Como pode uma comida tocar a alma?
O começo dessa história foi na noite de quarta para quinta-feira. O Nauro passou a noite com febre alta e eu entre uma soneca e outra, tive um sonho muito real. Quando acordei ainda fiquei alguns minutos em estado de graça, com uma sensação diferente de que algo muito real tinha acontecido durante aquela noite. E não era delírio, já que os 39 graus de temperatura que o termômetro apontava, eram do marido.
Coloquei a mesa do café e sentei sozinha na sala, puxando da memória cada detalhe do encontro que tive com a Voinha. Ela conversava comigo coisas boas, cotidianas, e me perguntava onde estava àquela carta que ela tinha me dado, com uma oração em papel de seda. Eu tentava lembrar, mas a última vez que a vi, foi no primeiro quarto que fizemos para Sofia, na casa alugava que vivemos antes desta ficar pronta.
Com os imprevistos do nascimento prematuro e dos meses de hospital, a Sofia nem conheceu aquele quarto. No segundo mês de internação na UTI, nossa casinha foi assaltada, e decidimos por colocar nossas coisas em uma garagem de amigos para não ter nada que tirasse a atenção da nossa amada. Concentramos nossa energia nela, e na sua cura. Eu nesse período, nem vi a casa ser desfeita. Como permanecia durante 24 horas – literalmente - no hospital com ela, não participei dessa mudança.
Meus sogros queridos fizeram essa parte dolorida. Vieram de Novo Hamburgo e pegaram no pesado. Então o altarzinho de santos, com as cartinhas das duas avós já falecidas, Voinha e Chochó, foram parar em alguma caixa do passado.
E agora nesse sonho, a Voinha me pergunta pela cartinha.
Nossa, que sensação. O que posso dizer, é que aquele encontro aconteceu, de alguma forma. Senti o carinho dela, a segurança das suas palavras, a luz do seu espírito. Aqueles momentos imensuráveis abraçaram meu coração. Foi um colo gostoso de avó, em um tempo que não sabemos ainda explicar, mas que existe. Tenho certeza que sim!
Mas essa história não acaba aqui. Surpresa maior eu tive na quinta-feira à noite. Minha irmã Kiki veio de Jaguarão com as crianças, para irmos à Fenadoce. Chegaram à noite, e a Sofia e eu estávamos na casa da mãe esperando por eles. Ficamos matando a saudades na volta da estufa, conversando sobre a vida. E eis que ela me diz:
- Gabi, essa noite me aconteceu uma coisa tão boa. Sonhei toda noite com a Voinha. Foi a primeira vez que isso aconteceu depois dela ter morrido!
Eu gelei. Não cabia em mim. Dizia para ela:
- Kiki, vai lá no quarto agora e pergunta para o Nauro com quem eu sonhei toda noite. Pergunta para ele, tu não vais acreditar se eu te contar que também estive com ela!!!!
Fiquei impressionada com aquilo. Por mais que realmente exista alguma coisa muito forte além dessa vida que vivemos, aquilo era inusitado demais. A Kiki detalhou seu sonho, onde também estava a tia Isa, que sempre teve uma ligação forte com ela, mesmo que tenha morrido antes da Voinha, quando a Kiki era bem criança. A Voinha dizia que a tia Isa era o anjo da guarda da Kiki. E a kiki por sua vez colocou o nome da filha de Luisa, não por obra do acaso, mas em homenagem a tia Isa.
No sonho da minha irmã, o lugar do encontro era o priemiro apartamento da Voinha, na rua Tiradentes, onde íamos sempre depois do colégio. A empregada da Voinha era a Laura, que na época era uma moça solteira, com uma mão boa na cozinha, e que nos cuidava com muito carinho. Ela nos buscava todas as tardes no colégio. Quando chegávamos, assistíamos ao Sítio do Pica-pau Amarelo, enquanto a Laura fazia um doce de leite caseiro. Aquela receita necessitava de fogo brando e muita paciência, e enchia o apartamento da Voinha de um saboroso aroma de afeto.
Lembramos disso e de mais alguns detalhes daqueles bons tempos da infância. Ficamos emocionadas com a estranha coinciência.
Ontem comentei com a Talita, que trabalha comigo, sobre o episódio dos sonhos e do doce de leite. Fui para Fenadoce com a kiki e as crianças e hoje quando acordei: surpresa!
A Talita é filha da Laura, a que trabalhava na Voinha. E quando a chegou na sua casa ontem, comentou dos nossos sonhos com a Laura. Ela na mesma hora foi para o fogão. Fez um daqueles doce de leite de antigamente, e dividiu em dois potinhos. Hoje a Talita chegou com o néctar da saudade, em duas carinhosas embalagens.
Abri e não acreditei. Ela pediu para eu cheirar. Tasquei uma colher de doce na boca e fechei os olhos. Senti o sabor daquela saudade bem dentro da minha boca. Fiquei profundamente emocionada com aquele carinho.
Agora estou aqui, sozinha em casa, acompanhada pelo calor da lareira e escrevendo esse depoimento de uma das melhores sensações que tive. Além de um momento único, foi uma certeza. De que aqueles que amamos, nunca vão deixar de estar perto da gente. Mesmo que muitas vezes o tempo apague algumas memórias, sempre vai ter um cheiro, um sabor ou um anjo para assoprar um carinho e matar a saudade no nosso coração.
No caso da minha Voinha, são laços eternos, feitos de doce de leite e muito amor!
5 comentários:
Que historia linda que conto gostoso,me fez chorar...
Sinto tanto estes cheiros...estas sensações...(do meu pai)
Acho que o sonho foi para que tu tivesse este alento...não duvido memso que foi real...foi tudo premeditado para que esta sensação de amparo, de afeto,de companhia...fosse sentido por ti...
Como a dizer estou aqui...
Abraço!!adoro ler teu blog!
Filhas querida,Obrigado...sinto um aperto no coração lendo estes momentos vividos por voces, mas são de felicidade por Deus ter colocado, através de nós(pais) esta figuras maravilhosas na vida de voces..Voinha, Chochó, Laura, tia Isa,Talita...Peço a elas que estejam sempre iluminando os sonhos de voces, protejendo e trazendo este afago cheiroso.
1 beijo, Mãe
adorei! pena que cheguei um pouquinho antes desse doce de leite... senão teria provado uma colherzinha!
Ermã, tu não sabes o que foi de maravilhoso para mim aquele doce de leite, quando vi o potinho saí correndo para comer e a primeira colherada foi como um abraço bem apertado, cada vez mais acredito que existe muito mais além do céu e a terra e que a nossa voinha, Tia Isa, chochó estão sempre por perto. Ontem na hora que estava na missa com a Luísa (que comecei a ir pois ela vai fazer a 1ª comunhão) tive a certeza que depois que voltei a ir a missa sinto a voinha bem mais perto de mim e cada vez que vou comungar é como se ela estivesse me beijando é uma sensação ótima.
Todos os domingos agradeço a Deus por ter essa linda familia que tenho e por ter me dado essa irmã, pois tenho certeza que nossa ligação já vem de outro plano. Te amo.
Bjs cheio de doce de leite.
Que momento especial, vocês compartilharam e ainda se lembraram. Não há como negar a existência do espírito, que é eterno. Parabéns, vocês puderam desfrutar de um momento lindo. Mas fiquei com água na boca, esse doce despertou minha memória olfativa. bjus
Postar um comentário