segunda-feira, 5 de abril de 2010

Palavra de amiga



Uma vez, quando eu estava grávida, uma senhora disse para minha mãe que a Sofia viria ao mundo para nos ensinar muitas coisas. Naquela ocasião, minhas preocupações se limitavam em arrumar o seu quartinho e passar óleo de amêndoas na barriga. Com o desfecho que todos já sabem, e sua chegada prematura ao mundo, comecei aos poucos entender melhor a razão de tal prenúncio. Foram muitas lições nesses quatro anos de vida.

A última delas aconteceu nesta Páscoa. A Sofia passou semanas esperando ansiosa pela chegada dessa data especial para ela, e todos que habitam o universo infantil. Junto com a felicidade em aguardar os ovos de chocolate e guloseimas, ela tinha um compromisso sacramentado: entregar os bicos para o Coelho da Páscoa. Desde que entrou para o colégio, no início de março, a pressão externa em função de ela chupar o tal bico, é cada vez maior. Mesmo que ela jamais colocasse o bico na boca durante as aulas, na hora que pisava fora da sala me pedia para alcançá-lo e logo saia acariciando o seu amigo de plástico.

Mas no sábado à noite, depois de prepararmos a bandeja com água e cenoura para o Coelho, e posicionarmos estrategicamente ao lado da porta de entrada, veio o momento tão temido. Ela tinha prometido que daria os bicos ao Coelho. Finalmente chegou o dia. Segurei-a pelas mãozinhas e perguntei:

- Meu amor, tu queres mesmo entregar os biquinhos para o Coelho?

Ela desconversou e engatou numa conversa fiada, tagarelando sem parar sobre qualquer assunto. Eu olhei para ela de novo e pedi para que me olhasse nos olhos. Repeti a pergunta e acrescentei.

- É uma decisão tua minha filha, não tem problema nenhum, é só me dizeres o que queres fazer.

Ela deu um suspiro profundo. Daqueles que busca coragem no fundo da alma, e no alto de seus quatro anos de idade me estendeu a mão decidida.

- Toma mamãe, pode colocar aí pro Coelhinho levar!

Eu juntei os dois amuletos de plástico da minha mimosa e coloquei na cestinha ao lado da água e da cenoura. Ela me olhou fundo, estendeu o dedo mindinho em minha direção, pedindo que eu estendesse o meu também, e disse:

- Bate aqui, palavra de amiga!

E assim se recolheu para o quarto para a primeira noite longe do seu objeto mais caro.

Assim que ela dormiu chamei o Nauro na sala para contar o feito e mostrar a coragem da nossa filha. Nos desatamos a chorar os dois, lembrando da primeira vez que ela teve contato com esse subterfúgio emocional, ainda no hospital. Ela completava um mês de vida na UTI e nunca tinha vestido uma roupinha, já que lá os bebês ficam só de fralda, em berços aquecidos. Naquele dia, ela teria que fazer sua primeira tomografia computadorizada do pulmão, para ver a quantas andava a tal bolha que não parava de crescer dentro dela. Como era muito pequena, o desafio era levarmos até um outro hospital e fazer o exame sem que ela se mexesse na máquina e nem acordasse durante todo procedimento.

Preparamos uma verdadeira operação para levá-la até à Santa Casa, já que decidimos ir de carro, em vez de ambulância, mas com uma enfermeira, oxigênio e o médico ao lado. Preparei com carinho a roupinha que minha Voinha tinha feito para ela e começamos a vesti-la pela primeira vez. Auxiliada por duas técnicas de enfermagem da UTI, percebemos que ela estranhava a roupa e começava a chorar. Foi aí que uma delas trouxe uma luva cirúrgica com um algodãozinho na ponta do dedo e colocou na boquinha da Sofia. Ela recebeu aquele primeiro biquinho como um conforto imensurável. Começou a chupar e em pouco tempo estava calminha.

Fizemos o exame e ela dormiu durante todo o tempo, chupando sem parar seu novo amuleto contra as dores do corpo e da alma.

E assim foi durante esses quatro anos. O bico para ela foi bem mais do que um simples vício de criança. Foi uma segurança, um afago, um carinho para enfrentar os exames rotineiros, remédios amargos e fisioterapia constante. Por isso naquele momento de tanta coragem, meu coração ficou apertado e chorei como criança abraçada ao Nauro. Tem que ser muito valente para encarar uma decisão dessas. Eu não sei se conseguiria. Mas como essa figurinha veio realmente ao mundo para nos ensinar, eu prometo que vou ser mais corajosa daqui pra frente.

Palavra de amiga!

8 comentários:

A Familia Aumentou disse...

mimosaaa!!!
Sof é realmente especial...
Eu adoro essa melancia aqui!
Beijocas familia querida.

Anônimo disse...

Impressionante o Blog... Lindo!!!
Parabéns por essa jóia rara que é a Sofia e parabéns por essa família linda.

Bjos Gizele (rbs)

Anônimo disse...

Muito agradavel de ler o blog, muita sensibilidade emocionante, so poderia parti de ti Gabi, sempre senti em ti uma pessoa especial desde a epoca do gonzaga, um abraço no coração.

Anônimo disse...

Querida, que texto lindo! A Sofia é uma figura!!! E já mostra que está sendo bem criada, sendo tão corajosa e honrando com os compromissos!
bjkas, Paula Blaas

regina disse...

Que linda a atitude dela, não deve ter sido muito fácil, mas acho mesmo que chegou a hora certa. Não podemos forçar nada, pois a criança tem necessidades que não entendemos. Porém chegou a hora dela monstrar sua força de vontade, de cumprir seu objetivo. Linda ela!!! parabéns ao casal sempre tão unido na criação da filha. Me emocionei, que bela Páscoa!!! Bjus

Eunice disse...

Querida Gabi...hoje é um dia dedicado ao Jornalista: sete de abril.Um abraço a minha querida comadre,jornalista, a quem tenho grande admiração tanto pela sensibilidade que demosntra no exercicio de seu trabalho quanto pelo profissionalismo que desempenha suas funções.
Abç p/ti, Sofia e Nauro.
PARABÉNS PELO TEU MERECIDO DIA!

Anônimo disse...

Lindo texto, muito emocionante. Tenho hj 33 anos e lembro da minha 1ª noite sem o tão amado bico, ficou gravado pra sempre.
Felicidades pra vcs!

cíntia disse...

amada. não tem outra palavra. a filhota de vocês é especial. e eu estou aqui às lágrimas.
beijo