quarta-feira, 26 de maio de 2010

Da pá virada

Que os homens são de marte a as mulheres são de Vênus eu já sabia. Não li o tal livro famoso, mas na prática compreendi o significado amplo da metáfora. Até aí tudo bem, mas eu sempre tive afinidade com amigos homens, desde os tempos de colégio. Por isso acho que talvez meu planeta seja Saturno, ou Urano, quem sabe. Meu amigo Gabriel, inseparável parceiro dos tempos de Gonzaga, que o diga. Ele conta até hoje que eu era pior que os guris naqueles idos anos 80. Eu até hoje me defendo acusando ele de cúmplice das minhas peripécias.

Uma vez quase fui expulsa do colégio por conta de uma arte. Tínhamos uma colega que era a popozuda da aula. Loira, calça branca colada, unhas pintadas e aquele ar de frágil, que comovia e encantava os seres humanos do sexo oposto. Também pudera, com esse conjunto de atributos. Mas a guria era uma baita dissimulada, e quando chegavam as aulas de educação física, aproveitava os jogos de handebol para empurra, beliscar, puxar cabelo. Mas como tinha cara de santa, na hora que reclamávamos a professora não acreditava.

Até que um belo dia achamos uma calcinha velha no vestiário do colégio. Eu e minha gang resolvemos fazer um plano maquiavélico de vingança. Pintamos a peça íntima com cores chamantes e escrevemos o nome da guria na calcinha. Depois levamos para sala de aula, e logo depois do recreio, o guri mais espalhafatoso da aula abriu o caderno e tchan, tchan, tchan...encontrou-a dentro. Foi aquele alvoroço masculino. A calcinha rodou a sala de mão em mão, até que um dos alunos a colocou esticada na parece do fundo da aula.

O professor de Física entrou e a barulheira não acalmava. Foi então que a nossa colega viu do que se tratava. Levantou chorando, e saiu desenfreada sala a fora. Na mesma hora o professor resolveu chamar o inspetor, figura temida no meio escolar, o famoso Luiz Gonzaga.

Ao entrar na sala de aula ele nos olhos com cara de furioso e disse:

- As meninas estão dispensadas, o assunto aqui é de homem!

E eu sai bem quietinha, faceira por ir mais cedo para casa. No outro dia a coisa complicou. Um dos guris me denunciou e fui chamada com outra colega a depor na direção. Foi um horror. Imaginem em um colégio de padres, uma menina fazer tamanha traquinagem. Chamaram minha mãe e depois de muita conversa eu fui colocada na quarentena. Acabei não sendo expulsa porque na hora da minha defesa pedi a palavra e disse uma frase que comoveu o diretor, utilizando passagens bíblicas para evocar o perdão. Foi tipo Francisco Cuoco no auge da canastrice.

Depois dessa fiquei bem quietinha. Até o dia em que descobri uma obra no edifício ao lado do colégio. Cuidei o movimento dos pedreiros e em determinado momento convidei minha gang para colocarmos a escada e agilizarmos uma fuga em pleno intervalo de aula. Quando estávamos no meio do caminho, alguém espiou pela janela e nos viu em plena travessia. Resultado: fomos levadas de volta ao cárcere privado, sem direito a merenda.

A minha vida escolar não foi de muita dedicação aos estudos, mas a verdade é que era divertido demais. Depois que cresci e virei uma profissional de respeito, fiquei chata e meus dias mais insossos. A única adrenalina dos dias de hoje são prazos pra cumprir e volta e meia alguns vaidosos para enfrentar.

Que saudades dos tempos em que eu era da pá virada!

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Terapia de maridos

Terça-feira cinza, fria e chuvosa. Pra completar o cenário, a nossa fiel escudeira, Talita, que se divide entre as tarefas de ser minha secretária e babá da Sofia, estava doente há dois dias. Sem perspectiva de voltar tão cedo, a casa estava ainda com aquele resquício de final de semana. Lavei o rosto, escovei os dentes e fui fazer um café.

O Nauro acorda alguns minutos depois, com cara de poucos amigos. Parecia estampar no rosto todos os ingredientes daquela manhã esquisita. Lacônico, mal deu bom dia e sentou na sala com o mate na mão. Para quem conhece o meu marido, sabe que estar quieto e sério, é sinal de que entrou água nas máquinas. Alguma coisa não está rodando nessa engrenagem.

