terça-feira, 24 de novembro de 2009

As gurias e a mesa da cozinha

A personagem desse texto não faz sentido para muita gente, apenas para quem teve o prazer de ser coadjuvante da existência deste móvel, de quatro patas, comum nas cozinhas do mundo inteiro, mas muito especial para nós: “as gurias”.
Realmente a mesa da cozinha do apartamento da Andrade Neves não tinha nada de especial. Era de madeira comum, com o tampo de azulejos bege, tinha de um lado um banco com encosto de madeira e do outro duas cadeiras, longe de serem confortáveis. O segredo de ser tão especial era a cumplicidade com nossa juventude pulsante. Ali sentávamos (nós, as gurias) para sonhar, chorar e curar as bebedeiras da noite anterior, regada a velha e saborosa sopinha de legumes.
Foi sentada na cadeira desconfortável da mesa da cozinha que descobri o quanto era feliz, só porque o colega bonitinho da faculdade tinha me ligado pra sair. Foi lá também que descobri que eu era a pessoa mais infeliz do mundo, só porque a minha franja era crespa e a moda era cabelo liso, escorrido (* naquele tempo não existia chapinha)
Foram tantas as nossas histórias na mesa da cozinha, que extravasaria uma crônica e viraria livro de contos. Foram muitos os cafés passados na hora para começar o papo da sexta-feira, até chegar a hora da “produção”, e olha que a coisa era demorada. Enquanto uma das gurias ia tomar banho, as outras seguiam o papo na cozinha, já trocando o café por uma cervejinha e planejando as “pautas” da noite.
Nossa cúmplice, a mesa da cozinha, só descansava quando o bando, já com alegorias e adereços, partia Andrade Neves a fora rumo a mais uma noite de muitas emoções (*naquele tempo se podia ir a pé para qualquer lugar!). Depois de protagonizarmos nossas sessões de amor ou desilusão, começava o retorno. A volta era sempre em conta-gotas, as primeiras a chegar geralmente “faziam cera” até a chegada das últimas e começávamos a contar tudo que tinha acontecido e o que “não tinha acontecido”. Todas sentadas na mesa da cozinha.
Foi alí que cheguei as melhores conclusões da minha vida. Foi alí que dediquei seis meses de devoção ao pão integral e onde compartilhei um sentimento que a vida adulta nos rouba: a leveza. Com o tempo perdemos essa espontânea sensação que permeia nossas descobertas juvenis.
As gurias que sentaram na volta da mesa da cozinha estão espalhadas por aí. Cada uma seguiu seu rumo, sua profissão, seu caminho. Estão sentadas em outras mesas, de outras cozinha, construindo suas histórias e a de seus filhos. Eu também segui o meu caminho mas ainda convivo de perto com “aquela mesa da cozinha”. Ela faz parte do mobiliário da casa da minha mãe e testemunha a bagunça que minha filha Sofia faz com os primos Pedro e Luisa a cada encontro. Em alguns anos vai estar escrevendo a história deles. É o ciclo natural da vida e das mesas das cozinhas de todos os cantos do mundo. Mas até hoje, quando sento nela, relembro daqueles momentos tão especiais da vida, onde éramos simplesmente as gurias !

5 comentários:

lugastal disse...

siamesa!
dividir a mesa da cozinha da andrade neves foi, sem dúvida, uma das grandes alegria da juventude!
como diz o zeca baleiro, "nado tão a flor da pele, qualquer beijo de novela me faz chorar"!
haja coração!

A Familia Aumentou disse...

coisa boa viajar nas tuas lembranças!
confesso que lembrei de algumas minhas...
logo, logo a Sofia que estara trocando confidencias nesta mesa;)
beijocas

kiki disse...

Ermã,
Coisa mais lindaaaaa.
Que bom compartilhar contigo todos essas alegrias.
Te amo
Obs. Vou ter que levar o teu blog para Hemersson para ele me entender melhor heheh.

Bia Wetzel disse...

aaahhhh...que privilégio ter dividido a mesa, a cama, o tapete, o arroio!!! Acho que lembro mais das longas tardes que das noites, deve ser essa minha tendência diurna. Os cafés...bom, me rendo as lembranças.
Te amo!!
Bia.

Mariana Müller disse...

Que lindo, Gabi!
Me emocionei!
Tu é demais!! Fico até na dúvida se realmente existe...hehe
Beijão,
Mari das galochas