sábado, 17 de março de 2012

Breve como um suspiro

Escrevo quase que diariamente para mim mesma que temos que viver o aqui e agora. Quem me lê no Facebook oi aqui percebe esse sentimento que volta e meia transborda.

Não sei lidar com a dor nem com a tragédia. Não consigo imaginar de forma consciente que o lindo dia de sol de uma sexta-feira possa ser o último.

Preciso me espiritualizar mais. Sentir o que na teoria imagino ser a verdade. Não acaba aqui, isso é uma passagem.

Quero tomar um elixir que me acalme frente às incompreensíveis surpresas do cotidiano.

Eu me envolvo. Mergulho. Fico imersa na dor alheia.

Sei toda teoria acadêmica do jornalismo. Mas não me encaixo no distanciamento que protege. Sou uma eterna "foca", como se diz no meio.

Não por acaso, ontem ganhei uma correntinha com o espírito santo da minha mãe. Minutos depois de colocá-la no pescoço o telefone tocou.

Sou assessora de imprensa de uma concessionária de rodovias. A primeira a saber dos acidentes nas estradas. Cabe a mim a missão de avisar à imprensa.

Ontem o acidente foi muito próximo. Das nossas vidas, da nossa casa, dos nossos sonhos.

A tarefa não se limitou a informar o número de óbitos, vítimas ou condições de tráfego. Pelo celular chegaram prantos desesperado de amigos e parentes em busca da confirmação de informações.

As notícias pipocavam desencontradas.

Atendi a coordenadora do hospital que o grupo de amigos trabalhava. Não consegui ser profissional. Ela me perguntava se eu sabia se a van era de funcionários do hospital.

Não consegui me conter. Chorei com ela.

Enquanto as notícias se confirmavam fechei os olhos e fiquei pensando. Imaginando o que aquela gente jovem tinha imaginado quando acordou naquela sexta-feira ensolarada.

Um dia comum e especial. Com as cores únicas do verão que se despede. O céu fica mais azul, o vento suave refresca a alma.

Eram mães jovens, que como eu, não saem de casa sem um beijo demorado na cria. Deixam as recomendações e partem para a labuta pensando na hora do reencontro.

Como não doer ao imaginar que aquele momento foi o último?

Uma tempestade de dor invadiu a vida de muitos. Mesmo quem não conhecia as vítimas parou o relógio e olhou ao redor.

A verdade é simples: todos os dias acordamos sem saber o fim da história.

Eu sei da teoria. Mas queria criar um mundo a parte. Como no filme “A vida é bela”. Não temos como impedir que as coisas aconteçam.

Só podemos viver e aceitar. Ter ânimo. Ir adiante e viver a vida com urgência. Porque ela é assim mesmo, breve como um suspiro.

sábado, 3 de março de 2012

La ninã e a vida

Foto: Nauro Júnior

Nunca consigo assistir às películas anunciadas na TV por assinatura. Sempre penso em me programar, mas a nossa rotina de solavancos não deixa.

Essa semana a TNT anunciava uma série de filmes ligados à intensidade da vida e da morte. Estranha definição, mas foi assim que entendi.

Não consegui assistir a todos, mas dois deles me deixar em pleno turbilhão.

O primeiro foi “Noites de tormenta”, com Richard Gere e a Daiane Lane. O filme é extremamente simples, mas daqueles que nos deixa com uma família de pulgas atrás da orelha.

Além da fotografia maravilhosa do Affonso Beato, que estará pelas bandas do sul com “O Tempo e o Vento”, o argumento se baseia nas nossas escolhas.

Ela faz o papel de uma esposa, que depois de traída, resolve tirar uns dias na praia para pensar no rumo que dará à sua vida. Enquanto isso o marido arrependido fica em casa com os dois filhos, insistindo por telefone em que a mulher o perdoe.

Nessa casa de praia ela hospeda um médico desconhecido, que vai até o vilarejo à procura do perdão da família de uma paciente. A mulher morreu durante a cirurgia e a família move uma ação contra ele, acusando de negligência.

O encontro dos dois acontece ao mesmo tempo em que o lugar espera a chegada de um furacão.

Na noite em que os ventos assolam a região os dois se enxergam de verdade. O romance começa. Ali ambos se despedem de um caminho da vida e começam outro.

Não vou contar todo filme. Mas posso garantir que naquele ponto da vida eles fizeram uma escolha. Decidiram descer na estação e pegar o mesmo trem.

O outro filme é "Antes de partir", com a dobradinha magnífica formada por Morgan Freeman e Jack Nickolson.

Os dois se conhecem no quarto do hospital. Recebem ao mesmo tempo a notícia de que estão com câncer terminal. Com a sentença do médico decidem chutar o balde. Fazem juntos uma lista de coisas que sonham em fazer antes de morrer.

E com esse propósito se livram dos catéteres, quimioterapias, aventais azuis e se jogam de bunge jump na vida.

Em ambos os filmes os protagonistas seguiram juntos a partir daquele momento de encontro. Um novo caminho. Independente do que tenha acontecido no final do filme, eles partiram juntos.

E foi exatamente isso que me tocou. As metáforas diárias da nossa vida. Os encontros e partidas.

Como no filme do Richard Gere, o vento volta e meia varre as nossas certezas. Leva adiante aquela caixinha de argumentos que criamos para justificar nossas decisões.

Quantas vezes calafetamos a casa para que a água não entre. Mas a vida é exatamente como a natureza, não tem previsões. Por mais que aponte para dias ensolarados, La niña pode chegar com seus caprichos.

E então a enxurrada nos surpreende.

No roteiro da dupla que descobre o câncer, a espinha dorsal do filme nos inspira a fazer uma lista imediatamente. Por que esperar a tempestade?

Mas assim caminha a humanidade e por mais que saibamos, permanecemos inertes. Com medo de alguma coisa. De algo que nem mesmo sabemos.

Os dois filmes têm o poder de remexer nas frestas que acreditamos tapar com buchas de algodão. No final do filme meu quarto foi inundado obviamente.

Por mais que a gente insista em perpetuar a vida, ela está em constante ebulição. São as tais chegadas e partidas, sempre à frente da nossa estrada.

Sem mais nada a declarar, deixo o final para o Milton Nascimento...

“São só dois lados da mesma viagem,
O trem que chega é o mesmo trem da partida,
A hora do encontro é também de despedida,
A plataforma dessa estação é a vida desse meu lugar,
É a vida!"