Abri a internet para fazer o clipping, e me dou de cara com a capa da Zero Hora. Uma foto do repórter da sucursal de Rio Grande, feita com celular. Sinal dos tempos e do que está se transformando o jornalismo. Hoje em dia um celular com câmera e uma dose de vaidade, fazem de qualquer repórter um faz-tudo. Tudo que o departamento financeiro de uma empresa quer. A personificação da redução de custos. Nos olhamos e eu já sabia o que ele estava pensando. Fazer o que? Eu continuo achando que nada substitui o talento. Mas em uma manhã cinza e chuvosa, melhor não contrariar.

Organizamos a casa, me debrucei nos textos do caderno da Fenadoce e ele foi para cozinha. Passamos a manhã cumprindo os deveres domésticos, em um silêncio cúmplice. Sei das fases do meu marido. De quando ele tira todas as dúvidas das gavetas e coloca no sol, como que para tirar o mofo. Só que um dia como aquele não ajudaria a secar nada, muito menos angústias.

Deixamos a Sofia no colégio juntos, tomamos um cafezinho na cantina da escola e o deixei no jornal. Sabia que o compromisso da tarde dele era legal. Iria à casa do querido amigo Schlee, com o Javier, Alex e Vicente.

A tarde passou e quando a noite caiu fui buscá-lo para irmos para casa. O Nauro que entrou no carro parecia recém chegado de uma semana em Porto de Galinha. Animado, sorridente e até mais corado, juro! Perguntei se tinha dado tudo certo lá no Schlee e ele disse:

- Não e sim!

Como assim, perguntei. O Schlee não estava, perderam a viagem? Isso porque ele mora em Capão do Leão, município vizinho a Pelotas.

- Ficamos esperando ele chegar, fizemos um mate e começamos a conversar os quatro. Um papo super bom, sobre as nossas vidas, esposas, rotina. Um papo de homem, sem frescura. Foi tão bom!

Então ele começou a dizer coisas que tinha dito e ouvido, na maior alegria. Como se tivesse ido na terapia. Enxerguei naqueles olhos tristes da manhã, um ar de juventude, de renovação. O Schlee acabou não atendendo eles, por motivos pessoais. Mas sei que os quatro saíram levinhos daquele mate terapêutico.

Pensei no quanto tinha sido legal e necessário aquele momento para eles. Sugeri até que repitam a dose mais vezes. Que façam das manhãs cinzas, tardes de sol.

Mas não dá pra facilitar. Vá que eles comecem a pensar muito nesses encontros e resolvam queimar cuecas em praça pública. Alto lá, vamos devagar com essa terapia de maridos!

domingo, 16 de maio de 2010

Mochila de rodinhas

Tudo ia muito bem até que um belo dia, pouco minutos antes de entrarmos no carro para ir ao colégio, a Sofia me chamou. Pediu para me contar um segredo no ouvido:

- Mamãe, eu não quero ir para o colégio!

Eu achei estranho, mas pensei que fosse alguma coisa daquele dia. Vai ver que está cansadinha, com dor de barriga, qualquer coisa assim. Então prossegui o diálogo:

- Mas por que meu amor, tu que gostas tanto do colégio. O que houve?

Ela se abraçou no meu pescoço e aninhada respondeu:

- Mamãe, eu nunca mais quero ir para o colégio!

Como assim? Pirei na batatinha. Ela não precisou de adaptação. No primeiro dia de aula abanou para nós dois, que tentávamos disfarçar as lágrimas, e seguiu adiante cheia de si. Acordava sábado querendo saber que dia seria segunda-feira, enfim, nada poderia explicar. De um minuto para o outro, meu mundo desabou. E pela frase alguma coisa muito séria tinha acontecido para aquela frase vir tão cheia de certezas.

Busquei nos meus arquivos de mãe o tal manual de crises, mas o capítulo "adaptação na escola" só tinha dicas para crianças com dificuldade para ficar nos primeiros dias. Então fui pela lógica, e imaginei que a melhor coisa naquele momento era levá-la ao colégio mesmo assim. Tentei não valorizar o assunto. Disse que eu também não tinha vontade de trabalhar muitos dias, mas que a vida é assim mesmo. Uns dias com vontade, outros sem, mas o negócio era seguir em frente.

