quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Mundo das Letras II

Quando a Sofia entrou para o colégio falei aqui das minhas inseguranças no ingresso daquele mundo novo. A minha borboleta ganhava asas e os desafios diários extravasavam os limites da nossa segurança doméstica.

Escolhemos uma escola com nome de poeta. Esse simbolismo me deu uma sensação boa, meio mística. Como não se sentir atraída por um nome que povoou meus encantos literários?

Então decidimos seguir a filosofia do Mário Quintana. Como ele mesmo pregou, a resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas.

Os primeiros passos daquela nova aventura contaram com um anjo da guarda chamado carinhosamente por seus discípulos de “Profi Michele”. Aquela guria novinha, com cara de amiga da minha irmã, conquistou minha confiança e despertou profunda admiração.

Consegui enxergar naqueles olhos amendoados a certeza de que minha filha estava bem guardada. A doçura e firmeza de uma profissional de primeira linha foram essenciais nesse processo de rompimento umbilical.

Junto com essa entrega, tive várias crises. A cada cena pouco civilizada no engarrafamento do colégio, dúvidas me assolavam. Me perguntava se o colégio estaria caminhando de mãos dadas com os valores que pregamos em casa.

Incertezas mil, nos mais pequenos detalhes do cotidiano escolar.

Como entender um colégio que tem a filosofia de que o importante é ser “o melhor”? Em tempos de globalização, muita competição e pouca gentileza, sentia falta da singeleza nas entranhas dos corredores.

Mas aos poucos fui me adaptando e entendendo os prós e contras da escola. Ao longo desse primeiro ano a figura dessa professora, tão jovem e tão experiente, foi fundamental.

Para amenizaram o contraponto desse mundo novo, conversei, refleti e esperei a poeira baixar. Vi muitos profissionais apaixonados pela pedagogia circularem pelas paredes coloridas daquele mundo estudantil.

Mas aquele rostinho seguro da primeira professora da Sofia, foi a chave desse primeiro passo do mundo que gira.

No começo desse ano, de novo o frio no estomago. Minha sensação de acolhimento estava diretamente ligada a uma pessoa, e não ao ambiente em si.

Fui para reunião de apresentação dos professores com a respiração em suspenso. Sentei no auditório e aguardei as tradicionais falas e recados do início do trimestre.

Feitas as primeiras apresentações, surge uma pessoa colorida, com sorriso rasgado no rosto. Entre os cachos escuros e a pele branca, se percebia um brilho intrigante no olhar.

A professora se chamava Karine e antes de finalizar o protocolo pedagógico pediu a palavra.

Disse que queria que soubéssemos que ela tinha total entendimento da responsabilidade que lhe chegava a partir daquele momento. Falou que pensou em uma forma de traduzir para nós, pais, essa certeza.

Foi aí que tirou de um saquinho várias pedrinhas coloridas. Explicou que aquele pequeno tesouro simbolizava os nossos filhos. Pediu que cada um retirasse uma pedra e repetisse para ela o nome da criança.

Olhei para aqueles olhos brilhantes, e disse emocionada:

- Sofia, esse é o meu maior tesouro!

Ela sorriu e sem precisar falar nada, me deu a senha de que mais uma vez o anjo certo tinha caído na minha rede.

A Karine abriu as portas de um novo mundo para os nossos filhos. Apresentou as letras e todo o significado que a leitura tem aos nossos ávidos aprendizes.

Semanas atrás, tivemos a última reunião de pais, antes da formatura dos nossos pequenos. Na platéia uma legião de pais embasbacados com o progresso dos filhos.

Essa pessoa de sorriso largo, ensinou bem mais do que o alfabeto. Ela soprou a alma de cada um. Coloriu seus talentos e ajudou a subir o degrau mais simbólico da vida: o da liberdade.

Mostrou através de sua sensibilidade, os verdadeiros valores que importam na vida. Trabalhou as diferenças e evidenciou a importância de cada um individualmente.

Mais do que entender que somos de várias cores, classes e estilos, ela ensinou aos nossos filhos o quanto é importante o respeito. Aprender todo mundo aprende, mas sentir não é para todos.

Terminada a reunião não tive coragem de traduzir tudo que queria dizer. Fiquei muda, engasgada e emocionada.

Decidi por não falar e tentar escrever. Como a Karine ensinou aos nossos filhos, cada uma tem seu talento, e aprendi que fala não é para mim.

Sai dali e minha cabeça viajou por cada mudança da Sofia nesses meses de transformação. Olhei para a filha que tinha e para aquela menina decidida que estava sentada na cadeirinha do banco de trás do carro.

Minhas dúvidas e críticas a alguns valores da escola continuam existindo. Mas a esperança de que os administradores aprendam com esses exemplos que eles têm no seu quadro de funcionários, permanece.

Quem sabe um dia esses “anjos” não conseguem mostrar que o importante não é ser o melhor, mas sim o mais feliz.

A vida é rápida demais para se gastar toda energia na busca do pódium mais alto. Talvez lá de cima não se consiga contemplar o horizonte com a mesma magnitude.

A pedrinha que ganhei na primeira reunião de pais continua na minha carteira. Hoje tenho a certeza de que meu tesouro foi lapidado com carinho.

Não que ela tenha mudado sua essência, jamais. Mas aquele brilho no olhar que enxerguei na “Profi Karine” em março, estava nos olhos da minha filha quando arrancamos o carro para casa.

Afinal de contas, tudo realmente vale a pena, se a alma não é pequena. Salve o poeta e as professoras de verdade!

8 comentários:

Mariana Blaas Marini disse...

Que lindo Gaby! A minha mãe é um desses anjos, cada vez que ela fala em algum aluno, os olhos dela brilham!
Beijão! :)

Anônimo disse...

ai minha querida... quanta emoção...preciso me recompor para poder escrever o que senti... . karine.

Anônimo disse...

Ja coloquei no facebook o quanto teu texto é lindo e o quanto emociona esta "velha" profi :)
Agora mais emocionada ao ler os comentários das minhas filhas (Paula/facebook e Mariana/aqui no blog). A Karine é uma sortuda por ter uma mãe de aluna como tu :)
Somos todos abençoados ao ver nossos alunos descobrindo o mundo e muitas vezes ao nosso lado! bjão Gabi (Profª Tania Blaas)

Anônimo disse...

Olá Gaby, as vezes leio o teu blog para me sentir um pouco mais perto de Pelotas, do Areal e das coisas que amo, como minha família e meus dois filhos mais velhos que estudam aí.Você já ouviu Slipping through my fingers do Abba?Traduz muito do que sentimos enquanto nossos filhos crescem e o tempo passa.Um abraço.

Dinda Eunice disse...

Gabi..
que belo gesto! e que só pderia ser teu. Hoje é tão dificil que se reconheça o valor dessas criaturas maravilhosas,as fadinhas do mundo das letras. Fico feliz em saber sobre a mimosa professora da igualmente mimosa Sofia. bjooooo

Patrícia Taylor disse...

Gabi

Texto lindo e emocionante!

Patrícia Taylor disse...

Gabi

Texto lindo e emocionante!

Katia disse...

OI Gabi...nossa para mim que sou professora e mãe, ainda ontem precisei me despedir de algumas turmas...escutando o quanto eu tinha sido importante...realmente estou as lagrimas com tua postagem...com certeza muitas ainda virão fazendo a diferença na vida da Sofia...e varias vezes ficarás sem palavras,sei pq com o Jê...cada ano foi de lindadescobertas e inseguranças tbm.bj grande Katia