avenida. Minha mãe totalmente inebriada pela música de La Negra, estava na fila do gargarejo, cantando e dançando.

A outra foi quando Chico Buarque esteve no espetacular Latino-Música, aqui em Pelotas. Um festival daqueles de arrepiar, com o melhor da música latina. O show do Chico caiu bem no dia do meu aniversário. Não teve problema. Lá pelas sete da noite, minha mãe “convidou” os convidados a irem para suas casas e me levou pela mão para o espetáculo. Tivemos que "rasgar" um segurança para conseguir entrar. Ela conseguiu um banquinho e me colocou em cima, para ver de perto o "cara".

Na época já pude dimensionar o tamanho do presente que ela me deu naquele dia.

Mas voltando ao meu rally musical.

Tenho rodado a cidade, no leva-e-traz de colégio, supermercado, clientes e afazeres domésticos, sempre ao som de alguma música. A Sofia, na sua cadeirinha, já selecionou os repertórios que mais gosta. E assim cruzamos as ruas da cidade acompanhadas de Marisa Monte, Vitor Ramil, Zé Ramalho, Mercedes Sosa e muitos outros. Ela faz perguntas e canta algumas estrofes.

Mas nos últimos tempos, me veio com uma surpresinha.

Do nada, começou a cantar um repertório estranho:

Te dei o sol, te dei o mar
Pra ganhar seu coração.
Você é raio de saudade,
Meteoro da paixão,
Explosão de sentimentos
Que eu não pude acreditar.
Ah! Como é bom poder te amar!


Socorro! Mas o que é isso criança???!!

Na hora fui indagar de onde tinha saído aquela pérola musical. Até porque ela sabia toda letra, e o pior, no ritmo. A resposta veio rapidinho. Tratava-se do tal de Luan Santana, o queridinho das pré-adolescentes, entre elas a prima Luísa, sua “ídola”.

E agora??!!

Bueno, em um primeiro momento eu disse que não achava muito legal a tal música. Mas mesmo longe do período adolescente, a pirralha de cinco anos gritou.

- Mas eu adoro mamãe, e vou cantar!

Democracia tem disso. Então deixei a psicologia de lado e tive que ser enérgica.

- Música sertaneja aqui nesse carro nãooooooooooooooo!!!

E a danadinha só pra me provocar começou a cantar mais alto ainda. Assim fomos até chegar ao estacionamento do colégio. Cada uma com o seu repertório, e eu com menos de cinco anos de idade. Confesso que fui infantil, não tive habilidade!

Não sei como será o desenrolar dessa história. Mas a verdade é que nos meus tempos de infância a qualidade musical era melhor. Até o pior não era ruim. Não lembro de nada que se assemelhasse a “boquinha da garrafa” ou “funk da mulher qualquer coisa”. Música era feita com consistência e talento. Longe da miscelânea midiática que entra pelas frestas das nossas casas e contamina nossos filhos.

Talvez tenha sido mais fácil para minha mãe nos dar o norte musical. Mas a verdade é que enquanto eu dirigir aquele carro e escolher o cd, o meu repertório musical vai prevalecer. A Sofia que me desculpe.

Enquanto isso, fico na esperança que o sertanejo teen seja mais um “meteoro” no cenário musical, e que rapidinho resolva estudar no exterior ou virar budista.

Tomara! Porque a danada da música não sai da minha cabeça.

Que saco!






segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Nhoque da sorte


Tem duas coisas que me remetem a afetos. O paladar e a música.

No dia do meu aniversário fomos a uma cantina lá em Gramado. Era dia 29, e eu pedi para que naquela noite nossa janta fosse um “nhoque da sorte”.

Além de ter a tal tradição italiana, essa sempre foi a comida que minha avó Nóris fazia para o meu aniversário.

A Chochó, essa avó que morava conosco, tinha esse ritual, de que o aniversariante escolhia a comida no seu dia. E cada dia 29 de outubro que passei com ela, me fartei em travessas de nhoque recheadas com molho ao sugo. Inigualável. Era sempre a mesma coisa, e eu amava.

Então voltando aos dias de hoje. Chegamos a uma cantina um pouco vazia, recém inaugurada, nas redondezas da Avenida das Hortênsias. O garçom simpático, logo veio puxando assunto e contando que a casa era nova. Entre uma informação e outra, não deixou de ressaltar que o chef era um renomado gourmet, e que vinha da cozinha da famosa Cantina Pastasciutta em busca de abrir seu negócio próprio.

Contei então que eu estava de aniversário naquele dia, e que iríamos comemorar jantando ali, e testando o chef. Falei do prato que minha avó me homenageava, e resolvi pedir esse menu nostálgico para celebrar os 42 aninhos de vida.

Enquanto comíamos o antepasto, com um vinho da serra, comecei a viajar no passado. Tentei lembrar daquele sabor singular, que me fazia sentir tão querida pela minha Chochó. Lembrei da toalha de olhado, com estampa de frutas, que ficava na mesa da sala de jantar. Enxerguei os descansos de talheres, que causavam espanto nas minhas amiguinhas de colégio, já que eram um tanto incomuns nas mesas cotidianas.

Vi como se estivesse ao meu alcance, o passador de pratos de madeira, pintado de azul colonial, que ficava atrás da cadeira da cabeceira, e que tinha toda uma explicação histórica do tempo dos charqueadores. Aquele meu cenário infantil me veio à mente com clareza e raros detalhes, coisa que minha péssima memória não me brinda quase nunca.

E como num filme, nesse momento, o garçom deita em minha frente uma travessa de nhoque com molho ao sugo.

Como num ritual indígena, fechei os olhos e abri a boca para perceber o sabor com toda sua intensidade. O garfo recheado daquela porção mágica me levou para uma dimensão que só o paladar pode conduzir

A textura do nhoque estava idêntica. Nem mais, nem menos. O molho tinha a quantidade exata de tomates e a pitada de manjericão na medida para me levar a um outro lugar do tempo e do espaço. Lá, naquela noite chuvosa de Gramado, pude sentir minha avó querida.

Matei a saudade e recebi um abraço de aniversário mergulhada em molho ao sugo.

Terminada a refeição peguei a nota de um dólar debaixo do prato para guardar na carteira e fui até a cozinha apertar a mão do tal chef. No final, dei um abraço apertado e disse a ele que o prato estava perfeito. Ele me respondeu dizendo que a comida e o afeto são uma coisa só.

Realmente!

Ele talvez não tenha entendido a profundidade daquele momento pra mim, mas como todo bom chef, sentiu. Me disse que estava ansioso em saber se a cantina ia de fato decolar.

Pelo que vi acontecer ali, acho que tem tudo para dar certo. Ainda mais se minha avó continuar dando o tempero nos pratos dele. Tenho certeza de que será um sucesso!