Entramos no carro e ela, sentada na cadeirinha, parecia que ia para forca. Não chorou, só deixou a cabeça cair para o lado, com um ar de tristeza tão explícito, que não teve assunto que mudasse o semblante. Chegamos no colégio e ao estacionar o carro ela já me pediu para ir no colo até a porta da sala. Entrou, e sentou em uma cadeira, como se estivesse na sala de espera de um consultório médico, sem o menor entusiasmo.

Comentei com a professora, perguntei se tinha acontecido alguma coisa diferente, mas ela lembrou apenas de um episódio comum. Uma coleguinha havia levado um bichinho de pelúcia e a Sofia brincando, acabou por sujar de tinta o rabo do tal bicho. Foi repreendida e pediu desculpas, segundo o relato.

Chegando em casa à noite, sentei para conversar com ela. Disse que tinha falado com a “profi” e que ela tinha me dito do acontecido com a colega. Ela me disse que estava triste, porque a “aluninha” (é como ela chama) não a tinha desculpado. Expliquei que não tinha sido nada, que era assim mesmo, comum nas escolas e que ela não precisava se sentir culpada. E ela me retribui:

- Mas mamãe, não é só isso, as "aluninhas" nunca brincam comigo!

Ah, a coisa começava a encrespar e eu já estava pedindo ajuda para os universitários. Daí ela começou a relatar um rosário de situações corriqueiras, e em todas o que pude perceber é que minha princesinha estava se sentindo diferente do todo. Rejeitada para ser mais literal.

Uma vez uma colega disse que a mochila dela era velha. A verdade é que na sala (e acho que em 98,8% do colégio) todas crianças arrastam uma mochila de rodinhas. A dela é uma laranja e marinho, que ganhou no final de ano como presente da empresa pelo pai ser funcionário da RBS. Achei ótima, porque é bem das cores do uniforme e cabe a merendeira com o lanchinho, na medida. O outro lamento foi porque a outra colega disse que o tênis dela era velho. Na verdade é um tênis lindo, mas como moramos para fora, tem cara de quem usa mesmo, com as marcas do dia a dia. E assim foram várias situações que para nossa cabeça podem ser mínimas, mas que no universo infantil e sua “sinceridade”, podem virar um problema.

Percebi que até a minha involuntária idéia criativa de mãe, tinha sido um desastre logo no começo das aulas. Deixa eu contar. Seguinte, era para todos irem fantasiados de algum personagem do Sítio do Pica-pau Amarelo, uma atividade alusiva ao dia do livro, eu acho. O caso foi que quando me dei conta que a maioria das crianças iriam alugar fantasia, já era tarde demais. Não tinha nada disponível. Então lembrei que a roupa da Tia Anastácia era super fácil de fazer e preparei a Sofia com um vestidinho mimoso, avental, lencinho no cabelo, coloquei base no rosto e como adereço uma colher de pau, finalizando as características de uma das personagens mais amáveis de Monteiro Lobato. Levamos ela pela mão, o Nauro e eu, bem faceiros e orgulhosos da nossa Tia Anastácia. Tiramos foto na sala de aula, mas percebemos que ela estava um pouco tímida, fora do seu estado natural de alegria. Quando fui buscá-la mais tarde, entrou no carro e me disse:

- Mamãe, na próxima vez que quero ir de Narizinho, tá? Todo mundo riu de mim.

Hoje, depois dos últimos relatos, percebo que aquele deve ter sido um dia difícil para Sofia. Ser diferente não é fácil. E o universo infantil é permeado de uma sinceridade muitas vezes cruel. Me dei conta que a Sofia tinha chegado de peito aberto para um mundo novo. E da mesma forma que ainda não tinha anticorpos para as gripes cotidianas da escola, não possuía os antídotos para situações como as que o convívio social nos expõem. Ela foi criada aprendendo que sempre que se errava era preciso pedir desculpas, e que ouviríamos “não foi nada”, do outro lado. Da mesma forma, era preciso agradecer quando alguém nos fazia uma gentileza. E assim por diante, com as famosas “palavrinhas mágicas que abrem as portas do mundo”, como sempre brincávamos em casa.

A verdade é que o mundo não tem mais essas regras como essenciais, e muitas vezes usá-las pode parecer diferente. E assim seguem as situações da mochila, do tênis, da Tia Anastácia...e muitas outras que estarão por vir. Minha cabeça ainda está confusa. Mas depois de uma semana e meia em que a cena do “não querer ir ao colégio” se repetia, sexta-feira minha mãe por sua conta achou uma saída.

Eu estava atucanada com uma pauta e ela foi buscar a Sofia em casa para levá-la ao colégio. Antes disso, passaram no centro e a Sofia escolheu uma mochila de rodinhas, rosa, flamante. A mãe contou que chegaram no estacionamento e ela já zarpou do carro caminhando, sem pedir colo. Empunhou sua mochila de rodinhas e adentrou poderos às dependências do colégio. Como se fosse o Superman recém saído de Kripta. Com um ar de alegria voltando a aparecer, deu um beijo de tchau na avó e seguiu a rotina.

A mãe ligou na mesma hora para contar a novidade. Aquele relato me deu um misto de felicidade e tristeza. Sei que esse é apenas o primeiro passo. Daqui pra frente mundo será assim mesmo. Preciso me preparar para enfrentá-lo da melhor forma. Mas me dei conta que no primeiro round fui nocauteada pela mochila de rodinhas!

Qual será o próximo desafio?

quarta-feira, 12 de maio de 2010

A paineira

A fase introspectiva tem seu lado bom. Sem querer nos perdemos em pensamentos nostálgicos, no meio da tarde, como se voando para um pedaço bom do tempo. E isso na maioria das vezes, é uma delícia.

Então essa semana, entre uma coisa e outra, me peguei com saudades da minhas avó. Pois é, eu sempre fui muito apegada as minhas duas avós.

A Nóris, mãe do meu pai, morou toda vida conosco. Sempre a chamei de Chochó, um apelido inventado aos dois anos, que virou marca registrada da nossa relação. Ela foi morar na charqueada conosco quando eu ainda estava na barriga da minha mãe. Na véspera do meu nascimento, eles ficaram sabendo que meu avô Rafael estava com leucemia, e que tinha pouco tempo de vida. Como moravam na cidade, em uma casa com escadas, optaram por passar aquele último momento perto do arroio, com o ar do campo, na casa que simbolizava tanto para aquele casal (essa é outra linda história!). E foi assim que eu vim ao mundo, em um momento delicado da vida da minha avó, mas que como sempre, ela encarou de peito aberto. A sentença dos seis meses de vida, acabou durando dois anos, e nesse tempo soube que minha presença infantil foi de grande valia para as despedidas do meu avô, a quem intitulei obviamente de Chochô.

Minha avó era uma mulher muito especial. Fora a beleza física, inquestionável, tinha um certo magnetismo naqueles olhos cor de esmeralda. Era uma mulher de hoje nos dias de ontem. Ficou viúva muito jovem. Não sei se tinha 50 anos quando perdeu o amor da sua vida. Mas depois do tempo de luto, sacudiu a poeira e deu a volta por cima.

Ela sempre contava da viagem que fez à Bahia, quando tentava se reerguer e digerir a dor da perda. Ela que sempre amou o mar, foi de navio, e pelo que contava o tempo de viagem foi importante para afogar suas dores nas águas do oceano. Chegando lá foi ao centro da Mãe Meninha do Cantuá. Ela conta que a sala de espera estava lotada de gente, de todos os cantos. Ela já sem esperança de ser atendida, mas nem pensava em desistir. Eis que surge uma mulher de branco e a pega pela mão, levando diretamente ao encontro da Mãe Menininha. Foi um momento de tanta emoção, que foi um marco. A vida precisava seguir sem meu avô, e aquele dia ela entendeu que ainda tinha muito o que fazer nas bandas de cá. Daquele dia em diante ela voltou a sorrir, e espalhar aquela cor dourada por onde passava.

A Chochó tinha tantas histórias incríveis, que eu deveria fazer como a minha amiga Dê sugeriu, escrever um livro sobre essa mulher.

Nós tínhamos um vizinho chamado Donald Marshall, que trocou a Argentina pelo Brasil, e se instalou em uma bela casa vizinha à charqueada. Então ela levou uma muda de paineira para dar boas vindas e desejar que encontrasse muita felicidade naquela nova terra. Plantaram juntos aquela semente, nos idos anos 60 eu acho. A gentileza foi retribuída, e ele deu uma muda de paineira para ela plantar na porteira da nossa casa. Os anos passaram, as árvores cresceram e os dois se foram para outros jardins.

Mas não é que o script dividno está sempre no ponto e o mundo depois de dar voltas, fez com que eu acabasse voltando para esse canto de terra que tanto amo. Nossa casa fica vizinha a do filho do Donald, o Diego, de quem o Nauro comprou o terreno.

Dia desses acordei, e o Nauro em chamou para ver uma coisa no alpendre. Apontou para copa da paineira do vizinho, toda florida. Lembrou que aquela árvore tinha sido plantada pela minha avó, como presente de boas vindas ao pai do nosso vizinho. Me emocionei!

A gente tem tesouros guardados na memória, que tempo algum pode apagar. Assim como a força das paineiras no outono. E foi assim que mudei minha cara naquela manhã. Olhando aquela copa de árvore, colorida e imponente. Impondo alegria naquela manhã cinza. E tenho certeza que naquele momento abracei minha Chochó, e matei um pouco dessa saudade!

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Talvez

Há algum tempo tenho pensado em mudar radicalmente o rumo das coisas. Por enquanto não passam de pensamentos soltos, no meio de dias cansados. A rotina de um trabalhador autônomo parece linda naqueles livros de auto-ajuda americanos. Eles trabalham em casa, tem escritórios modernos, usam roupas super relax e estão sempre com aquela cara de ócio criativo, com um óculos na ponta do nariz.

Mas a vida real não é bem assim. Desde que abri minha empresa, há quatro anos, soube que era a decisão mais acertada para as circunstâncias. Estar ao lado da Sofia durante esse tempo, foi de um valor imensurável. Neste período a minha pequena agência ganhou espaço e hoje as coisas vão de vento em popa. Clientes ótimos, bons âncoras, rotatividade de assuntos, ou seja, muito mais do que eu planejei para esse capítulo da minha vida profissional.

Nos últimos dias tenho pensado em trocar de profissão, de rotina, de estilo, sei lá... menos de marido (que fique claro!!!). Pensei se não era melhor ter uma lojinha, aprender a cozinhar, vender joias, entrar pro budismo, rapar a cabeça, estudar japonês, sei lá o que mais...

Acho que estou na crise pós-colégio da Sofia.

A verdade é que agora tenho mais tempo pra me olhar. Tenho trabalhado cada vez mais, como se fosse um cachorro correndo atrás do rabo. Me sinto presa dentro de um castelo construído pelas minhas listinhas de compromissos. A empresa cresceu, mas o que sinto com tudo isso é uma angústia cada vez maior. Medo frente a responsabilidade que tenho, com os contratos e prazos à cumprir, o clipping pra fazer, o texto para criar, a matéria pra enviar, a nota para postar, e assim caminha a minha rotina.

Estou com saudades de não ter peso nos ombros, dor na coluna, hora pra acordar, almoçar, dormir. Saudades de passar as tardes comigo mesma. Olhar mais de perto aquelas unhas deixadas por fazer, ou o cabelo sem um reflexo dourado há meses. Quero olhar pra dentro de mim e reencontrar minha fé inabalável, que já removeu montanhas.

Enfim, me dei de cara comigo mesmo. E quando isso aconteceu vi que preciso ser mais minha amiga. Cuidar um pouco mais do meu cotidiano. Ir ao cinema com meu marido, jantar fora de vez em quando, tomar um vinho e ficar meio grogue, dormir até tarde numa quinta-feira, dedicar uma tarde para o cabeleireiro, sei lá o que mais.

Fazer coisas que me façam sentir prazer. Abolir a eterna sensação de estar cumprindo deveres, de estar em dívida. Eu sei que esse não é o assunto mais emocionante para um blog. Mas se é pra ser divã-virtual, os meus psiquiatras-leitores vão ter que fazer hora-extra hoje. Talvez seja apenas uma crise de “meia-idade”. Talvez seja a nostalgia que traz o cinza do inverno. Talvez seja a tosse da Sofia que não dá trégua nos últimos dias.

Talvez, talvez, talvez...

Talvez seja eu que tenha me perdido de mim mesma, e queira achar àquela Gabi livre, leve e solta que eu fui um dia.

Alguém viu ela por aí?

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Não tem preço

Ontem estivemos em Porto Alegre com a Sofia, para consulta com o especialista que acompanha o caso dela desde os primórdios. Ela estava feliz da vida com a viagem à capital. A guria é cosmopolita, como diz o pai dela. Adora um saracoteio e no alto de seus quatro anos já tinha feito um cronograma de viagem de dar inveja aos guias de mochileiros.

Mas voltando a vaca fria. As nossas idas ao Dr. Fischer sempre foram envoltas de uma certa tensão. A primeira delas foi no final de 2005. Ela tinha uns cinco ou seis meses e depois da saga da UTI seguimos para capital para avaliar com o melhor pneumologista do país, o que havia restado do pulmão direito danossa filha. Com semblante fechado, bem diferente do estilo carinhoso do Dr. Flávio, com quem estávamos acostumados aqui, encontramos um estudioso que se interessou em pesquisar um caso raro da medicina. Naquela época ficamos dias com ela internada no Hospital Santo Antônio, e ele e sua equipe fizeram exames de última geração para chegar a um diagnóstico final. Lembro como se fosse hoje do dia em que ele entrou no quarto do hospital, nos descreveu cada detalhe técnico da doença e disse.

- Pronto, agora retomem as rédeas de vida de vocês!

Simples assim. Com esse conselho voltamos para Pelotas e começamos uma adaptação, procurando sempre proporcionar o máximo de normalidade à rotina da Sofia. Trocamos a enfermeira por uma babá, organizamos uma fisioterapeuta para vir em casa, fomos morar na nossa casinha para fora, cheia de ar puro. Depois disso seguimos com consultas rotineiras ao Dr. Fischer, com o grupo de estudos dele sempre acompanhando o caso. Mas a cada bateria de exames era como reviver nossas dores. Lembro da última ida, há cerca de dois anos, quando fomos fazer uns exames mais delicados.

Combinamos com ela um passeio, que iríamos ao shopping, nos hospedamos em um hotel e ao final fomos para o hospital fazer o tal exame. Na hora em que colocaram o sedativo, o famoso “cheirinho” para iniciar a anestesia geral, ela entrou em pânico. Nunca vou esquecer aqueles olhinhos pedindo socorro. E eu arrasada, me sentindo cúmplice de um plano malvado, que começava com diversão e acabava como sempre, em um hospital. Sentei na sala de espera e chorei muitos baldes de lágrimas, amparada pelo ombro do Nauro.

Então depois dessa ida à capital, eu me fiz de boba e não retornei mais para os exames de rotina. Errado eu sei, mas eu tentava de alguma forma me concentrar em uma qualidade de vida boa para fazê-la crescer e ficar forte. Pedi demissão do emprego, abri minha própria empresa e me dediquei a estar ao lado dela. Vê-la de perto e dar todo suporte necessário foi meu objetivo nesses quatro anos.

Até que este ano a nossa mimosa foi para o colégio e como já era previsto o Dr. Flávio nos pediu uma tomografia com contraste, do pulmão afetado. Eu protelei o que pude, até que decidi que faria o exame em Porto Alegre, porque como na última vez foi preciso entubá-la, teríamos mais suporte lá.

Marquei a tal consulta para o Dr. Fischer, para que ele conduzisse a internação e acompanhasse tudo. E ontem finalmente chegou o dia de revê-lo depois de nosso sumiço.

Nossa consulta, marcada para às 16h, era a primeira da agenda. Enquanto aguardávamos na sala de espera, ele entrou rapidamente para colocar uns peixes novos, que havia comprado, no aquário que fica na recepção. Olhou pelo vidro aquela criança fascinada pelos peixinhos, e conversou alguma coisa, mas não me viu.

Passados alguns minutos, a secretária nos mandou passarmos para consulta. A Sofia foi na frente e eu e minha mãe logo atrás. Quando ele me viu, retornou o olhar para ela e parou alguns segundos no rostinho daquela sapeca sorridente. Buscou ar e disse:

- Eu não acredito que essa é a Sofia!?

No rosto sério daquele que é considerado um dos maiores especialistas em casos raros da medicina na área da pneumologia, vi um misto de incredulidade e satisfação. Discreto como sempre, começou a avaliar os exames que levamos e a fazer algumas perguntas. Examinou a “paciente” e depois me disse que é impressionante o resultado, já que a maioria das crianças com hiplopasia pulmonar não crescem ou se desenvolvem. Tentei esconder minha emoção na hora, mas acho que não consegui.

Cada minuto da nossa rotina, me dedico para que a qualidade de vida da Sofia seja boa. Para que ela seja uma criança como as outras, que não se sinta diferente, que tenha convívio com os amiguinhos, enfim, que se sinta feliz com a vida que tem. Nossa maior preocupação sempre foi ela não achasse que a vida eram agulhas, injeções, dores, remédios, fisioterapia, exames, cheiro de hospital, gente de branco, enfim...Todos os médicos que já a viram por dentro, se surpreendem como ela é por fora.

Por isso, aquele olhar de admiração, vindo de alguém que estuda casos raros da medicina, foi um presente de Dia das Mães.

O melhor de todos os presentes a vida já me deu, e o Papai do Céu foi generoso em caprichar nesse anjo especial, com quem tenho o privilégio de aprender a cada dia. Mas uma coisa eu tenho erteza...

Mega-sena, viagem pelo Caribe, banho de loja, carro novo...para tudo isso existe o tal do Credicard.

Mas um olhar de admiração do Dr. Fischer....ahhhh, isso não tem preço!

domingo, 2 de maio de 2010

Cassino

Ontem fomos ao Cassino para o casamento de uma velha e querida amiga minha. A Lílian e eu nos conhecemos nos idos anos de 80, quando éramos duas compridas desajeitas adolescentes, desfilando pela avenida principal, em meio a uma turma de amigas “petiças”. Foi em um verão de 1982, em plena pré-adolescência. Eu com 14 e ela com 13 anos. Acabamos nos aproximando exatamente por uma questão de “altitude”. Enquanto a turma de gurias desfilava sua estatura compatível com a idade, nós já éramos duas girafas que tinham passado dos 1,70m, como nossos pares de tênis tamanho 38. Imaginem, isso ainda em fase de crescimento, depois chegamos à índices ainda maiores!

Eu costumava veranear com minha querida avó Nóris, a quem eu sempre chamei carinhosamente de Chocho. Era sua companheira de aventura e quando chegava janeiro, nos mandávamos com a mala cheia de amor pelo verão. Nós duas sempre amamos uma praia, um belo bronzeado e aquele balneário, que guarda a maior praia do mundo em extensão. E foi lá que conheci essa amiga tão querida. Depois desse primeiro verão, em que nos olhamos pela primeira vez, nunca mais nos perdemos de vista. Ela morava em Porto Alegre, mas seu pai era pelotense e a família da mãe de Rio Grande. Então os laços afetivos estavam todos pelas redondezas e a nossa amizade foi mais um deles.

Lembro que quando voltamos para nossas casas e retomamos a rotina escolar, continuamos a amizade através de cartas. Nossas correspondência sempre foram originais, e até fitas cassetes vendidas pelos Correios na época usávamos. Era uma curtição e assim foi durante longos anos. Temos todas guardadas e combinamos de um dia escrever um livro dessa história, só através das trocas de confidências.

A Lílian sempre foi do mundo. Lembro que com 17 anos se tocou pra San Diego sozinha. Atinada como só ela, estudava japonês, em uma época em que mal se falava em saber inglês. Formou-se em Oceanologia e Direito ao mesmo tempo, e depois disso rodou o mundo novamente. Morou na Escócia, voltou para o Brasil, retornou para Itália e um dia decidiu largar âncora no Cassino. Foi lá que ela sempre recarregou suas energias. E foi lá que conheceu seu amor. Uma pessoa que é a cara Del, o Renato, ou Gordinho. Os dois tem o mesmo amor cativo pelo Cassino.

E a festa de ontem foi exatamente a cara deles. Em uma casa da tia da Lílian chamada “Vila Avozinha”, um lugar que durante os meses de verão sempre era alugada para estudantes de Oceanologia. Como os detalhes do destino são sempre precisos, o Renato morou por longos anos lá. Então a festa era assim, cheia de simbolismo e de uma simplicidade encantadora. A cerimônia foi nos desse lugar tão representativo, com jardins emoldurados por árvores centenárias e iluminado por tochas e velas. A Lílian, sempre linda, estava com um vestido cor de uva, e uma flor branca no cabelo. Estava exalando felicidade. O buquê foi feito por ele, com astromélias e folhas de louro. Nas badejas além de espumante, os garçons ofereciam uma cachacinha de butiá feita pelo noivo, curtida há dois anos. Para finalizar os bem-casados feitos em casa, de uma velha receita familiar.

Fiquei emocionada com o que vi e senti. E tenho certeza de que a minha querida amiga vai ser muito feliz no seu canto especial desse mundo. O lugar para onde ela sempre voltou. Tenho certeza de que todos nós temos o nosso canto preferido nesse mundo e é lá que está escondido o pote de ouro no final do arco-íris. É o canto que nos encanta!

Vida longa a esse amor!